Como uma linha férrea desativada e abandonada pode influenciar positivamente na qualidade de vida do ser humano? Para responder essa pergunta gostaria de compartilhar minha percepção ao visitar, no primeiro semestre deste ano, dois parques elevados construídos em antigas linhas férreas desativadas: o parque High Line em Nova York e o parque Bloomingdale Trail em Chicago. Antes de relatar meu passeio, acredito que valha mencionar resumidamente a origem desses parques.
Em 1999, Joshua David e Robert Hammond, dois residentes do bairro High Line em Nova York, fundaram o grupo “Amigos do High Line” com o objetivo de preservar a área e transformá-la em um espaço público aberto. Em 2009, após dez anos de planejamento, desde estrutural ao projeto de plantio, a primeira seção do parque foi aberta ao público. Posteriormente, em 2011, foi aberta a segunda seção e a Terceira Seção mais a Seção Northernmost em 2014. O parque High Line possui extensão total de aproximadamente 2,3km e, segundo matéria publicada em maio deste ano no website Nova York City Economic Development Corporation – NYCEDC (1), o investimento feito nas seções 1, 2 e na seção 3 até o momento de sua inauguração foi de aproximadamente US$180 milhões.
Em 2003, um grupo de vizinhos no bairro Humboldt Park em Chicago fundaram o grupo “Amigos do Bloomingdale Trail” com a finalidade de transformar a elevada Bloomingdale Line também em um espaço público aberto. No primeiro semestre deste ano, após doze anos de planejamento, o parque foi aberto ao público. A associação “Os Amigos do Bloominddale Trail” foi chave para a criação de um outro grupo denominado 606, cujos membros apoiam não apenas a região da Logan Square mas também regiões próximas como Humboldt Park, Bucktown e Wicker Park. O Bloomindgdale Trail possui extensão total de 4km e, segundo matéria publicada no website DnaInfo, em junho deste ano, o investimento estimado para construir o “The 606” foi de aproximadamente $95 milhões (2).
Não é necessário nos aprofundarmos na história de ambos os parques para notarmos o quão similar eles são. Mas quais as semelhanças e diferenças entre os parques já construídos?
A maior semelhança que encontrei foi o sucesso do projeto ao implementar um espaço público aberto usado por diversas pessoas. Tanto em meu passeio ao High Line quanto em meu passeio ao Bloomingdale Trail, pude vivenciar um dia útil durante uma semana de verão. Havia pessoas andando de bicicleta, patins, correndo, caminhando e outras pessoas apenas aproveitando um dia quente de verão lendo um livro ou mesmo contemplando a paisagem antes do próximo inverno chegar. A meu ver, além de ser a maior semelhança, o que justifica e vale todo o projeto do parque é o fato da população não apenas viverem na cidade, mas sim poder vivenciá-la. No entanto, foram em alguns detalhes dos projetos dos parques onde encontrei as maiores diferenças entre eles. Entre essas diferenças, vale a pena destacar o desenho do piso, a execução dos mirantes propostos e o desenho do mobiliário.
Na extensão de ambos os parques há alguns mirantes onde os frequentadores podem contemplar a paisagem urbana. No High Line, me fascinei com duas tipologias de mirante. Um dos mirantes é composto por um pequeno auditório com vista, através de um grande plano de vidro, para uma paisagem urbana. Esse grande plano de vidro é dividido formando quatro cenas emoldurados de um único cenário. Um outro mirante é composto por um banco largo com vista para a paisagem urbana. Essa paisagem torna-se praticamente um grande quadro vivo ao ser enquadrada por um guarda corpo de vidro e uma viga e dois pilares metálicos que além de sua função respectivamente de proteção e estrutural, assumem um papel de moldura. No Bloomingdale Trail, não há essa diversidade na tipologia dos mirantes. Embora alguns bancos tenham vistas para a paisagem urbana, a composição entre observador e paisagem urbana observada acontece por meio de uma simples grade, cuja transparência em alguns casos foi vedada pela presença de faixas.
