Faleceu recentemente o artista francês Pierre Soulages (1919–2022). Ele nasceu em Rodez, na região da Occitânia, mas viveu grande parte da sua vida entre as cidades de Montpellier e Paris. Nos seus últimos anos de vida, ele trabalhava em um ateliê em Sète. O artista chegou a ter uma exposição individual no Louvre (2019–2020), pelo seu centenário, e bateu recorde ao leiloar um dos seus quadros por 9,6 milhões de euros.
A ideia de fazer um centro cultural em sua homenagem era antiga e diversas cidades, como Montpellier por exemplo, demonstraram interesse em receber o museu. Por fim, o artista deu preferência a Rodez, pois foi aqui que ele descobriu a sua paixão pela arte. Em 2005, Soulages e sua esposa doaram 250 peças para a coleção e desencadearam o processo de criação do museu.
Foi lançado em 2008 um concurso para o projeto de arquitetura, do qual participaram escritórios como Jean Nouvel, Christian Portzamparc e Dominique Perrault. Os vencedores foram Rafael Aranda, Carme Pigem e Ramon Vilaltado, do RCR arquitectes, escritório Catalão que recebeu o Prêmio Pritzker em 2017. Em segundo lugar ficou Paul Andreu, que projetou os aeroportos Charles de Gaulle, em Paris, o de Abu Dhabi e o do Cairo. O terceiro lugar foi para o japonês Kengo Kuma, cuja proposta de um museu transparente com bastante vidro agradou o júri, mas era 70% acima do orçamento estipulado originalmente. O projeto do RCR foi considerado o melhor pois aproveitava bem o terreno, tinha o melhor funcionamento interno, além de uma sensibilidade estética em relação à obra de Soulages.
O Museu Soulages fica no jardim Foirail, situado entre o centro histórico e os novos bairros de Rodez. O prédio foi implantado na parte norte do jardim, deixando o espaço verde mais amplo ao sul. Enquanto na fachada sul, o objeto surge baixo e dialoga de forma suave com a inclinação do jardim, na fachada norte (voltada para uma rodovia), o museu rompe com o terreno acidentado, avançando com grandes volumes.
O jardim inclinado da face norte é inteiramente coberto por plantas, um imenso tapete verde que contrasta com a tonalidade marrom do aço corten. O tento e o mobiliário urbano também são em aço. Há, portanto, uma coerência no desenho que extrapola os limites do prédio.
O aço corten é um material recorrente nos projetos do RCR. As fachadas alternam entre superfícies totalmente fechadas, semiabertas com brises verticais, que resultam em um jogo de luz no interior, e planos totalmente transparentes com vidro.
A entrada ao museu é realizada sob uma estrutura em balanço com mais de 12 metros de comprimento. Ao adentrar, à esquerda temos a bilheteria, a loja e a escada de acesso às salas de exposição no pavimento inferior. Para a direita, há uma passarela de vidro que cruza sobre uma escadaria na área externa e interliga o hall com os banheiros, armários e o restaurante do museu. Também é possível acessar o restaurante diretamente pela área externa. A sua fachada voltada para o jardim Foirail é composta pelos brises verticais de aço corten e atrás há uma varanda com canteiros de pedras e um espelho d’água.
A estrutura do museu é em concreto revestido em aço, tanto no exterior quanto no interior. Nas fachadas, o aço adquiriu com o tempo o tom avermelhado que se assemelha a algumas obras de litografia e serigrafia de Soulages. Internamente, o aço manteve sua tonalidade original mais escura. O revestimento metálico permitiu criar um sistema de fixação através de ímãs que aguentam mais de sessenta quilos. Com isso, não é necessário furar a parede para prender o quadro e é mais fácil modificar a disposição do acervo exposto.
Uma exigência de Pierre Soulages foi estabelecer uma alternância entre salas escuras e claras. A luz é uma questão fundamental na obra do artista. Conhecido por usar muito o preto, ele explora a luminosidade em suas pinturas através do contraste com outras cores, assim como pela espessura e a textura da tinta. As salas dos seus trabalhos mais antigos ficam nas salas no interior do edifício, com pé direito mais baixo, paredes escuras e sem janelas. À medida que chegamos nas salas com suas pinturas mais recentes e em grande formato, adentramos ambientes de pé direito mais alto, paredes em aço escuro e com grandes esquadrias. Há também três salas com paredes brancas. Nesses casos, a parede é emboçada e pintada e a fixação não é com ímã. As salas de pé direito mais alto são aqueles volumes salientes avistados de fora. A última sala da visita é a sala dos vitrais de Conques.
Vitrais de Conques
Soulages não nasceu em uma família de artistas. Segundo ele, a paixão pela arte veio a partir de uma visita à igreja de Conques, que fica perto de Rodez. Ele foi arreatado pela sua beleza e diz que foi neste momento que ele decidiu se tornar um artista.
Muitos anos depois, em 1986, a cidade de Conques o convidou para projetar os novos vitrais da igreja. Esse projeto reforçou os laços do artista com o local, levando ao eventual acordo em construir o museu na região.
A coleção do Museu Soulages mostra algumas das mais de setecentas amostras de vidro que o artista fez e um vídeo explicando o processo.
Há ainda uma sala de exposições temporárias que, quando eu visitei, estava com uma exposição de Fernand Léger. Além das suas pinturas, a exposição incluía um vídeo com uma entrevista com Soulages, onde ele contava sobre o seu encontro com Léger e a influência do artista sobre a sua obra.
nota
NE — Este texto foi originalmente publicado no blog Mariana Magalhães Costa, em 1 de janeiro de 2022 <https://bit.ly/41BleXF>.
sobre a autora
Mariana Magalhães Costa é Arquiteta urbanista formada pela PUC RIO. Trabalhou em escritórios no Rio de Janeiro e em Paris e está atualmente desenvolvendo doutorado na Universidade Jean Jaurès, em Toulouse. Mariana mantém um blog que foi transformado em um livro intitulado No caminho, no compasso. Guia de viagem para amantes de arquitetura (Oficina Raquel, 2019).