1. Corinthians
Vários meses depois de fazer parte da invasão corintiana no Japão, ainda revejo na memória as lembranças de uma experiência única em um país singular. Enquanto o Brasil acompanhava a epopeia deste bando de loucos que dobraram o Chelsea e conquistaram o coração japonês, os corintianos que lá estiveram, como eu, puderam observar um país que é quase a antítese perfeita do Brasil. Minha viagem começou pelos olhares cúmplices no aeroporto, as roupas preto e branco e as constantes trocas de “vai curintia” e “é nois mano” (batendo com punho cerrado no peito). Continuou na invasão barulhenta e pacífica do estádio em Yokohama, mas realmente adquiriu contornos não esperados batendo pernas por Tóquio e Kyoto. São outras cores, cheiros, comidas, tradições e manias que revelam todo o caráter desse surpreendente país.
2. Templos
Meu estômago embrulhou quando vi no Google Map do celular umas 15 suásticas indicando onde estavam os templos budistas próximos. WTF??? Em que ano estamos? Que pais é esse? Demorou um tempo para entender que ali esse símbolo milenar nada tem a ver com as atrocidades da Segunda Guerra e com o que representa para o ocidente. Longe disso, nos templos o que se vê é muita paz, energia positiva emanada das milhares de preces e orações ali trazidas diariamente pelos visitantes. Na entrada, cheiro forte e agradável de incenso queimando ao ar livre e um tanquinho para lavar as mãos. No caminho, doce de soja e outras tantas coisas para comer. Muita gente em silêncio desviando umas das outras. Destas, várias usando máscaras descartáveis para cobrir a boca e nariz (a obsessão nacional é não pegar ou passar doença). Muitos jovens, esporadicamente umas gueixas. As rezas e conversas baixas, como barulho do mar, eram cortados por “ondas” mais barulhentas e constantes“. Vai Curiiiintia! / é nois!”.
3. Mercado de peixes
Visitando Tóquio, me impressionou muito o mercadão de peixes: Tsukiji. Milhares de barracas e lojas limpíssimas expondo tudo o que mar pode aportar à mesa japonesa. Estão desorganizadamente alinhadas para que peixes entrem inteiro de um lado e sejam transformados de uma barraca até a outra, até sumirem em direção aos restaurantes e hotéis. Talvez nada simbolize tanto a eficiência e exuberância deste mercado quanto a travessia do atum. Diariamente a partir das 4 horas da manhã os atuns que já foram deitados, medidos, catalogados são leiloados silenciosamente em minutos. Os pedidos codificados e anotados em papeizinhos são grudados na mercadoria para que o exército de carregadores dirigindo carrinhos elétricos os carreguem. Nas barracas vizinhas experientes “peixeiros” de bandana e kimono, segurando espadas enormes, estudam o pedido e contemplam o enorme peixe deitado na mesa. A calma e a técnica silenciosa com que corta as peças dão uma ideia nítida da exigência da freguesia. Os peixes são então acondicionados em containers de isopor forrados de gelo e cobertos por plástico. Ao fim do mercado o inevitável e imperdível: os restaurantes de sushi aguardam pacientemente os peixes e os clientes já às 5 da manhã para o primeiro sushizinho do dia. Eu não sei se os japoneses realmente acordam mais cedo para comer sushis nessa hora. Precisa ser um pouco louco para isso. Graças aos loucos brasileiros, naquele dia havia 120% de ocupação corintiana em todos os restaurantes. Na fila de espera, corintianos tomavam sakê no gargalo, afinal esperar na fila às 5 da matina é demais: ninguém é de ferro. Em tempo: a “Ferrari” do sushis é o toro: barriga do atum. Carne rosa perolizada. Custa pouco pelo que é de bom. Mas custa menos que um sushi normal num restaurante em São Paulo, acredite.
4. Sumô
Você sabe que um time é popular quando as pessoas lembram a escalação do ano retrasado. A nossa guia sabia o nome e o sobrenome de todos os campeões de sumô dos últimos vinte anos. Inclusive o nome de um brasileiro que anda tentando a sorte por lá. O sumô é um esporte imperial que impressiona pela delicadeza das tradições e dimensões dos atletas. Guerreiros bem pagos e idolatrados. Engordados e confinados como uma oferenda preciosa, os lutadores de sumô parecem ser a casta da sociedade. São virtuosos, fortes, perseverantes, pacientes, imponentes, trabalhadores.
