Neste texto fazemos uma breve entrada no tema da inserção de elementos novos em contextos antigos, e as exemplificamos com resultados positivos dessa prática, tão necessária à conservação de bens e sítios históricos. Despretensiosamente, exemplificamos com fotografias de viagens, em que observamos bons exemplos dessa prática.
A iniciativa de inserção do novo em contextos mais antigos, eventualmente tombados, em quaisquer níveis (municipal, estadual, nacional), ou classificados como patrimônio mundial, foi analisada na bibliografia especializada e tem permanecido em debate ao longo da história da arquitetura, casos de Francisco De Gracia e Gordon Cullen (1). Em comum, estes autores têm a preocupação com as preexistências da paisagem construída e do tecido urbano. Suas metodologias são pontuadas por diversas hipóteses de inserção de novas construções em contextos antigos e/ou em conjuntos de interesse de preservação. Porém, enquanto De Gracia pontua hipóteses, Cullen oferece metodologia (2), lançando mão de métodos de apreensão do contexto, sendo o da Visão Serial o mais conhecido. Ambos os autores pautam diversos estudos, por parte de diferentes academias, no que diz respeito ao que é caro ao tema que ora analisamos: construir respeitando a preexistência, a originalidade e autenticidade do bem tombado ou identificado como de interesse histórico.
A propósito de metodologias que poderiam ajudar na concepção de um projeto a se inserir em um bem ou sítio histórico, cumpre lembrar metodologias que estão disponíveis aos pesquisadores de núcleos construídos, paisagens, e arquiteturas originais de tempos passados. Nestes estudos, palpitam as preexistências, senão vejamos: a Teoria dos Fatos Urbanos (Rossi, e outros); as que perquirem a cidade como obra de arte (Argan, e outros); as de morfologia (Sitte, Lamas, e outros); as perceptivas (Cullen, Gosling, Lynch, e outros), e as topoceptivas (Kolsdorf, e outros); a Teoria da Ordem Social do Espaço, dita também Sintaxe Espacial (Hillier, Hanson, e outros)
Por fim, vale observar que em diversos países a história recente da arquitetura registra casos exitosos de inserção de novos prédios em antigos contextos urbanos e paisagísticos, e até mesmo em relação direta com os bens tombados. Exploramos, a seguir, alguns deles.
O Centro Cultural La Moneda, em Santiago, Chile. Trata-se de um caso de inserção de nova construção no mesmo terreno do Palácio La Moneda, sede da presidência do Chile. O novo prédio ali inserido, o Centro Cultural La Moneda, foi implantado a meio piso, sob o nível de acesso ao palácio presidencial. Sua intervenção no nível do acesso do palácio reduz-se a um espelho d’água.
O acesso ao Centro Cultural La Moneda é feito por uma rampa ao lado do espelho d’água que desce ao subsolo, na Avenida Libertador Bernardo O’Higgins. Há também uma entrada posterior, igualmente franqueando a construção no subsolo. Reproduzimos, na foto a seguir, o primeiro acesso que descrevemos acima. Na imagem seguinte, ilustramos o interior do subsolo.
Igualmente na capital chilena, destacamos a casa denominada La Chascona, onde viveram o poeta Pablo Neruda e sua mulher, Matilda Urrutia, dita La Chascona (A Descabelada). A esta casa, foi anexado um centro de recepção de turistas, com uma loja, um café, e apoio (copa, banheiros). A nova construção trabalha com diferentes planos de alvenaria, o que já estava em uso na casa original. O anexo seguiu a composição volumétrica e cromática de La Chascona, e também as texturas adotadas na casa (as cores branco e azul, e base revestida em pedras). O resultado é uma construção compatível com a original, e que não a desmerece em nada.
Outra inserção no âmbito da construção original é o caso da cúpula do Reichstag, em Berlim, Alemanha. Trata-se de uma intervenção bioclimática, em vidro e espelhos, que atua na captação das águas da chuva e também da incidência solar, coroando o pátio interno do edifício do Parlamento Alemão. Seu aspecto exterior é reproduzido na fotografia abaixo. Vale notar que a cúpula foi inserida em uma volumetria que admitia esta inserção tipológica. Mesmo sendo moderna, a cúpula inserida faz uma alusão a prédios de pátios internos cobertos por cúpulas, tão usuais nos originais do neoclassicismo e do ecletismo.
Em Nova York, Estados unidos, o emblemático Museu Guggenheim (concluído em 1959), recebeu um anexo em volume prismático, adicionado ao prédio original em 1992. Embora tenha suscitado controvérsias na época de sua construção, o novo prédio foi assimilado pela crítica de arquitetura. Considera-se sua inserção discreta, por seu recuo em relação ao edifício original, por sua volumetria prismática e sua composição plástica (cores, texturas). Resulta que o volume prismático não concorre com a edificação curvilínea do prédio original e adota, deste último, as cores e materiais.
No Brasil, um caso exitoso de adição de novo prédio a um original preexistente que pode ser apontado é o do anexo da Academia Mineira de Letras, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Ladeando o prédio original da Academia, a construção do anexo adota altura menor que a do prédio original, e dele reproduz, em linguagem moderna, uma abertura vertical, como se vê nas fotos a seguir.
Tendo apresentado um caso exitoso no Sudeste, passamos agora a um exemplo na região Nordeste. Em Pernambuco, na cidade de Olinda, classificada como patrimônio Mundial pela Unesco, uma chácara do século 19 foi apropriada como hotel por seus herdeiros. Chamou-se a este empreendimento Hotel 7 Colinas. O projeto adotado para tanto manteve o casarão do século 19, sede da chácara, transformando-o em um museu. Mantiveram-se também, neste ponto onde está o casarão, os jardins que sempre lhe ornaram, resguardando os pontos focais de sua observação pelos passantes e usuários (o casarão faz divisa com a Rua do Bonfim, central no sítio histórico de Olinda, que é, majoritariamente, residencial).
Tais jardins criam também um intervalo verdejante que separa o casarão das novas construções do hotel. Estas, por sua vez, adotam tipologia que em tudo remete às que circundam o hotel no centro do Sítio Histórico de Olinda. Volumes prismáticos, caiados, cobertos por telhas cerâmicas do tipo capa e canal formam os prédios de hospedagem no hotel. Suas aberturas são feitas por esquadrias coloridas; e elementos de vedação tais como guarda-corpos são configurados em treliças de madeira, como as tradicionais gelosias, tão caras ao período do Brasil Colônia.
Projetar e construir respeitando as preexistências é uma prática de longo alcance no trabalho da memória em arquitetura. Constatar sua disseminação em diferentes cidades e países é um exercício gratificante para quem trabalha com memória e patrimônio. É também uma esperança para o porvir. Como há muito tempo já disse o poeta Murilo Mendes, “a memória não é uma construção do passado – é uma construção do futuro”.
notas
1
DE GRACIA, Francisco de. Construir en lo construído: la arquitectura como modificación. México, Nerea, 1992; CULLEN, Gordon. A paisagem urbana. Lisboa, Edições 70, 1984.
2
Cf. GOSLING, David. Gordon Cullen: visions of urban design. Londres, Academy Editions, 1996.
sobre a autora
Eliane Lordello é arquiteta e urbanista (UFES, 1991); mestre em Arquitetura, na área de Teoria e Projeto (UFRJ, 2003) e doutora em Desenvolvimento Urbano na área de Conservação Integrada (UFPE, 2008). É arquiteta e urbanista da Gerência de Memória e Patrimônio da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo.