Histórico e arcabouço jurídico
Idealizado em 1969 pelo arquiteto Lúcio Costa dentro dos moldes modernistas de planejamento urbanístico, o Plano Piloto para a Urbanização da Baixada Compreendida entre a Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e Jacarepaguá (Plano Piloto) concebeu as estruturas e formas de ocupação de mais de 120 km2 na zona sudeste da cidade do Rio de Janeiro.
As peculiaridades paisagísticas (2) que “importam preservar”, foram, nas palavras do autor (3), norteadoras da intencionalidade (4) conservacionista que deveria reger a ocupação da Baixada de Jacarepaguá.
Isto porque, além dos inigualáveis Maciços da Tijuca e da Pedra Branca e da proteção rochosa ao norte, que lhe circundam e onde nascem os rios que na Baixada formam as lagoas da Tijuca, Camorim, Jacarepaguá, Marapendi e Lagoinha, que deságuam no mar, a Baixada de Jacarepaguá encerra uma biodiversidade generosa, alta variação pluviométrica, extensas áreas úmidas, dentre outros fatores bióticos e físicos raros e relevantes. (5)
Por estas razões o Decreto n. 322, de 3 de março de 1976 (6), em parte ainda em vigor, teve por bem classificar a área como Zona Especial 5 – ZE-5, à semelhança de outras áreas da cidade que possuem características naturais e/ou culturais relevantes, tais como a então chamada “Reserva Florestal” do Parque Nacional da Tijuca, a Ilha de Paquetá, e os bairros de Santa Tereza, Guaratiba e Grumari, dentre outras. Para estas áreas constava da intencionalidade das regras de ocupação o respeito tanto às características naturais dos sítios, quanto às marcas culturais da história de seus habitantes ao longo do tempo.
Porém, já então no ano de 1976 – ressalte-se, apenas cinco anos após a elaboração do Plano Piloto – a intencionalidade contida na ação legislativa que cria a ZE-5, aparentemente com fins conservacionistas, revela processos divergentes, ao ser promovido o aumento a cota altimétrica limite para a edificação nas encostas dos Maciços de 60 para 100 metros. (7)
Em 1981, mesmo ano em que o arquiteto Lúcio Costa pediu a sua exoneração do cargo de consultor da SUDEBAR, foi publicado Decreto n. 3.046, de 27 de abril de 1981 (8), que altera a redação do artigo 194, do Decreto 322/76, e cria o arcabouço jurídico-sistemático para permitir a contínua flexibilização do projeto conservacionista anteriormente concebido pelo Plano Piloto, ao determinar que a utilização da ZE-5 será “disciplinada pelas Instruções Normativas que forem aprovadas por decreto específico.” Alguns empreendimentos, como os hotéis-residência na orla da Avenida Sernambetiba, foram resultado desta maleabilidade legislativa.
Por outro lado, no mesmo ano, e revelando forças e processos históricos paralelos, foi editada a Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (9), em cujos objetivos descritos no artigo 4º encontra-se a “compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”, preceito este elevado à categoria Constitucional pelos artigos 170, 182 e 225 da Constituição Federal de 1988.
A interpretação sistemática dos artigos 170, 182 e 225 da Constituição Federal de 1988 nos leva a compreender que o “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade”, somente é possível se garantido o “meio ambiente equilibrado”, sendo as ações legislativa e executiva do Poder Público municipal submetidas às diretrizes do Plano Diretor.
Diante de tais assertivas emanadas pelo Congresso Nacional, e do adensamento populacional promovido na década de 80 na ZE-5, a Comissão Especial para a Elaboração do Plano Diretor (10) houve por bem determinar no Anexo III do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro (11) a manutenção dos Índices de Aproveitamento do Terreno – IAT na subzona na ZE 5 para as Unidades Espaciais de Planejamento 40, 45, 46 e 47, isto é, os índices previstos pelo Decreto n. 3.046/81, devendo os mesmos serem revistos – leia-se, reduzidos - para “compatibilizar o uso e a ocupação do solo com suas características geológicas”, nos termos do Parágrafo único do artigo 77, do Plano Diretor ainda vigente.
A Lei Complementar n. 104/09 – PEU VARGENS e o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro
Em 30 de maio de 2006 foi promulgada a Lei Complementar n. 79, (LC 79/2006) cujo PLC n. 72/2004, que fora aprovado pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro (CMRJ), havia sido integralmente vetado pelo então Prefeito César Maia, veto este que foi derrubado no Plenário da CMRJ.