5. Japoneses em público
Se em Tóquio andar na rua é o melhor, em Kyoto é se deparar com a delicadeza individual das pessoas escondidas na massa interminável de gente non stop, em trânsito nas ruas, trens e metrôs. Se as ruas são cheias, imagine o mais movimentado cruzamento do país e uma garoa fina. Milhares de guarda chuvas abertos. Uma marcha silenciosa e caótica. Com exceção dos turistas, ninguém tropeçou em ninguém. Mas também ninguém ousou parar no caminho. Na rua se vê também personagens que literalmente saem das historias em quadrinhos, os mangás. Em geral adolescentes fantasiadas e andando despreocupadas.
Os japoneses trabalham muito e não são poucos os que dormem em quartos minúsculos perto do trabalho na cidade para se repousarem poucas horas antes de pegar de novo no batente . Nas estações de trem o ritmo frenético não aliviava ate às 23 horas.
Fora o trabalho, a galera do escritório sai junto para beber e cantar nas salas de karaokê. Após às 22 horas, uma boa parte das pessoas já não andava em linhas tão retas nas ruas. Numa noite apenas vi pelo menos umas dez pessoas que caíam no chão abalroadas por esse “vento imaginário” que o álcool sopra somente aos bêbados...
Encerrando a noite via-se as despedidas em vias públicas, em um ritual interminável aos olhos do estrangeiro: grupo de pessoas se olhando nos olhos, em círculo, se saldando. O mais idoso se curva para agradecer a noite, seguido pelos outros que por respeito se curvavam ainda mais. Os mais velhos, para demonstrar humildade, se curvavam baixo. O restante se desdobrava para abaixar mais ainda, mantendo o equilíbrio. O ritual se repetia mais vezes do que eu consegui contar. Para ser honesto, não vi começar e não vi terminar. Durou todo tempo em que andei do outro lado da rua até o outro quarteirão até perder de vista o grupo.
6. Kyoto
Kyoto merece uma menção à parte. Capital do império até 1868, abriga 1/4 dos websites turísticos. Ainda é o berço de muitas tradições do país, como as gueixas e a família imperial. Na visita ao palácio imperial chama atenção a geometria dos prédios, os espaços amplos e os ângulos retos das paredes e dos tatames. Tudo isso rodeado por jardins e parques milenares. No templo Kiyomizudera, no alto da montanha, observamos em silêncio um grupo se sentar de com as pernas cruzadas, entoando cânticos cortados por uma batida de sino. Nos banhos japoneses, chamados de “Onsen”, os moradores locais vão ao fim do dia pegar uma sauna, se banhar em águas termais e em águas frias. Tudo muito simples e talvez por isso tão especial. Mas foi na Nishiki Street que minha câmera não saiu da minha mão. Essa rua estreita enfileira lojas e lojas de comidas típicas meticulosamente organizadas por tipo de comida. Lojas super especializadas que passam de geração a geração aperfeiçoando o que parece já perfeito. A comida no Japão merece uma comida a parte
7. Comida
A culinária japonesa é muito mais que um combinado de sushi e shashimi com salmão, atum, camarão e kani. Acredite. Alguns são lugares especializados em espetinhos teryaki. Outros em sopas, em macarrão, em tofu, em o pasteis fritos (gyoza). E até mesmo em Sushi. O que vi pelas ruas e restaurantes foi essa busca pela perfeição na escolha dos ingredientes, na preparação e principalmente na apresentação. E nesse quesito nada bate as bandeijinhas de Bentô. Além de restaurantes na rua, cada estação de metrô e trem vende essas bandejas com várias pequenas porções de comida meticulosamente colocadas em buraquinhos. Comparar o modelo exposto com o resto das bandejas era um jogo dos sete erros. Li que cada região se orgulha de sua Bentô e que há até um concurso para escolher as melhores. A minha, que comprei em Kyoto para comer no trem bala de volta para Tóquio, tinha dezesseis tipos de bolinhos e até um mini polvo caramelizado (inteiro) que não tive coragem de encarar. Ele estava intacto demais! Fora o Sushi de Toro no mercado de Tóquio, adorei os pasteizinhos Gyozas feitos em uma prensa gigante onde são cozidos a vapor e depois fritos. Segue de perto as bolinhas de arroz temperado, embrulhadas individualmente e vendidas em todas as lojas de conveniência. Era o que eu comia no caminho dos restaurantes para desespero dos meus colegas de viagem.
sobre o autor
Roberto Abramovich, paulistano que adora viajar, é administrador de empresas pela FEA-USP com mestrado em Thunderbird, Estados Unidos, em 2002. Casado, pai de duas filhas, mora na Suiça desde 2006, é empreendedor e consultor em Marketing e Inovaçao.