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architexts ISSN 1809-6298


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Neste texto Carlos M Teixeira apresenta a “Casa da Várzea” (ou The Flood Plain House), projeto desenvolvido para o concurso Shinkenchiku, que apresenta uma proposta para a Amazônia


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TEIXEIRA, Carlos M. Shinkenchiku Residencial Competition. Casa da Várzea. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 083.01, Vitruvius, abr. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.083/252>.

1.

A revista de arquitetura japonesa The Japan Architect (JA) patrocina anualmente um concurso internacional de idéias desde a década de 70. A cada concurso um arquiteto de renome internacional é convidado para julgar projetos que tenham a ver com sua trajetória profissional. Niemeyer foi o jurado em 1999; Tadao Ando e Richard Rogers, em 2005. 2006 foi a vez do japonês Kengo Kuma, conhecido por seus estudos onde arquitetura e paisagem se misturam numa postura sintonizada com o discurso ecológico contemporâneo.

Os projetos de Kuma podem ser divididos em duas fases: a dos anos noventa, quando desenvolve projetos conceituais discutindo a relação entre arquitetura e paisagem; e a mais recente, onde procura recuperar as tradições da arquitetura japonesa e reinterpretá-las em uma linguagem pessoal. Defendendo a idéia do “desaparecimento da arquitetura”, não foi por acaso que ele escolheu o tema “A Casa Sem Planta” (The Plan-less House) para o último concurso Shinkenchiku. Os projetos deveriam questionar a necessidade da casa e o uso de partições na tipologia residencial do século XXI. O edital – mais uma provocação que um regulamento – deixava o campo de investigações em aberto:

“Por que uma casa deve ter ‘paredes’? Por que não podemos descrever uma casa só como mobília? Por que não podemos descrever uma casa só por utensílios? Ou por que não um método descritivo que utilize apenas as texturas do piso, por exemplo? Já que o piso é o único componente diretamente tocado pelo corpo, se nós fôssemos descrever uma casa por uma técnica de “scaneamento pelo corpo”, a casa seria então representada como uma coleção de texturas percebidas pelo corpo. Ou talvez seja também possível descrever uma casa em termos da temperatura do ar, ou em termos de odores causados pelos fluxos do vento que a perpassam” (1).

Na fase mais investigativa, seu discurso é marcado por uma atitude onde o paisagismo não só é parte fundamental de seu trabalho, como é considerado o centro de suas preocupações: “Nesse novo mundo, a paisagem demonstrará indubitavelmente seus poderes. Para colocar de maneira moderada, a arquitetura se tornará subserviente à paisagem.” Ou ainda: “Sinto que ao criar um objeto haverá um fatal impacto no meio ambiente, mesmo se esse objeto for feito de vidro ou qualquer outra transparência, mimetizado de acordo com as cores de seu entorno ou ainda totalmente coberto por plantas. Há um erro intrínseco em criar um objeto para depois tentar fazê-lo desaparecer. O problema está em ver o projeto necessariamente como sinônimo de criação e construção de objetos.”

Descrevendo o observatório em Kiro-San em Oshima, sua atitude diante da necessidade da arquitetura fica menos teórica, ainda que buscando coerência:

“No final, resolvi por não criar um objeto. Ao invés de inserir um edifício no topo da montanha, preferi cavar uma fenda em sua crista. Daí, o observatório é invisível. Olhando para a montanha, não se vê nenhum indício do observatório. [...] Para evitar que um objeto apareça, ou seja, para ‘apagar a arquitetura’, nós devíamos reverter a direção de nossa visão e nossa forma de percepção. Ao invés de olhar a arquitetura do lado de fora, deveríamos olhar o meio ambiente do lado de dentro” (2).

Recentemente, o escritório entrou em fase mais prática, desenvolvendo casas, pequenos museus e intervenções em edifícios existentes. Sua “Casa Lotus” é emblemática dessa fase: as paredes externas têm um padrão formado por delicadas placas retangulares de mármore travertino, conformando uma fachada quase etérea onde um material pesado é justamente o elemento que provê leveza e porosidade frente à natureza. Intercalando cheios e vazios, pedras e vazados, a fachada recorda as portas de correr em padrões retangulares (ou as “paredes móveis”) tão típicas da arquitetura japonesa e indica outras possibilidades para arquitetura contemporânea – sem cair na armadilha de sempre se pretender “conceitual”.

2.

Foi por estarmos interessados em desenvolver alguma proposta para a Amazônia depois de uma viagem a Manaus, Silves, Santarém, Belterra, Fordlândia, Projeto Jarí, Monte Dourado e Belém, que nosso escritório, Vazio S/A, desenvolveu a “Casa da Várzea” (ou The Flood Plain House) para o concurso Shinkenchiku. Premiado com uma menção honrosa entre as 595 propostas entregues, o projeto investiga possíveis ocupações residenciais para várzeas e explora a relação entre artefato e natureza, perfis metálicos e troncos, crescimento e desaparecimento.

3.

Longe de ser uma idéia própria dos nossos tempos, casas sem planta na verdade estão presentes desde as arquiteturas primitivas da África, Oceania, Ásia e Américas. Porém, a arquitetura de um grupo particular de indígenas do Pará foi tomada como ponto de partida do projeto, já que o mesmo pretende reinseri-la no contexto cultural e econômico da Amazônia atual.

