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IRAZÁBAL, Clara. Da Carta de Atenas à Carta do Novo Urbanismo. Qual seu significado para a América Latina?. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 019.03, Vitruvius, dez. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.019/821>.

Um novo movimento, chamado Novo Urbanismo, está ganhando espaço de uma maneira expressiva nas discussões sobre planejamento, desenho urbano e arquitetura na América do Norte. Por isso me pareceu importante tentar descrevê-lo e analisa-lo, de maneira a despertar a consciência e sentido crítico sobre o mesmo, antes que suas influências cheguem à Venezuela, se não for o caso de já terem alcançado.

Nos últimos anos, nos Estados Unidos, destacados arquitetos, urbanistas e profissionais de outras disciplinas têm discutido em congressos, projetado e construído várias comunidades urbanas e – ainda mais impactante – elaborado uma Carta, aos moldes da Carta de Atenas do movimento moderno, produto do CIAM (e em franca contestação dos princípios defendidos por esta), que pretende determinar no contexto nacional a maneira de conceber ou intervir no espaço urbano.

O movimento surge basicamente como resposta ao incontido crescimento dos subúrbios nos Estados Unidos, espécie de grandes urbanizações que, sem ser cidade ou campo, tampouco conseguem definir um caráter próprio entre esses extremos que lhes dê um sentido de lugar. Os subúrbios norte-americanos, fato que ocorre também nas cidades satélites que crescem nas imediações das grandes cidades venezuelanas, carecem de uma adequada mescla de funções que permita a um grupo significativo de seus habitantes trabalhar e desenvolver outras atividades sociais em sua própria vizinhança. As pessoas dependem excessivamente de seus automóveis privados, porque o transporte público, quando existe, é insuficiente ou não está adequadamente ligado à rede urbana para acessar facilmente.

Os projetistas do Novo Urbanismo, cujo estilo lhes conferiu também o dístico de Neotradicionalismo, ou Urbanismo Sustentável, estão a favor de comunidades mais pequenas e densas que os subúrbios tradicionais, com limites definidos e onde exista uma adequada mescla de funções que incorporem espaços de recreação, comerciais, institucionais e de serviço, em estreita vinculação com residências de vários tipos. Estas habitações seriam acessíveis a diversos grupos socioeconômicos, e seriam apropriadas de maneira em que propiciem a diversidade também em termos de idade, sexo, raça, etc. As viagens para fora da vizinhança são minimizadas, reduzindo a dependência do carro e a contaminação e o consumo de energia que esta gera. As distâncias de um lugar a outro poderiam ser percorridas a pé, e se podia chegar caminhando até às estações de transporte público (ônibus, trens, metrôs e outros, segundo o caso), que conectem com outras comunidades similares. Todas estas características propiciariam o caráter único do lugar e a sensação de pertencimento à comunidade do grupo de habitantes que ali convivem.

Mas olhando um pouco para trás e retomando a idéia presente no título do artigo, vou esboçar uma comparação entre a Carta de Atenas e esta Carta do movimento Novo Urbanismo. Além disso, tratarei de entrever qual pode ser o impacto desta última na Venezuela.

A Carta de Atenas foi elaborada por um grupo internacional de arquitetos depois de uma série de congressos nos quais se discutiu como o paradigma da arquitetura moderna poderia responder aos problemas causados pelo rápido crescimento das cidades, causado, entre outros fatores, pela mecanização na produção e as mudanças no transporte. No IV Congresso do CIAM, este grupo de profissionais e visionários finalizou a Carta de Atenas, depois de haver analisado 33 cidades das mais diversas latitudes e climas no planeta. Portanto, suas observações e recomendações tinham um sentido bastante universal.

