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architectourism ISSN 1982-9930

Paraty. Foto Abilio Guerra

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português
Caio Falcão e um Bando se destacam na cena atual da música paulistana, renovando o samba tradicional da cidade, dentro de um contexto que lembra em alguns aspectos o período da Lira Paulistana dos anos 1970/80.


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GUERRA, Abilio. Como os elefantes, os dragões não esquecem. Caio Falcão e a nova cena musical paulistana. Arquiteturismo, São Paulo, ano 09, n. 100.04, Vitruvius, jul. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/09.100/5644>.


Apresentação de Caio Falcão e um Bando, sede do Projeto Marieta, São Paulo
Foto Abilio Guerra

A cena musical da noite paulista está cheia de novas bandas formadas por uma garotada na faixa de 20 a 30 anos. Os nomes dos grupos são esquisitos em sua evocação nostálgica, falta de síntese ou estranhamento – Charles e os Marretas, Trupe Chá de Boldo, Filarmônica de Pasárgada, Memórias de um Caramujo, Onagra Claudique, Primos Distantes, Mel Azul, Jalapeño, Juliana R, Macaco, Pélico, Moxine, Rafael Castro & Os Monumentais, Macaco Bong... Merecem destaque, na condição de exceções, os nomes Garotas Suecas – algum pai de membro da banda sugeriu a alcunha?! – e a referência ambivalente e criativa encontrada pela trinca que forma O Terno.

Se a opção por nomes de difícil memorização os une, o som que produzem cobre um espectro muito largo, com evidentes fontes de inspiração na música brasileira e internacional. Além do som, a atuação de alguns conjuntos lembra em alguma medida o período do teatro e gravadora Lira Paulistana, pois se juntaram em torno de selos independentes, como Risco e Panela de Pressão, em busca de uma alternativa de difusão. Nos finais dos anos 1970 e início dos 1980, a busca era por um caminho paralelo à prática viciada e corrupta do “jabá”, verba que era passada por baixo do tapete pelas grandes empresas fonográficas – Ariola, RCA Victor, Odeon, Columbia e outras – para apresentadores de programas de música das rádios FM, para que tocassem o que as corporações queriam. A predileção era por astros internacionais prét-à-porter, mais adequados a um ambiente de entretenimento confortável ao regime militar, como não cansava de denunciar naquela época o historiador da música José Tinhorão (1). É nesse contexto histórico de isolamento dos jovens desconhecidos que se constitui a chamada Vanguarda Paulistana, momento de surgimento de músicos e grupos de primeira grandeza, como Arrigo Barnabé, Itamar Assunção, Ná Ozzetti, Tetê Espíndola, Cida Moreira, Rumo, Língua de Trapo, Premeditando o Breque e outros. A ação conjunta permitiu que ultrapassassem a condição de “marginais” e alçassem o status mais confortável de “alternativos” ou “independentes” (2).

Nos dias atuais, a situação social é muito distinta, infinitamente menos ideológica, e as novas bandas estão mais focadas na busca de espaço em um mercado congestionado e hiper-fragmentado após a desaparição das grandes empresas do ramo, a derrocada da audiência das grandes redes de rádio e televisão, e a multiplicação dos meios de difusão graças à aparição das redes sociais. O show voltou a ser vital para o contato com o público, mesmo que, curiosamente, não seja devidamente assimilado pela maioria dos próprios interessados. Os espaços onde estes grupos se exibem são numerosos e institucionalmente variados – desde o tradicional Teatro Tuca da PUC/SP até os bares alternativos, passando pela oficialidade do Auditório do Ibirapuera. A movimentação da cena jovem musical da cidade acabou renovando as figuras do e da tiete, que acompanham com fidelidade as apresentações dos seus grupos preferidos.

Acompanhando meus filhos Helena e Caio Guerra, tenho visto alguns shows dessas bandas, às quais admiro mais ou menos conforme predileções pessoais. Gostei em especial do show Di Melo, o Imorrível & Charlie e os Marretas, um encontro de gerações, onde o recifense da velha guarda Roberto de Melo Santos, o Di Melo, um dos pioneiros do funk e do soul nacionais, foi acompanhado pela jovem banda paulista, com um resultado denso e expressivo.

Contudo, dentre todas as apresentações que vi e ouvi, a que mais gostei – na verdade, adorei – foi a formação Caio Falcão e um Bando, que traz uma fusão da música popular brasileira com grande sotaque paulistano, onde ecoa o tão denigrido samba paulista, em especial Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini. Se é certo que não é o túmulo do samba, esta tradição é marcada por uma interpretação contida e um tom melancólico, expressão noturna e serena de uma cidade afogada durante seu dia-a-dia na agitação, correria e neuroses.