Construídas em pequenas vilas do Alto Xingu, as casas dos Karibe/Aruak/Tupi não são espaços pensados de acordo com critérios funcionais ou geométricos, mas como um espaço antropométrico conceitual onde referências anatômicas sugerem uma total identificação com o homem: os nomes usados para designar elementos arquitetônicos são os mesmos daqueles usados para nomear partes do corpo (perna, braço, brinco, clitóris, bunda, peito, dentes, cabelo etc.) (3). Ainda que não possua qualquer partição vertical, uma maloca pode abrigar diversas famílias, sendo as redes apoiadas de modo radial nos mastros (ou “pernas”) do prédio. As unidades espaciais de cada família, incluindo as áreas das redes, não são concretamente definidas, mas seus limites são reconhecidos e respeitados por todos os moradores. A cumeeira da casa é marcada por uma grande tora que une as duas pernas e recebe “orelhas” e “brincos” em suas duas extremidades (que correspondem aos galhos e as raízes da tora); enquanto as portas são identificadas como “bocas” e a cobertura de babaçu como “cabelo”. Apesar de ter poucas aberturas (apenas duas bocas e dois “clitóris” para uma planta em falsa elipse de 400 m2), a casa é bem ventilada devido às frestas entre as folhas de babaçu.

4.

A Casa da Várzea foi desenhada levando em consideração esse costume de misturar programas em um mesmo ambiente. A casa multifuncional indígena foi herdada pelos ribeirinhos que então hibridizaram a arquitetura dos colonizadores portugueses com a dos índios. O cabelo (a cobertura de babaçu) foi substituído pelo telhado de quatro águas; as paredes, inexistentes na arquitetura indígena, foram tomadas dos portugueses junto com os vãos (portas e janelas). Mas as paredes internas, quando erguidas, são poucas e baixas (h=180~220cm), o que permite a circulação do ar e assegura boa ventilação em toda a casa ribeirinha. E assim como nas casas dos índios, a cama muitas vezes é uma rede, já que não há necessidade de quartos rigidamente separados: o quarto é apenas um “quarto noturno” que pode se tornar um local de trabalho ou sala de estar durante o dia.

5.

Estar em contato com as terras férteis das várzeas é outro diferencial importante para a população não-urbana amazônica. A maré dos rios sobe até 20 metros todos os anos, o que causa a inundação de faixas de até 100 quilômetros ao longo das margens dos rios principais. Algumas tribos, como a dos Kaiapós (Pará), têm o costume de construir casas em terra firme durante as cheias e abrigos temporários durante a estação seca para assim estar em contato com a praia e o rio nas duas estações (4). É por isso que grande parte das populações ribeirinhas prefere viver em casas flutuantes (construídas sobre toras de madeira açacu), fato que permite a elas fácil acesso fluvial mesmo durante os meses de maré alta e estar em contato com peixes e animais do bioma das várzeas.

6.

A CdV procura resgatar algo dessas subjetividades tradicionais para reapropriá-las em uma arquitetura onde a natureza e os fenômenos naturais possam ser empregados como orientadores do projeto.

Assim como alguns hotéis de selva em torno de Manaus (5), na CdV as árvores também desempenham a função de estrutura. Casas e quartos suspensos aqui podem ser desenhados com grandes vãos abertos já que são protegidos naturalmente da incidência do sol pelas copas das árvores. As pequenas janelas das casas caboclas foram substituídas por panos contínuos de telas metálicas e/ou têxteis que protegem a casa e permitem a necessária circulação de ar. Um núcleo molhado pré-fabricado pode ser usado como elemento de vedação das fachadas leste e oeste; as outras vedações propostas são de tábuas de madeira. Com a ajuda de postes internos, as redes podem ser dispostas de várias maneiras e em várias quantidades dependendo do número de usuários. O perímetro da planta é sempre um polígono irregular que depende da posição das árvores existentes, enquanto as paredes de madeira podem ser verticais ou ligeiramente inclinadas dependendo do desenvolvimento dos troncos nos quais a casa se apóia. O principal elemento estrutural são vigas metálicas em “I” que, depois de engastadas nos troncos por meio de flanges, pouco a pouco vão sendo “engolidas” pelo crescimento das árvores. Passarelas também estruturadas por perfis “I” podem prover uma conexão entre casas mais próximas – que, no caso de núcleos de casas, podem também contar com serviços coletivos tais como hortas flutuantes, piers, etc.

Essas passarelas angulosas, assim como as paredes inclinadas e os polígonos irregulares, traduzem a geometria fragmentada e acidental do projeto. Mas o detalhe de uma goiabeira fazendo desaparecer o flange de um gancho (fotos em anexo) diz mais sobre a CdV. Fotografada em intervalos de um ano, a relação gancho/tronco é um comentário sobre o processo entrópico da passagem do tempo, os acasos da natureza como geradores da forma, as evocações do devir (associáveis por paisagistas, mas raramente por arquitetos) e o desaparecimento da arquitetura em meio à natureza – todos eles implícitos na relação entre a casa, as árvores, a várzea e o rio.

notas

1
Shinkenchiku Residential Design Competition. Japan Architect n. 64. Tóquio, Shinkenchiku-sha, winter 2007.

2
KUMA, Kengo. “El período del caos: paisage digital”. Quaderns n. 222. Barcelona, Actar, 1998.

3
MACHADO, Hamilton Botelho. “Karibe-Aruak-Tupi; entrada”. In OLIVER, Paul. Encyclopedia of vernacular architecture of the world. Nova York, Cambridge University Press, 1997.

4
SÁ, Cristina. “Observações sobre a habitação em três grupos indígenas brasileiros”. In NOVAES, Sylvia C. (org.). Habitações indígenas. São Paulo, Edusp, 1983.

5
Ver TEIXEIRA, Carlos Moreira. “Ariaú Jungle Towers”. Arquitextos n. 027.01. São Paulo, Portal Vitruvius, abr. 2002 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq023/arq023_01.asp>.

sobre o autor

Carlos M. Teixeira é mestre em urbanismo pela Architectural Association, sócio do escritório Vazio S/A e autor do livro "Em Obras: História do Vazio em BH" (CosacNaify).

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