Outra diferença que gostaria de destacar é o desenho do piso. No High Line todo o piso é formado por placas de concreto distribuídas em proporções variáveis. Esse desenho possibilitou tanto o destaque quanto a quebra da linearidade da antiga linha férrea. Através da exclusão de algumas dessas placas, criou-se mais espaços de jardim, proporcionando uma mescla entre a pavimentação e vegetação. Além dessa mescla, a opção por excluir algumas placas resultou em uma integração harmônica entre áreas verdes, concreto e ferro, uma vez que a vegetação coexiste com os trilhos, e que esses trilhos alternam com a pavimentação. No caso do Parque Bloomingdale Trail o desenho de piso ressaltou a linearidade do parque. Em grande parte de sua extensão, o parque é dividido em cinco faixas paralelas: faixa vegetação/ mobiliário, faixa única de atletismo, faixa larga de concreto e novamente faixa e atletismo e faixa de vegetação/ mobiliário.
A última grande diferença que gostaria de destacar é o projeto do mobiliário. Reconheço que, nesse ponto, me encantei no High Line. Por exemplo, a forma dos bancos inicia-se no próprio piso que por sua vez evidenciam a continuidade dos trilhos que foram preservados. As espreguiçadeiras por sua vez, embora fixas no trilho, são versáteis em sua posição, permitindo juntá-las ou separá-las. No caso do Bloomingdale Trail, não sei ao certo qual era a oportunidade de recuperação e conservação dos trilhos existentes, mas a solução adotada também se tornou interessante. Partes da antiga ferrovia foram colocadas em pontos estratégicos do parque sendo utilizadas como esculturas. O mobiliário é simples, todavia elegante e não polui a paisagem.
Certamente, quando há uma comparação entre os dois parques, é comum haver um certo favoritismo pelo High Line. No entanto, é fundamental considerar alguns pontos como: a) o investimento feito no High Line até este ano de 2015 foi praticamente o dobro do investimento feito no Bloomingdale Trail; b) o High Line é mais largo que o Blomindgale Trail, o que limita, mas não restringe, algumas prioridades de projeto, como por exemplo a opção no Bloomingdale Trail em inserir vegetação somente nas margens.
No que diz respeito à presença do verde, o High Line foi aberto ao público em 2009, seis anos antes do Bloomingdale Trail, logo sua vegetação tem seis anos a mais de formação do que a vegetação do Bloomingdale Trail. Uma das minhas primeiras sensações ao caminhar no Bloomingdale Trail foi o de ambiência seca, quente e de um concreto extremamente refletidor, contudo relembrei que a vegetação ainda se desenvolverá e somente daqui uns anos poderemos avaliar melhor esse ponto.
Deste modo, retomando a pergunta inicial desse texto: como uma linha férrea desativada e abandonada pode influenciar positivamente na qualidade de vida do ser humano? No caso desses dois parques, a maior influência, parece-me que é proporcionar a oportunidade de a população vivenciar a cidade no seu dia a dia.
Os interessados em mais informações sobre o High Line em Nova York e sobre o Bloomingdale Trail em Chicago podem acessar os websites dos parques (3).
notas
1
High Line, past and present. Nova York, New York City Economic Development Corporation – NYC EDC, 18 maio 2015 <www.nycedc.com/project/high-line>.
2
HAUSER, Alisa. The Bloomingdale Trail and The 606: questions, answers and insider tips. Chicago, DNA Info, 4 jun. 2015 <www.dnainfo.com/chicago/20150604/bucktown/606bloomingdale-trail-your-questions-our-answers-plus-insider-tips>.
3
High Line, Nova York. <www.thehighline.org>; Bloomingdale Trail, Chicago <www.bloomingdaletrail.org>.
sobre a autora
Sarah Bezerra Suassuna é arquiteta (PUC-Campinas, 2003), fez intercâmbio pelo programa Erasmus em Milão (Politecnico di Milano, 2007-2006) e especialização nos Estados Unidos (School of the Art Institute of Chicago, 2013-2015).