Ao contrário, o Novo Urbanismo é um grupo localizado nos Estados Unidos, que centra sua discussão basicamente na problemática da cidade norte-americana de finais do século vinte. Esta cidade difere significativamente da típica cidade latino-americana. Sem dúvida, ambas apresentam graves problemas urbanos e se encontram em um momento conjuntural, onde se tornou evidente que devem fazer mudanças importantes e fixar estratégias de desenvolvimento diferentes que lhes possibilitem uma entrada mais saudável e vital no terceiro milênio. Para a América Latina o problema não seria tanto a proliferação dos subúrbios de baixa densidade, mas o crescimento anárquico das cidades, o desequilíbrio das funções urbanas, e o desajuste entre o espaço público e privado, entre outros. Mas as determinações da CNU poderiam ajudar a resolver os problemas da inexistência ou ineficácia de controles legais e de instâncias governamentais, e os desequilíbrios das forças do mercado, que são, entre outras, as causas dos desajustes, tanto no norte, como no centro e sul de América.

Voltando à comparação entre as duas Cartas, ainda que na Carta de Atenas se reconheça que as possibilidades de influenciar os destinos das cidades requeiram uma combinação de fatores políticos, sociais e econômicos, a Carta enfatiza excessivamente o potencial da arquitetura e da planificação como definidores da forma da cidade. Esta é uma manifestação de um fenômeno que alguns reconhecem como a falácia física, uma fé quase cega nas qualidades redentoras do desenho para resolver os problemas urbanos. A posição do Novo Urbanismo, ao menos no expressado em sua Carta, é mais balanceada nesse sentido, reconhecendo que as soluções físicas por si mesmas não resolvem os problemas sociais e econômicos, e que o arquiteto ou urbanista deve estar acompanhado por um grupo multidisciplinar de profissionais e uma ampla base democrática, assim como de uma vontade privada e pública e uma confluência de consenso e recursos, para orquestrar de forma exitosa a criação, transformação ou restauração de qualquer paisagem urbana.

Além das transformações físicas derivadas de seus ensinamentos, a Carta do Novo Urbanismo tem como meta a transformação das políticas urbanas nos Estados Unidos. Mesmo partindo da reflexão de uma realidade urbana diferente à da Venezuela, seus objetivos, e em muitos casos as estratégias de planificação, desenho urbano, transporte e arquitetura a nível regional, comunal e local, resultam possíveis pontos de partida desde os quais construir políticas urbanas mais afinadas com os necessidades e possibilidades do país.

Como é conhecido de todos, a Carta de Atenas propõe quatro funções básicas na cidade: habitação, trabalho, recreação e circulação. Assim, a Carta em si mesma se organiza sob estas premissas, expondo observações e proposições para cada um. A organização da cidade na prática moderna é tratada também desta maneira discreta, separando nela cada uma das funções identificadas. Mesmo que a Carta de Atenas sinceramente pretendesse incrementar a qualidade de vida e o nível de segurança nas cidades, foi amplamente demonstrado em diferentes exemplos urbanos em todo o mundo, que este modelo fracassou. Baseados nestas experiências muitas vezes tristes e inclusive dramáticas, e em sua comparação com estilos de vida que têm surgido em comunidades urbanas neotradicionais, a Carta do Novo Urbanismo enfatiza a necessidade de diversidade social, mescla de atividades e tipos de circulação, acessibilidade pedestre, participação democrática e respeito à expressão da cultura local.

Já existem várias comunidades que foram projetadas baseando-se nos conceitos da Carta do Novo Urbanismo, chamando a atenção tanto de profissionais como do público em geral: Seaside, na Flórida, em 1981, um exemplo pioneiro para o movimento do Novo Urbanismo; e mais recentemente, Celebration, também na Flórida; Suisun City e The Crossings, na Califórnia, etc., projetadas nos anos noventa. Estes exemplos se converteram em um campo de experimentação e inspiração para os novos urbanistas, que começam a trabalhar em centros de cidades deteriorados e subúrbios em qualquer parte, buscando maneiras de reconstituir sua diversidade social, e seu sentido de lugar e de comunidade. Como estas são ambições mais ou menos universais, alguns urbanistas tem respondido, com os princípios do Novo Urbanismo, o questionável desenvolvimento urbano que têm propiciado alguns grandes grupos de arquitetura na Ásia, emulando os arranha-céus de Nova York ou Chicago. Outros já se atreveram com algum projeto na América Central. E oportunidades de desenvolvimentos semelhantes vão se ampliando, na medida em que cresce a promoção e a aceitação das idéias da Carta do Novo Urbanismo.