A música Dois Dragões, composição romântica de Caio Falcão (3) e seus parceiros Leo Sogabe e Rodrigo Salles, é um bom exemplo desta fusão de referências musicais: vocábulos saqueado do arsenal de Caetano Veloso – “tigresa”, “leão”, “dragão” –, seguida de uma construção poética banhada por uma sofisticada simplicidade digna do grande músico baiano. O tom monocórdico, sem altos e baixos, sem rimas de efeito, nos faz recordar do tradicional samba paulista. Uma beleza!

“Eu pensava que fostes tigresa
que com presas mordias
nossas carnes dos pés à cabeça
ou quem sabe um amor de leões

Quase nada
mais que tudo
quase tudo
não é nada

É, nós somos dois dragões
com gosto de água e de terra
com o gosto do tempo
na curva de um rio

Nossos dentes à espreita
e o couro à espera
dessas chamas 
que o sol nunca viu

Pedra e brasa nossa vida
de cabeça coração
teus tições dia a dia
nossos dentes um por um
um a um” (4)

Outra música, o Samba dos Menino, de autoria de Caio Falcão, André Sztutman, Enrico Lima e Lello Di Sarno, faz uma atualização do samba paulista tradicional, com forte sotaque da USP (Vanzolini) e do Bexiga (Adoniran), a começar do adorável título em português “errado”, aos moldes de “táuba de tiro ao Álvaro”, “o Arnesto me convidou”, “Que nóis ia se casar”, “As mariposa quando chega o frio” e tantas outras invenções autênticas, genuínas da fala popular. Vamos deixar o poeta se expressar por si mesmo:

“Se alguém me dissesse
que meu samba está sumido
eu pegava o apito
e o quebrado tamborim
e fazia da dor
mais um samba de criança
que os bambas dos bambas
batiam no tambor

Ah, quando o samba cai
é que o samba vai que vai
mas quando o samba vem
pra você meu bem
nem vem que não tem

Não gosta de samba meu bem” (4)

Os dragões, como os elefantes, não se esquecem de onde vieram. Chega a ser comovente este enlace com o passado, provando que o samba não morreu, que ele sobrevive na memória e na música inventiva e renovada de jovens talentosos.

notas

NA – A elaboração deste texto contou com preciosa colaboração dos jovens Giovanni Pirelli,Helena Guerra e Caio Guerra.

1
Sobre o tema do jabá, ver: SUMAN, Katia. O jabá no rádio FM: Atlântida, Jovem Pan e Pop Rock. Dissertação de mestrado. Orientador Valério Brittos. São Leopoldo, Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação, Unisinos, 2006 <http://biblioteca.asav.org.br/vinculos/tede/jaba%20no%20radio.pdf>.

2
Sobre o contexto social, político, econômico e ideológico do surgimento da Vanguarda Paulistana, ver o interessante artigo: FENERICK, José Adriano. A ditadura, a indústria fonográfica e os “Independentes” de São Paulo nos anos 70/80. Métis: história & cultura, v. 3, n. 6, jul./dez. 2004, p. 155-178.

3
Quem quiser conhecer o trabalho solo de Caio Falcão terá a oportunidade durante o evento inauguração do Projeto Marieta, que acontece no dia 15 de agosto de 2015. A programação completa está disponível no Facebook: <https://www.facebook.com/events/1609384375983216/>.

4
Dois Dragões, música e letra de Caio Falcão, Leo Sogabe e Rodrigo Salles; voz: Caio Falcão / Leo Sogabe; violão: Leo Sogabe; cavaco: Rodrigo Salles; percussão particular especial: Gabriel Toledo; assovio: Leo Sogabe.

5
Samba dos menino, música e letra de Caio Falcão, André Sztutman, Enrico Lima e Lello Di Sarno; voz: Caio Falcão / Laura Diaz / Gaivota Naves; violão Rodrigo Salles; cavaco Rodrigo Salles; bandolim; participação especial: Fábio Peron; baixo: Edu Marmo; bateria: Charles Tixier; cuíca: Pedro Falcão. As músicas do grupo podem ser acessadas em dois links: <https://soundcloud.com/caio-falc-o-e-um-bando/sets/tudo-verde-caio-falcao-e-um-bando> e <http://www.caiofalcao.com>.

sobre o autor

Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.

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