Paraíso das magrelas
Segundo levantamento de 2010 divulgado pela Secretaria Municipal de Subprefeituras, o Jardim Helena possui aproximadamente 135 mil habitantes (1). O distrito pertence à subprefeitura de São Miguel Paulista, junto a outros dois distritos: São Miguel Paulista e Vila Jacuí. O Jardim Helena está localizado a cerca 30 km do Centro de São Paulo, e tem a maior concentração de ciclistas do município: 9% dos seus habitantes utilizam as magrelas diariamente em viagens para o trabalho, enquanto a média da cidade é de 2% (2).
Segundo pesquisa sobre mobilidade na Região Metropolitana de São Paulo realizada pelo Metrô em 2012, as regiões mais periféricas da Zona Leste como Itaim Paulista, São Miguel, Vila Curuçá, Vila Jacuí e Jardim Helena detêm os maiores índices de utilização das bicicletas por motivo de trabalho, atingindo a média de 18.000 viagens/dia. Já a média diária nas regiões mais centrais como Bela Vista, Brás, Cambuci, Bom Retiro, Consolação, Liberdade, Santa Cecília, Pari, República e Sé, é de 11.960 viagens. Isso se deve também à economia que a utilização da bicicleta como meio de transporte proporciona, que vem ao encontro das necessidades dos moradores, optando por meios de deslocamento menos dispendiosos (3).
De acordo com reportagem do site Vá de Bike de outubro de 2014, a Prefeitura Regional de São Miguel Paulista recebeu 17,1 Km de ciclofaixas, sendo sua grande maioria em Jardim Helena: 11,9 Km (4). As vias possibilitam integração modal com as Estações Jardim Helena, Itaim Paulista e Jardim Romano da linha 12-Safira da CPTM, todas com infraestrutura de bicicletário. Após seis anos da implantação dessas faixas, realizamos uma visita para verificar suas condições e funcionamento e expor nossas percepções sobre o local.
Pedalando no Jardim Helena
Em 11 de novembro de 2020, foi realizada uma visita ao Jardim Helena para experimentar a infraestrutura cicloviária e buscar indícios que conferem ao distrito a liderança no uso da bicicleta. O objetivo do percurso foi passar pelas estações da CPTM e seus bicicletários, transitar pelas ciclovias em avenidas mais e menos movimentadas, pelas passarelas de transposição da linha férrea, além de adentrar o Parque Helena, área de proteção ao Rio Tietê onde funciona também a Escola Estadual Parque Jardim Helena.
O início da visita se deu pelo lado sul da estação Jardim Helena – Vila Mara da CPTM, porção ainda pertencente ao distrito de Vila Curuçá, com o objetivo de reconhecer a experiência do ciclista ao transpor a linha férrea neste ponto. A estação possui passarela com rampas de confortável inclinação para acessar com a bicicleta. Apesar de não existir separação entre bicicletas e pedestres, a largura da passarela não causou desconforto durante a travessia: alguns ciclistas, inclusive, a atravessavam montados em suas bicicletas, em baixa velocidade.
Já na Estação Jardim Romano, diferentemente das estações Jardim Helena e Itaim Paulista, a travessia sobre a linha de trem é realizada unicamente por dentro da estação. Com rampas mais estreitas e uma única alternativa de fluxo, a experiência do ciclista é de apreensão e insegurança, ao esbarrar com outros ciclistas e pedestres que também usam as rampas.
Retomando o percurso a partir da estação Jardim Helena – Vila Mara, notou-se que o movimento das pessoas é mais intenso do lado da Vila Curuçá, na ligação da estação com a Avenida Marechal Tito. Contudo, mesmo com baixo fluxo de usuários, no momento registrado, por não ser horário de pico, verificou-se maior tráfego de bicicletas na direção norte, sentido Jardim Helena, em comparação com a Vila Curuçá.
Quem chega de trem ao Jardim Helena desemboca em uma quadra institucional, com uma praça de escala agradável, que abriga o bicicletário da estação, com capacidade para 256 veículos que podem ser deixados por até 48 horas de forma gratuita. Os espaços contam ainda com toaletes para apoio aos ciclistas. O recinto da praça é delimitado ao fundo pelo conjunto habitacional Rio das Pedras, projeto do arquiteto Hector Vigliecca.
Os bicicletários em ambas as estações visitadas naquele momento estavam com sua lotação máxima. Todos contavam com estrutura de lavabos, porém sem chuveiros ou vestiários. Na estação Jardim Romano, o espaço do bicicletário é aberto, composto somente por uma cobertura cercada por um gradil.
Segundo o site do Metrô, as bikes também podem ser levadas dentro dos vagões. Em dias de semana, os horários permitidos são entre 10h e 16h, e a partir de 21h até o fechamento do sistema, podendo entrar, no máximo, 04 bicicletas por composição, sempre no último vagão. A bicicleta dobrável é permitida nos trens em qualquer horário, desde que esteja embalada em capa ou bolsa protetora e o volume não ultrapasse 150x60x30cm. Aos sábados, domingos e feriados o acesso é livre durante todo o funcionamento do sistema (5).
