Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architectourism ISSN 1982-9930

Panorama de Edinburgh, Escócia. Foto Abilio Guerra

abstracts

português
Foi criado o termo “Síndrome de Sthendal” para se referir aos sintomas (desmaios, AVC) que um turista estrangeiro sentiria diante de uma obra de arte. Postulamos a existência do seu oposto, a “Síndrome de Verdurin”, que seria uma impostura.

english
The term “Stendal Syndrome” was created to refer to the symptoms (fainting, stroke) that a foreign tourist would feel in front of a work of art. We postulate the existence of its opposite, the “Verdurin Syndrome”, which would be an imposture.

español
El término “Síndrome de Stendal” se creó para referirse a los síntomas (desmayos, ictus) que sentiría un turista extranjero frente a una obra de arte. Postulamos la existencia de su contrario, el “Síndrome de Verdurin”, lo que sería una impostura.


how to quote

LIMA, Adson Cristiano Bozzi Ramatis. Sobre estranhas síndromes. A Síndrome de Stendhal e a Síndrome de Mme. Verdurin. Arquiteturismo, São Paulo, ano 17, n. 195.03, Vitruvius, jun. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/17.195/8834>.


As viagens têm um aspecto educativo para a maioria das pessoas, e quase sempre foi assim, com os filhos de uma abastada burguesia e de uma aristocracia ainda não plenamente decadente. Eram os tempos do chamado Grand Tour, uma viagem como o ápice de uma educação particularmente esmerada. Assim, faziam-se visitas a cidades, museus e, com um pouco de sorte, e de acordo com a influência da família, podia-se até frequentar o milieu de artistas e intelectuais. Ou seja, não era um giro de poucas semanas em um mundo que agora, como reclamaria Jean-Paul Sartre, está infestado pelo outro; neste caso, o outro é o que somos não querendo sê-lo: um simples turista de excursão.

Assim, a chamada — e não poucas vezes pejorativamente — “indústria do turismo” ou “turismo de massa” possibilitou que outras classes sociais fizessem este trajeto. Contudo, a divisão de classes nos países capitalistas é, — e sempre foi — um divisor de mundos, e o Grand Tour transformou-se para multidões em uma estadia apressada em “monumentos históricos” e highlights em museus. Aqui, la Gioconda, acolá, Guernica, mais adiante, Bycicle weel. Obras estas que não estão expostas no mesmo museu, como sugerimos, mas, como escreveu Marguerite Duras sobre a impotência afetiva de uma personagem no Museu de Hiroshima: “A ilusão é tão simples, é tão perfeita que os turistas choram. Pode-se sempre fazer pouco caso disto, mas o que pode fazer um turista, senão, justamente, chorar?” (1). A escritora francesa relata o êxtase de turistas que, diante de uma realidade que forçosamente os ultrapassa, choram. O choro, mas também o riso nervoso, a tontura e, por vezes, o desmaio, são reações extremas diante de um fato estético que pode ser compreendido como “o brioche que não se come todos os dias”. Isto é, uma fuga do banal, do cotidiano, do dia a dia, do não acontecimento (que os franceses chamam de fait divers).

Para esta reação foi cunhado o termo Síndrome de Stendhal, pois teria sido o escritor francês Henri Beyle (Stendhal) o primeiro turista a sentir os sintomas deste fenômeno psíquico e a reportá-los. Mas em que consistiria, exatamente, estes sintomas? “Entre os […] mais comuns encontram-se delírios, alucinações e vertigens, as vítimas sentem-se sufocados com o ritmo cardíaco, mas igualmente a visão se torna turva e há uma perda do sentimento de identidade” (2). Contudo, muitos logram ver neste fenômeno uma espécie de coincidência, como podemos ler: “Todavia, certos profissionais nuançam estes sintomas, estimando que uma sucessão de lugares exteriores e lugares fechados podem ocasionar certo mal-estar ou vertigem” (3). De qualquer sorte, deve-se levar em consideração que, “em 2018 um turista japonês de setenta anos teve um ataque cardíaco contemplando a famosa pintura O nascimento de Vênus, do artista renascentista Sandro Botticelli”.

Os brasileiros — notórios turistas — eram como os chineses conhecidos por sua indiscrição (estamos nuançando…), um pouco como a personagem Mme Verdurin, de Marcel Proust no livro-enciclopédia Em busca do tempo perdido, que em parte narra os salões de Paris, que tinham como convidados a fina flor da sociedade parisiense, aqui incluindo intelectuais, artistas e músicos. A pobre personagem notabilizava-se pelos seus excessos, ignorância e sua vulgaridade, como podemos ler: “Mas desde o acidente ocorrido com o seu maxilar, ela desistiu de se esforçar para gargalhar e fazia em seu lugar uma mímica convencional que não implicava cansaço nem riscos para ela, que ria até às lágrimas” (4). Inculta, agindo menos por amor à arte e mais por se fazer notar, esta é a Madame Verdurin criada por Proust. Poderíamos afirmar que estes, digamos, sintomas, não incluem aqueles listados no início do texto atribuídos à alta burguesia e à nobreza, educadas no ócio da sua posição social privilegiada. A Síndrome de Verdurin seria, por assim dizer, a impostura da Síndrome de Stendhal.

Os chamados pejorativamente pelos portugueses de “zucas” (sim, nós mesmos) estão, certamente, mais próximos da Síndrome de Verdurin (esta por nós inventada) que a de Stendhal. Um turista brasileiro facilmente diria em estase (representado), diante de uma tela de Caravaggio, no museu Uffizi: “É tão escuro”. Ou ainda, com um nobre ar de sabedoria diante de algumas telas de Boticelli exclamaria: “É sempre a mesma mulher em todos os quadros”. A questão dos modelos que posariam, do chiaroscuro lhes escapariam, como lhes escaparia a produção técnica dos ateliês do Renascimento. Mas os esnobes de servisse (como diriam os franceses) não precisam mais se preocupar, com a cotação do Dólar e do Euro eles têm agora a solidão e o privilégio da ignorância.

notas

1
DURAS, Marguerite. Hiroshima mon amour. Paris, Éditions Gallimard, 1960, p. 25. Tradução do autor.

2
LE FEUVRE, Delphine. Syndrome de Stendhal : quand l'art rend fous les voyageurs. Geo, Luxemburgo, 1 mar. 2022. Tradução do autor <https://bit.ly/46FJED4>.

3
Idem, ibidem. Tradução do autor.

4
PROUST, Marcel [1887]. Em busca do tempo perdido. 3ª edição. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2017, p. 225.

sobre o autor

Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima é arquiteto e urbanista, mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Autor do livro Arquitessitura; três ensaios transitando entre a filosofia, a literatura e arquitetura. Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Maringá.

comments

195.03 arquiteturismo
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

195

195.01 passeio cultural

Museu Soulages em Rodez, França

Mariana Aranha Magalhães Costa

195.02 viagem de estudo

Viagem a Goiás

Téo Dalla Pria Andersen

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided