Apresento na ocasião a última parte da trilogia sobre minha viagem de formação no México realizada entre os anos de 2000 e 2006. Se antes abordei os sítios arqueológicos (1) e as cidades coloniais (2), agora é o momento de mostrar um pouco da grandiosa Cidade do México.
Urbe com mais de 20 milhões de habitantes, localiza-se no centro geográfico do país, onde se encontra o altiplano outrora lacustre a 2.200 metros de altitude. Sua força centralizadora atrai pessoas e tradições das diferentes regiões do território. Com todos os problemas de uma megalópole latino-americana – contaminação ambiental, desequilíbrio hídrico, crescimento desordenado, disparidades sociais, consumismo etc. – ela alberga, no entanto, um destacado repositório de cultura urbana e arquitetônica.
O ponto neurálgico da cidade é a grande praça central denominada Zócalo, onde a arquitetura espanhola simbolizada pela catedral e o palácio presidencial convivem lado a lado com escavações arqueológicas astecas. O enorme espaço vazio reafirma a sua força referencial, além de promover uma grande flexibilidade no uso e ocupações efêmeras. O traçado ortogonal proporciona amplas vistas pelas ruas e permite perceber elementos de destaque na paisagem como a Torre Latino-americana com seu mirante de acesso público.
No espaço central densamente ocupado da cidade, abrem-se algumas praças para o respiro do pedestre. Tal é o caso da Praça de Santo Domingo, localizada a uma curta caminhada a norte do Zócalo. Encontra-se delimitada por antigos edifícios tanto religiosos como institucionais e civis, com destaque para o longo pórtico que se abre para o espaço público. Havia ali muitos vendedores ambulantes e compradores, mas a oeste do Zócalo as vias se tornavam verdadeiros formigueiros humanos. Na Rua Moneda ainda se conseguia manter uma ambiência acima do nível dos transeuntes e a distinção de frontispícios, cúpula e torre ao fundo. Entretanto, nas ruas mais estreitas as fachadas dificilmente eram vistas com a obstrução de lonas esticadas para amenizar os efeitos das intempéries. Encontrar espaço para se deter e mirar ou fotografar o entorno era tarefa pouco usual e de difícil execução.
No centro da cidade não era fácil encontrar oportunidades para um lanche ou almoço. Mesmo assim, havia lugares que se abriam sobre a calçada através de pequenas portas. Nunca consegui de fato me instalar numa dessas lanchonetes improvisadas, mas sempre me impressionei pela beleza dos ingredientes nas chapas. Em uma cena espontânea se preparam as inúmeras variações de massa fina de milho recheadas com diferentes tipos de carne, cacto e cebola – uma verdadeira delícia.
A sudoeste do Zócalo, nas ruas mais arejadas e de aparência bastante mais moderna, encontramos outro posto de tacos instalado em uma esquina. Dizem que quanto mais consumidores em volta, maiores as chances de uma boa e saudável refeição. Nessa zona comercial as edificações estão cobertas por banners comerciais. Ao fundo observa-se um conjunto arquitetônico novecentista com cúpula, desvirtuado pela torre de telecomunicações que arremata a perspectiva da rua.
A mesma torre é vista aqui desde um outro ângulo, em um lugar onde a arquitetura apresenta fortes contrastes. Uma estrutura de concreto há anos abandonada está ao lado de um pano de vidro espelhado. Ao fundo, um edifício tem parte da fachada e janelas tampadas por um enorme outdoor. Mais próximo, do outro lado da avenida, destaca uma fonte-monumento ilhada no meio do trânsito. Passa nesse momento um típico micro-ônibus apinhado de gente, enquanto os vendedores ambulantes descarregam suas mercadorias.
Vejamos agora outras cenas da Cidade do México além do centro histórico. A sudoeste desse, encontra-se a área tanto institucional como boêmia da cidade, a chamada Zona Rosa. A sua modernidade espelha-se em conjuntos arquitetônicos como o da Bolsa de Valores situada em pleno Paseo de la Reforma. As formas e materiais genéricos contrastam com o fusquinha-táxi verde e branco que circula tranquilamente a rotatória.
Mais ao sul, a Cidade Universitária se destaca na paisagem urbana com uma vasta superfície verde. Na sua praça principal gramada está o imponente edifício da biblioteca central. Em contraponto com a base definida por pátios arborizados e áreas de leitura iluminadas, o volume do acervo se fecha com mosaicos alusivos à história e à cosmologia mexicana. Nas comemorações envolvidas no Dia dos Mortos, importante data para os mexicanos, são montadas nos gramados as oferendas e representações em que se sobressaem as catrinas ou caveiras ricamente ornamentadas.
Logo a norte da Cidade Universitária, encontra-se a antiga localidade de San Ángel com sua agradável ambiência definida por praças, edifícios históricos e museus. Ali perto, os artistas Diego Rivera e Frida Kahlo construíram uma casa-estúdio para si na década de 1930, onde hoje funciona um museu. Na verdade, são duas residências conectadas por uma passarela no terraço, usada para visitas entre os amantes. Impressiona sobremaneira a combinação de materiais e elementos simples, ordinários, com uma sofisticada aplicação tanto construtiva como espacial. A cerca viva formada por cactos é um artefato paisagístico à parte.
Ainda na porção sul da grande urbe encontra-se o distrito de Xochimilco, famoso pela manutenção do ancestral sistema de chinampas. Trata-se de canteiros flutuantes construídos no lago que outrora cobria a bacia hidrográfica do altiplano. Além do aproveitamento de área útil, proporcionavam um alto rendimento agrícola ocasionado pela fertilidade e hidratação dos solos. O destino cativa turistas das mais diversas naturezas, sendo a atração principal o passeio de jangadas decoradas pelos canais de água. Vendedores ambulantes e grupos de mariachis também figuram entre os navegantes.
Nos arredores da Cidade do México há uma variedade de lugares para se visitar. Já chamamos a atenção anteriormente para sítios arqueológicos como Teotihuacán e Xochicalco, mas também há pequenas localidades com acervo arquitetônico tradicional e parques naturais. Em um destes, destaca-se o outrora Convento del Desierto de los Leones, antigo refúgio da ordem dos carmelitas descalços cuja edificação remonta ao século 17. Chamam a atenção os muros de pedra, além das cúpulas e abóbadas habilmente construídas com tijolos.
Durante os anos em que morei na Cidade do México usufrui intensamente dos lugares que frequentava ou simplesmente passava. Apesar do interesse pelos atrativos consagrados, sempre me propus a experimentar os espaços mais ordinários da grande urbe. Em minhas atividades como estudante e depois como docente, ou mesmo enquanto cidadão residente, tive a oportunidade de visitar âmbitos de difícil acesso ao turista. Da janela de minha morada abria-se a vista para um bairro residencial comum ocupado a partir de meados do século 20. A ocupação densa das casas, com suas formas ortogonais e cobertas planas, contrasta com as árvores ao fundo que indicam uma passagem de pedestres. Numa outra cena, em um lugar qualquer, uma movimentada loja de materiais de construção sustenta uma residência no andar superior. O uso de cobogós, pastilhas, canteiros suspensos e telhado leve com treliças metálicas resultam em uma divertida combinação de elementos, formas e cores.
Nas periferias mais distantes outros cenários se apresentam. Os conjuntos habitacionais seriados mostram em um caso a cor cinza definida pelas estruturas e blocos de concreto. Apesar da crueza construtiva, abre-se espaço para a livre circulação de pessoas e cultivam-se árvores. A padronização é quebrada por detalhes como os de elementos vazados, esquadrias e cortinas. Tal flexibilidade parece ser menos viável em conjuntos aparentemente mais formais, onde os blocos se diferenciam por cores e letras do alfabeto. Nesse contexto, o grafite se destaca como recurso de identificação. Outro tipo de protesto se verifica em ocupações coletivas. O espírito gregário e a escassez de espaço talvez motivem as moradas conjugadas e abertas a vias comuns. A calçada dá lugar tanto a materiais de construção que indicam a presença constante de obras, quanto a varais de roupa. O carro verde-abacate confere luz e cor a essa paisagem popular.
Assim termina nossa breve incursão pela Cidade do México, urbe com as mais variadas manifestações culturais, lugares de interesse e arquiteturas. A prometida trilogia se fecha e aqui nos despedimos: viva México!
notas
1
GUIMARÃES, Marcos. Viva México! Sítios arqueológicos. Arquiteturismo, São Paulo, ano 05, n. 059-060.02, Vitruvius, fev. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/05.060/4216>.
2
GUIMARÃES, Marcos. Viva México! Cidades coloniais. Arquiteturismo, São Paulo, ano 10, n. 115.02, Vitruvius, out. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/10.115/6230>.
sobre o autor
Marcos Guimarães é arquiteto e docente no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de São João del-Rei.