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architectourism ISSN 1982-9930

Ruínas na Missão de São João RS. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

português
Em viagem de trabalho ao interior do Rio Grande do Sul, o arquiteto do Iphan São Paulo, Victor Hugo Mori reencontra as casinhas populares nas Reduções Jesuíticas, e trata do primeiro tombamento promovido por Lúcio Costa no Rio Grande do Sul.


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MORI, Victor Hugo. As casinhas populares nas Reduções Jesuíticas que encantaram Lúcio Costa. Arquiteturismo, São Paulo, ano 09, n. 104.01, Vitruvius, nov. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/09.104/5814>.


O primeiro tombamento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan no Rio Grande do Sul ocorreu em 20 de abril de 1938. Foi uma escolha emblemática pautada no relatório de Lúcio Costa do ano anterior: a “casa construída com material missioneiro”, uma pequena construção de cunho popular feita com pedras reaproveitadas da Missão Jesuítica de São João Batista. A segunda inscrição no Livro de Belas Artes ocorreu no dia 16 de maio de 1938: o monumental sítio de São Miguel das Missões, hoje Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Era um sinal inicial que tanto as grandes obras do espírito humano deveriam conviver com as edificações populares no Livro de Tombo das Belas Artes. Não foi bem o que ocorreu nas primeiras décadas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, como veremos adiante.

No ano de 1937 em que se promulgou a lei de tombamento, o diretor do Sphan contratou o arquiteto Lúcio Costa para estudar as ruínas das missões jesuíticas no Rio Grande Sul e propor medidas de preservação. Foi uma escolha que envolveu a sabedoria política do diretor Rodrigo de Mello Franco, que precisava estruturar o recém fundado Sphan, e os monumentos missioneiros situados na terra natal do presidente Getúlio Vargas. O famoso relatório de Lúcio Costa com a proposta do Museu em São Miguel já foi analisado por dezenas de autores e não cabe aqui nenhum comentário. Vou me ater apenas às duas pequenas casas edificadas com pedras retiradas das ruínas que tanto encantaram o Dr. Lúcio.

A casa nas proximidades da Missão de São João foi tombada em 1938 enquanto a Missão jesuítica adjacente só entrou no livro de tombo em 1970. Sobre esta casa em São João Batista, Dr. Lúcio escreveu:

“Trata-se de uma casa datando presumivelmente de fins do século 18 e toda ela construída com material da antiga redução. Encontramos em São Nicolau outros exemplos, mas nenhum assim antigo e tão característico. As proporções, os fragmentos colocados de canto sob o beiral, para ‘enfeitar’, a calçada e as bolas de grés soltas no jardim, o pequeno canteiro feito com os cacos da mesma pedra, a própria ‘taipa’ que circunda o terreno, toda ela arrumada com material das ruínas bases, capitéis, fustes estriados e ornatos partidos, tudo concorre para dar a esta casa encanto especial como arquitetura e interesse como documento” (1).

Casa construída com material missioneiro, desenho de Lúcio Costa, 1937
Imagem divulgação

Se compararmos o levantamento da casa de 1937 com as fotos existentes no Arquivo Central do Iphan, podemos notar que a edificação era revestida ficando aparente apenas os elementos decorativos de cantaria no cunhal e que era em parte estruturada com esteios de madeira apoiando os frechais. Parecia ser uma estrutura mista com as grossas paredes de pedra compartilhando os esforços da cobertura com os esteios de madeira. Era a mesma técnica adotada nas reduções brasileiras com exceção de São Miguel que era toda estruturada nas paredes e colunas de pedra, fato que levou Dr. Lúcio a escrever “presumivelmente de fins do século 18”. As edificações missioneiras do Rio Grande do Sul também possuíam revestimento branco aplicado sobre as pedras de arenito.

Outra constatação é que a existência de três portas no lado esquerdo da casa nos mostra que não era uma apenas uma habitação, parte era destinada à uma venda – ou “bolicho”, como se fala no sul – e parte à residência.

Casa tombada, 1938
Fotos divulgação [Arquivo Noronha Santos / Iphan]

 

A casa de pedra da Missão de São Nicolau é mais simples e menor, com duas águas, uma delas com prolongo. Em 1937 existiam dois telheiros nas laterais que desapareceram. Também apresenta essa inusitada estrutura mista composta por esteios de madeira embebidos nas paredes de pedra retirada na Redução. No tombamento de 1970, que incluiu as missões de São Nicolau, São João e São Lourenço, Lúcio Costa pediu que esta pequena residência também fosse conservada. As telhas são assentadas diretamente nos caibros em posição diagonal sem ripamento como em algumas construções nordestinas.

Desenho de Lúcio Costa da casa de pedra de São Nicolau, 1937
Imagem divulgação

 

A casinha da Redução de São João tombada em 1938 desapareceu misteriosamente em época não sabida, enquanto a casa de São Nicolau permanece em estado precário aguardando uma restauração.

Em carta datada de 26 de dezembro de 1968, Luís Saia solicitou ao Diretor da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Dphan “o tombamento dos ‘restos’ missioneiros das primitivas unidades de São João, município de Santo Ângelo, São Lourenço, município de São Luís e São Nicolau na cidade de São Nicolau”, sendo que nas duas primeiras “os matos as envolve”. O termo utilizado “restos missioneiros” tinha um propósito especial por dois aspectos apontados na carta: a possibilidade de se iniciar a limpeza, desmonte e pesquisa e também incluir “eventuais remanescentes estejam eles onde estiverem”. Acrescenta que “muitas estâncias vizinhas e, em São Nicolau, muitas edificações se aproveitaram de material retirado das ruínas. Tudo o que for possível deve ser feito para fazê-los retornar ao local de origem”.

Em 13 de maio de 1969, Renato Soeiro respondeu ao Diretor do 4° Distrito Luís Saia, que estava de acordo com o tombamento dos “restos” das unidades missioneiras do RS, com as ressalvas feita pela DET (Lúcio Costa): “De acordo, salvo no que se refere às construções que aproveitaram material retirado das ruínas. Refiro-me àquelas assinaladas no meu relatório de 1937 – LC”. Todos acreditavam que as duas casinhas assinaladas por Lúcio Costa em 1937 ainda existiam, inclusive aquela que não fora tombada em São Nicolau.

Após o tombamento das três Reduções, Luís Saia oficiou em 13 de outubro de 1970 o prefeito de São Nicolau, objetivando recuperar os “restos” da Redução nos seguintes termos:

“Neste sentido, enquanto pedras dessas instalações estiverem em uso estabelecidos antes do tombamento das ruínas em pauta não parece seja conveniente tomar iniciativa para o desmonte das casas. Mas uma vez que casas ou muros feitos com pedras retiradas das ruínas sejam desmontadas, esse material deve ser vistoriado antes de ser novamente utilizado. Somente um técnico desta Repartição poderá indicar quais pedras sem interesse e que podem ser eventualmente aproveitadas para fins alheio ao monumento”.

Em 1974, a Dphan contratou a empresa do arquiteto Júlio Abe para fazer os levantamentos métricos e fotográficos de São João, São Nicolau e São Lourenço. Todos os trabalhos técnicos efetuados anteriormente se concentravam em São Miguel. A jovem equipe, sem qualquer infraestrutura nos locais, realizou um trabalho monumental munidos de teodolito, trenas e máquinas fotográficas. Apenas a casinha de pedra em São Nicolau permanecia e já não havia vestígio da “casa construída com material missioneiro” em São João, o primeiro tombamento federal no Rio Grande do Sul.

Em conversa com os amigos Júlio Abe e José Saia Neto, que participaram dessa primeira empreitada em 1974, eles afirmaram que na área de São João Batista apenas existia um bolicho construído de madeira, que eles frequentavam. Nem sinal da casa de pedra que encantou o Dr. Lúcio em meio aos campos de agricultura que envolvia a mata que cobria as ruínas. Curiosamente, apenas os cemitérios das Missões de São João e São Lourenço permaneceram “vivos” com uso contínuo até os dias de hoje.

No início do século 20 o prefeito de São Nicolau vendeu as pedras da Redução como material de construção. Inúmeras casas urbanas foram edificadas com essas pedras, inclusive o Sobrado da família Silva em estado precário de conservação tombado pelo governo estadual. A equipe de Júlio Abe documentou algumas dessas construções incluindo a casa que constou no relatório de Lúcio Costa.

Casa de pedra em São Nicolau, 1974
Foto Júlio Abe

A visita de Lúcio Costa em 1937 foi acompanhada pelo representante do Sphan no Rio Grande de Sul o escritor Augusto Mayer, que foi substituído de 1938 até 1939 por David Carneiro sediado no Paraná. A partir de 1946 o estado do Rio Grande do Sul passou a ser incorporado formalmente à diretoria de São Paulo comandada por Luís Saia. No período entre 1939 e 1946 apenas o vigia de São Miguel permanecia como funcionário formal do Patrimônio no Estado, e Luís Saia atendia informalmente questões emanadas pela Administração Central.

Ao tomar conhecimento em 1974 que a casa tombada não mais existia há muito tempo, optou-se por um profundo silêncio, evitou-se assim entristecer o nosso decano Dr. Lúcio Costa. Na notificação do tombamento em 1938, o proprietário Aníbal Rocha, sem muito interesse pela casa propôs a venda do imóvel ao Patrimônio, que foi recusada pela diretoria. Até 1968 a atenção do Iphan na região missioneira se concentrou exclusivamente no sítio monumental de São Miguel, enquanto a casa popular que um dia encantou Dr. Lúcio desaparecia sem deixar vestígio, longe dos focos de luzes que abrilhantam as noites de espetáculos em São Miguel das Missões.

nota

1
Comento os documentos aqui citados. O relatório de 1937 de Lúcio Costa está presente no seu livro Registro de uma vivência (texto parcial) e em Lucio Costa: documentos de trabalho, de José Pessoa (texto integral, mas com poucos desenhos), mas na cópia do arquivo do Iphan São Paulo há dois desenhos que não aparecem nos dois livros citados: o levantamento desenhado de todas as imagens missioneiras. O parecer do Lúcio Costa, de 1969, foi retirado da carta oficial de Renato Soeiro para o Luis Saia, cujo original está no Iphan São Paulo. Portanto, para esse artigo foram usadas as cartas “datadas” oficiais cujos originais estão no arquivo do Iphan-SP. Para quem não tem acesso aos documentos originais. Ver: PESSÔA, José Simões de Belmont (Org.). Lucio Costa: documentos de trabalho. Rio de Janeiro, Iphan, 1999; COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. Rio de Janeiro, Empresa das Artes, 1995.

sobre o autor

Victor Hugo Mori, arquiteto (Mackenzie, 1975) é funcionário do quadro funcional do Iphan São Paulo.

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