São Sebastião, cidade localizada no litoral norte do estado de São Paulo, no eixo Caraguatatuba – São Sebastião – Ubatuba, é uma cidade que se fixa entre o mar e a serra composta por mata atlântica, numa faixa litorânea extremamente estreita. A cidade é composta de 36 praias divididas em três distritos – São Sebastião, Maresias e São Francisco da Praia –, que somam uma extensão de 100 km.
O litoral de São Paulo é uma das regiões que foram primeiramente colonizadas pelos portugueses, sendo a cidade de São Sebastião um dos primeiros povoados nesta região e a cidade mais antiga do litoral (1). O povoado se desenvolveu a partir de uma sesmaria, com uma economia baseada na pesca e na agricultura, sendo esse o cultivo de cana-de-açúcar.
Atualmente a cidade contém uma população de 80.000 habitantes (2), a qual é distribuída entre esses distritos, sendo a maior concentração no distrito central, São Sebastião. A economia da cidade, nos dias de hoje, se concentra, na pesca, na indústria naval, sendo o terminal de São Sebastião um dos principais, recebendo navio-petroleiro e repassando para grandes refinarias e no turismo, por conta das praias e da natureza (3). Esse setor tem impacto significativo no mercado imobiliário, uma vez que estimula a demanda por casas de veraneio. Além disso, esse segmento gera uma necessidade de prestadores de serviço, como jardineiros, caseiros, piscineiros, entre outros. Segundo o mapa de riqueza feito pela FGV (4), a renda média da população de São Sebastião em 2020 era de R$1018,25, ou seja, praticamente um salário mínimo (5). Enquanto o PIB per capita da cidade chega a R$37.380,81, isto é, a cidade possui uma desigualdade social intensa, gerada por essa dinâmica de balneário de alto padrão e os prestadores de serviços.
Apesar do grande mercado imobiliário, a cidade enfrenta um grande problema habitacional, devido a essa desigualdade social. A população de baixa renda, por falta de moradia acessível, uma vez que o mercado incentiva casas de veraneio e de altíssimo padrão, se aloja no pé da serra avançando morro adentro.
Durante o mês de fevereiro de 2023, boa parte do litoral paulista sofreu com fortes chuvas, sendo a cidade de São Sebastião a mais atingida. Na madrugada do dia 19, devido à precipitação intensa durante várias horas, muitos pontos da cidade sofreram com alagamentos e na serra houveram diversos deslizamentos de terra (6). Tais deslizamentos ocorreram em regiões onde haviam muitas habitações irregulares, bairros com moradias precárias, que por conta do deslizamento foram soterrados, levando a desaparecimentos e mortes.
Esses deslizamentos ocorrem devido a uma formação da própria Serra do Mar, composta por mata atlântica reúne grandes fatores que fazem com que esses deslizamentos sejam comuns, como a alta inclinação dos morros, pouca profundidade de terra acima das rochas e a umidade gerada pelas frequentes chuvas.
Durante os dias após a tragédia, a prefeitura de São Sebastião decretou estado de calamidade pública, visto que muitas pessoas ficaram desabrigadas, sem água, sem energia, sem comida e sem acesso a locomoção para outras regiões e cidades, por conta que os deslizamentos fecharam os acessos a São Sebastião. O que gerou um movimento nacional de solidariedade com as pessoas que sofreram com a tragédia, foram enviados para São Sebastião de todos os lugares, comida, água potável, roupas, calçados, cobertores entre outros. Criou-se um senso de responsabilidade social entre as pessoas, uma vez que os órgãos públicos falharam com a população ao deixar que essa tragédia acontecesse, já que poderia ter sido evitada.
Em 2021 foi elaborado o novo Plano Diretor de São Sebastião, o qual dispõe entre seus principais objetivos gerais e princípios a redução da desigualdade social, direito à cidade, saneamento básico, infraestrutura urbano, direito à moradia digna e a participação da população. No “Capítulo 3 – Da função social da propriedade urbana” (7), tem-se vários tópicos que visam a habitação e a habitação de interesse social. Novamente, observa-se que os artigos visam o direito à moradia digna, trazendo até o Estatuto da Cidade (8) e a Constituição como referência.