A LC 79/2004 que diz respeito ao “Projeto de Estruturação Urbana – PEU dos bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e parte do bairro do Recreio dos Bandeirantes, Barra da Tijuca e Jacarepaguá, nas XXIV e XVI Regiões Administrativas, integrantes das Unidades Espaciais de Planejamento números 46, 47, 40 e 45 e dá outras providências”, mais conhecido como PEU das Vargens, não chegou a ser aplicada, segundo informações do Ofício GP 261, que acompanha o veto parcial do atual Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro Exmo. Sr. Eduardo Paes ao PLC n. 33/09.
Esta é a justificativa apresentada pelo Poder Executivo Municipal para que o PLC n. 33/09 tenha sido apresentado, votado, vetado, publicado e promulgado como Lei Complementar n. 104, de 27 de novembro de 2009 (12) em apenas doze dias corridos.
Três dias após a publicação da LC 104/09 o Poder Executivo Municipal encaminhou à Câmara Municipal o PLC 37/09 que propõe alterações no Anexo V, da LC 104/09, por conter “parâmetros urbanísticos incompatíveis e incoerentes”.
O que se observa da leitura comparativa do Decreto n. 3.046/81, com a Lei Complementar n. 79/06, com a Lei Complementar n. 104/09, é o estabelecimento progressivo de índices urbanísticos mais condescendentes para com a ocupação da área do PEU das Vargens, tendo o PLC 37/09, em alguns pontos, aproximado os índices da LC 104/09 aos da LC 79/06, conforme quadros exemplificativos abaixo, que dividem por cores, verde e azul, as alterações propostas pelos dois envios de alteração via PLC 37/09. (13)
Os quadros comparativos apresentados acima elucidam que a LC 104/09 não é mera cópia da LC 79/06, pois, além de outros aspectos espaciais distintos e de igual relevância distribuídos no corpo de texto da lei, os Índices Urbanísticos do Anexo V não são os mesmos. Além disso, a área que a LC 104/09 estabeleceu como Setor L não se encontrava inserida no PEU das Vargens da LC 79/06. Ressalta-se, por oportuno, que o artigo 22, da LC 79/09, permitia a “ocupação restrita” dos Setores G, H, e E, enquanto para os Setores A, B, C, D, F, I e J era permitido o adensamento controlado. Já os artigos 26, 58, 97 e 99 da LC 104/09 determinam que toda a área do PEU das Vargens seja considerada “Área de Interesse Urbanístico”, podendo ser aplicada a outorga onerosa em todos os Setores.
Adicione-se a isto o fato de que os artigos 76 e 77 do Plano Diretor determinaram que os Projetos de Estruturação Urbana devem respeitar os IAT máximos fixados no Anexo III do mesmo plano, isto é, para a área do PEU das Vargens os IAT determinados pelo Decreto n. 3.046/81, podendo os mesmos serem alterados nas Áreas de Especial Interesse Urbanístico, desde que seja “justificado o interesse coletivo nos termos do Relatório de Impacto de Vizinhança, estabelecido pela Lei Orgânica;” o que não ocorreu.
Sendo assim, o alijamento da participação da comunidade local na criação de Áreas de Especial Interesse Urbanístico e demais dispositivos constantes do PEU das Vargens ferem o inciso II, do artigo 10, do Estatuto da Cidade (14), combinado com os artigos 73 e 105, do Plano Diretor Municipal.
Em paralelo, o condicionante de avaliação prévia das condições físicas adversas à ocupação urbana em baixadas, nos termos do artigo 50, do Plano Diretor, especialmente o parágrafo 4º, que estabelece que “as áreas frágeis de baixadas poderão comportar usos agrícolas, de lazer e residenciais de baixa densidade, condicionados estes à realização de obras de macrodrenagem e à redefinição de cotas de soleira das edificações” não foi atendido, pois sequer tais estudos encontram-se disponíveis para a população, como se verá a seguir.
Prováveis Impactos Ambientais do PEU VARGENS
Resta claro da leitura do artigo 6º, da LC 104/09, que a existência de fragilidades naturais na área em que está compreendido o PEU das Vargens é conhecida pelas Comissões que apresentaram o PLC 33/09 à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que, neste aspecto, apenas repetiu o texto do artigo 6º, da LC 79/06.