Não obstante, uma grande dificuldade para estas propostas do Novo Urbanismo é a limitação econômica, tanto dos governos locais ou agências privadas para projetar, construir e administrar este tipo de projetos, como para os usuários potenciais de chegar às unidades residenciais. Mesmo quando se realizam em etapas, estes projetos resultam muito custosos, já que setores da população estão incapacitados para adquirir ou alugar uma casa. Neste sentido, as soluções físicas implementadas até agora pelo Novo Urbanismo não parecem ser uma alternativa facilmente reproduzível frente ao crescimento suburbano, apesar da moderada densidade que propõem esses assentamentos favorecer a economia em infra-estrutura e serviços.

Pode ser esclarecedor olhar para trás e reavaliar a agenda social presente na Carta de Atenas, quando propõe que cada indivíduo deveria ter "acesso às alegrias fundamentais, ao bem-estar do lar, e à beleza da cidade", tornando necessário buscar as opções legais, financeiras, tecnológicas e políticas que tornem isto possível. O Novo Urbanismo deve também olhar, como o CIAM, para além dos limites dos Estados Unidos para reconhecer, analisar e eventualmente formular recomendações acerca dos fenômenos urbanos globais. Para mencionar apenas um dado, se estima que para o ano 2000, haverá 50 cidades de mais de 15 milhões de habitantes no mundo, e aproximadamente 40 delas estarão no terceiro mundo. As conseqüências desta realidade afetarão o planeta inteiro nas mais diversas formas. O movimento do Novo Urbanismo não pode ser neutro ou indiferente a estes problemas, pois as repercussões inevitavelmente se farão sentir na vida urbana norte-americana. Um enfoque mais amplo como ferramenta de análise e predição, como o que sustentou o CIAM, sem ser garantia, podia melhorar e universalizar significativamente as proposições da Carta do Novo Urbanismo.

Estas são, quem sabe, as comparações mais evidentes entre a Carta de Atenas e a do Novo Urbanismo. As diferenças poderiam analisar-se em diferentes planos, desde o mais geral até aspectos muito específicos. Entre as mais destacadas estão: o caráter mais universal da Carta de Atenas versus o caráter nacional da presente no Novo Urbanismo; a crença otimista na arquitetura e o urbanismo como fontes de mudança da Carta de Atenas versus uma visão mais realista do papel do projeto urbano dentro da complexidade de fatores que influenciam o destino das cidades que defende o Novo Urbanismo; o postulado da arquitetura moderna como o modelo para resgatar e reordenar as cidades e propiciar saúde e felicidade ao indivíduo e à coletividade da Carta de Atenas versus determinações mais gerais de projeto que transcendem estilos e enfatizam a criação de unidades dentro de uma hierarquia urbana (região, vizinhança, distrito, corredor, quadra, rua, edifício), de maneira a promover a apropriada mescla de funções e pessoas, acrescentar a vida pública e fazer uso mais racional dos recursos.

Ainda que as propostas do Novo Urbanismo estejam sendo intensamente discutidas e exploradas em escolas, fóruns e publicações de arquitetura e urbanismo, na Internet e na prática profissional, ainda há muito por debater. Suas implicações, a evolução do desempenho das ainda muito poucas e jovens comunidades que tem sido criadas sob suas colocações, sua validez universal, e sua limitação econômica (para investidores, construtores e usuários), são, entre outros, tópicos para discutir e refletir mais profundamente.

notas

1
Artigo publicado originalmente na revista Entre Rayas.

sobre o autor

Clara Irazábal é arquiteta (UCV, 1987). Especialista em Planejamento Territorial e Desenho Urbano (Instituto de Urbanismo, UCV, 1993). Mestre em Arquitetura (Universidade da Califórnia, Berkeley, 1994). Doutoranda em Arquitetura (Universidade da Califórnia, Berkeley).

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