No entanto, apesar do Plano Diretor apresentar esses tópicos como principais objetivos e princípios, não condiz com a realidade da cidade. Há muitas pessoas ainda morando em zonas de risco, sem saneamento básico e infraestrutura, principalmente nos bairros de ocupação. O próprio plano, permite a construção e ampliação próximo a esses locais que já são considerados zonas de risco, por conta do comportamento da Serra do Mar. A prefeitura recebeu diversas vezes alertas de que áreas ocupadas irregularmente tinham grandes riscos de alagamento e deslizamentos de terra. No entanto, não houveram ações da prefeitura.
É notável que não existe uma preocupação dos órgãos públicos com a cidade saudável (9). Esta, que tem como seus principais pilares, a promoção da saúde, o bem estar social, o desenvolvimento sustentável, equidade em todos os âmbitos da sociedade. Uma cidade saudável é aquela que possui elementos que permitam a saúde das pessoas e assim melhore a qualidade de vida. A tragédia anunciada, é uma situação que não deveria existir, uma vez que o Estatuto da Cidade quanto o plano diretor de São Sebastião, deveriam garantir a infra estrutura urbana, um planejamento urbano que seja para todos. Ou seja, habitações dignas, saneamento básico, salubridade, apoio a população, entre outros que promovam a saúde das pessoas.
É preciso capacitar os arquitetos e planejadores urbanos, através da formação na academia, visando os valores e diretrizes de uma cidade saudável na perspectiva da promoção da saúde. Assim como, capacitar os tomadores de decisões como, prefeitos, técnicos, e outros profissionais, para haja propostas e atuações que promovam a saúde nas cidades. Também há a necessidade de habilitar e educar a sociedade civil sobre a importância do cumprimento das normas e leis para que situações como essa não se repitam.
Portanto, é fundamental que os órgãos públicos e os responsáveis pelo planejamento urbano estejam cientes e implementem um planejamento adequado e que tenha como principal objetivo a promoção da saúde e visam a formação de uma cidade saudável.
notas
1
IBGE. São Sebastião. Brasília, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ago. 2015 <https://encurtador.com.br/bEIOZ>.
2
IBGE. São Sebastião: panorama. Brasília, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2023 <https://encurtador.com.br/wzGWY>.
3
PETROBRAS. Terminal São Sebastião <https://encurtador.com.br/oq036>.
4
FGV SOCIAL. Mapa da Riqueza. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, fev. 2023 <https://encurtador.com.br/cgz27>.
5
PORTAL CONTÁBEIS. Salários Mínimos de 1995 a 2022. São Paulo, 2023 <https://encurtador.com.br/fuLQ1>.
6
CANTÃO, Luciana; BIAZZI, Renato. Deslizamentos frequentes na Serra do Mar são resultado de solo superficial, alta inclinação e “paredão” de nuvens. São Paulo, G1, 22 fev. 2023 <https://encurtador.com.br/coqO1>.
7
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO SEBASTIÃO. Lei Complementar n. 263/2021. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Município de São Sebastião e dá outras providências. São Sebastião, Prefeitura de São Sebastião, 27 de maio de 2021, p. 10-12 <https://encurtador.com.br/hyGOQ>.
8
BRASIL. Estatuto da cidade. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Brasília, Câmara dos Deputados: Coordenação de Publicações, 2001 <https://encurtador.com.br/jlU78>.
9
MONTAUTE, Maiara Gomes; SPERANDIO, Ana Maria Girotti. O Plano Diretor como uma conexão para a cidade saudável. Labor & Engenho, v. 17, Campinas, abr. 2023, p. 1-9 <https://encurtador.com.br/sEMNP>; SPERANDIO, Ana Maria Girotti. Estratégias do planejamento urbano e da promoção da saúde: a mandala da cidade saudável. Intellectus Revista Acadêmica Digital, v. 58, n. 1, 2020, p. 79-95 <https://encurtador.com.br/nzJP9>.
sobre as autoras
Beatriz Cressoni é arquiteta e urbanista (FAU PUC-Campinas, 2021), especialista em Restauro Arquitetônico: Teoria e suas implicações na prática projetual (FAU PUC-Campinas, 2017), bolsista de Iniciação Científica (FAPIC, 2019 e 2020) e estudante especial do (FECFAU Unicamp, 2023).
Ana Maria Girotti Sperandio é ortoptista sanitarista (Unifesp, 1984), especialista em Saúde Pública (USP, 1988), mestre e doutora em Saúde Pública (USP, 1995; 2001). Atualmente é pós-doutoranda em Saúde Coletiva (Unicamp, 2006) e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura (FECFAU Unicamp).