Seguindo pela ciclofaixa à Rua São Gonçalo do Rio das Pedras, observou-se a mesma quase que totalmente apagada. Em frente, a Rua Kumaki Aoki – os nomes orientais remetem à ocupação da comunidade japonesa e suas antigas plantações de hortaliças – nos leva à entrada do Parque Helena. Nesta rua, além do terminal de ônibus do Jardim Helena, localizam-se importantes equipamentos como a EMEI Profª Célia Ribeiro Landim, a AMA-UBS Jardim Helena e o CEI-Jardim Helena. Esta região é totalmente plana e tem ruas e calçadas largas com baixo fluxo de automóveis, o que facilita trafegar com as bicicletas. Neste trajeto, a ciclofaixa é interrompida duas quadras antes da entrada do Parque Helena.
Saindo do Parque, optou-se por voltar em direção à linha férrea por outro sistema de ciclofaixas. Após transitar por alguns quarteirões da ciclofaixa da Rua Santa Rosa de Lima, o cenário tranquilo e residencial se transforma em um movimentado eixo de comércio, que acontece na ciclofaixa da Rua Oliveira Freire. Apesar da atividade comercial intensa com entrada e saída de veículos, os ciclistas coexistem em meio a pedestres, automóveis e faixas apagadas.
Voltando à Avenida Santa Rosa de Lima, em direção à linha férrea, observou-se novamente predominância de uso residencial, com ausência, desta vez, de equipamentos públicos como escolas e praças. Neste trecho, verificam-se automóveis e objetos sobre a ciclofaixa, dificultando a passagem de ciclistas na via.
No segundo momento de travessia, com o calor mais intenso da tarde, percebeu-se um esforço maior para a subida das rampas junto à passarela para transpor a linha férrea. O fato da passarela localizada na Rua Santa Rosa de Lima ser estreita e sem sinalização específica para bicicletas causa desconforto quando há cruzamento de dois ciclistas em sentidos contrários, obrigando-os a realizar uma passagem mais cuidadosa ou até mesmo a aguardar nos patamares para não haver o encontro na rampa.
Já do outro lado da passarela, a dois quarteirões da Av. Marechal Tito, retornando à Vila Curuçá, notou-se faixas cicloviárias apagadas e esburacadas, além da dificuldade na travessia em direção a Av. Deputado Dr. José A. Pinotti. Apesar de haver faixas de travessia exclusivas para bicicletas, o pouco tempo do semáforo para travessia e a alta velocidade dos veículos contribuem para a falta de segurança do ciclista.
Percorrendo a Avenida Dr. José Pinotti, o último trecho do nosso passeio, a sensação de insegurança aumenta por se tratar de ciclovia às margens do Rio Itaquera, sem a presença de comércio, residências ou equipamentos públicos. Neste local, verificou-se descarte de lixo e entulho. A proximidade dos ciclistas com os carros em alta velocidade e a falta de sinalização específica para as entradas de retorno que passam sobre o rio tornam essa via pouco segura para quem usa a bicicleta como meio de transporte.
Mesmo em um trajeto relativamente curto, observou-se pontos com maior ou menor dificuldade na utilização das bicicletas. Porém, sobretudo, fica a percepção de uma cultura ciclística presente na população, que poderia ser, potencialmente, um fator de fortalecimento identitário e transformador do espaço público no Jardim Helena.
notas
1
SECRETARIA MUNICIPAL DE SUBPREFEITURAS. Dados demográficos dos distritos pertencentes às Subprefeituras (Fonte: Infocidade). São Paulo, Prefeitura da Cidade de São Paulo, 2010 <https://bit.ly/3EkJF1m>.
2
SECRETARIA ESPECIAL DE COMUNICAÇÃO. Terminal Cidade Tiradentes recebe estação de compartilhamento de bicicletas, Moradores da região poderão levar a bike para casa e devolver no dia seguinte. São Paulo, Prefeitura da Cidade de São Paulo, 2018 <https://bit.ly/3lmI8zb>.
3
METRÔ. Pesquisa de mobilidade 2012, região metropolitana de São Paulo – síntese das informações pesquisa domiciliar. São Paulo, Metrô, 2013 <https://bit.ly/3hxHgqh>.
4
SCHEIN, Raquel. Estrutura cicloviária na periferia aponta tendências no planejamento de São Paulo – Aumento do uso da bicicleta, redução de deslocamentos e melhor convivência entre ciclistas, pedestres e transporte coletivo sinalizam novos caminhos para a cidade. São Paulo, Vá de Bike, 2014 <https://bit.ly/3lsOcGc>.
5
METRÔ. Bicicleta no Metrô. São Paulo, Metrô, 2021 <https://bit.ly/3zckz0H>.
sobre os autores
Biagio Antonio Barletta Junior é arquiteto urbanista, mestrando pela Universidade São Judas Tadeu na área de Mobilidade Urbana e Tecnologia nas Cidades (2021), possui pós-graduação em Gerenciamento de Empreendimentos Imobiliários na Construção Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2010).
Maria Isabel Imbronito é arquiteta, mestre e doutora em Arquitetura e Urbanismo (FAU USP, 1994, 2003 e 2008). É docente no curso de Graduação e Mestrado Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, e pesquisadora da mesma Instituição. Docente em Arquitetura e Urbanismo no curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Felipe Dariel Pinto é Tecnólogo em Construção de Edifícios (Fatec), Engenheiro Civil (UMC), Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho e Engenharia de Produção (Unicsul), Mestrando-Pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (USJT) e Professor de Ensino Técnico no Centro Estadual de Educação Tecnológica "Paula Souza".