Resta também claro da leitura dos artigos 7º a 9º da mesma Lei, que a autorização legal para que se dê a ocupação da área do PEU DAS VARGENS está condicionada à implementação do plano de macrodrenagem e de recuperação e preservações de canais, ao controle do tratamento de efluentes líquidos e resíduos sólidos e ao estabelecimento de ações complementares necessárias ao tratamento de áreas de instabilidade geológica e de ocorrência de turfa, que levam ao escorregamento de encostas e adensamento do solo, respectivamente. Tais disposições também já se encontravam inseridas no texto da Lei Complementar n. 79/2006.
Porém, existem inúmeros estudos que identificam que o benefício decorrente das intervenções infraestruturais previstas na LC 104/09 pode não ser capaz de suprimir os custos ambientais dessas próprias intervenções estruturais e do posterior aumento da densidade de ocupação da área.
Encostas e Fragmentos Florestais
Coelho Netto (15), ao analisar os Ecossistemas de Encostas da Cidade do Rio de Janeiro, concluiu em seu parecer ao Instituto Pereira Passos para o Seminário Rio Próximos 100 Anos, realizado em outubro de 2007, que:
As conclusões da autora, cujo texto acima foi transcrito têm respaldo, dentre outras fontes citadas em seu estudo, no mapa da “Cartografia de Riscos Quantitativos a Escorregamentos em Setores de Assentamento Precário na Cidade do Rio de Janeiro”, constante do Plano Municipal de Redução de Risco, elaborado pela GEORIO (16), cujo mapa é transportado para este estudo.
Note-se que são consideradas áreas de risco de escorregamentos diversos pontos que circundam o Maciço da Pedra Branca e que, conseqüentemente, também circundam a área do PEU das Vargens, cujo Setor H faz divisa com a cota 100 que delimita o Parque Estadual da Pedra Branca. Tal vulnerabilidade das encostas é explicada pela fusão de diversos elementos relacionados a declividade, pedologia, intensidade e direção das chuvas, e também por efeitos de natureza antrópica que reduzem a vegetação de cobertura do solo.
A redução dos fragmentos florestais pela ação humana é causada tanto pela ocupação direta das encostas, quanto pela ação indireta que os mesmos fragmentos sofrem dos demais ecossistemas circundantes, no caso, o urbano.
Este ecossistema, quando em contato com o fragmento florestal, altera a sua temperatura, permite a maior entrada de ventos, de poluição sonora e química e eleva a evaporação, sendo fatores que levam à perda da umidade do ar e do solo, dentre outras influências que comprometem o microclima das bordas dos fragmentos florestais, alterando-lhes as características florísticas e reduzindo-lhes a parte nuclear. (17)
É por esta razão que os novos Índices Urbanísticos atribuídos pelo Anexo V da Lei Complementar n. 104/09 aos Setores H, G e E, que se constituem na “Zona de Amortecimento” do Parque Estadual da Pedra Branca e cobrem parte dos bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena e Camorim – mesmo se consideradas as “benesses” que podem vir a ser concedidas pelo Projeto de Lei Complementar n. 37/09 encaminhado à Câmara Municipal pelo Poder Executivo – são alarmantes, ainda que comparados aos previstos na Lei Complementar n. 79/06, que tratava os Setores H, G e E em seus artigos 22 e 48 como “Zonas de Ocupação Restrita”.
As novas disposições contidas no parágrafo único do artigo 5º e Anexo V, da Lei Complementar 104/09, são, ainda, contrárias ao artigo 69 do Plano Diretor Municipal (Lei Complementar n. 16/92), que estabelece as diretrizes de uso e ocupação do solo e determina o “desestímulo ao parcelamento das áreas ocupadas por sítios e granjas nos bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena e Camorim”. Note-se, por exemplo, que em áreas do Setor G que o Decreto n. 3.046/81 previa o lote mínimo de 50.000m2, a Lei Complementar n. 79/06 reduziu-os para 1.000m2. Com a contrapartida da Lei Complementar n. 104/09 o lote mínimo pode vir a ser reduzido a 180 m².
Pluviosidade, Inundações e Drenagem
Recentes estudos (18) de monitoramento em cinco estações pluviométricas que formam um arco sul-leste no entorno do referido maciço no período de 1997 a 2008 indicam que há uma tendência ao aumento de chuvas de alta densidade, especialmente na primavera e outono: “nas estações ao redor do maciço da Pedra Branca, a maior amplitude de fevereiro foi 279 mm na Grota Funda, com máxima de 296,2 mm em 1998 e mínima de 16,8 mm em 2003. A Grota Funda também teve a maior amplitude de todos os meses da série 1997-2008 entre todas estações: 515,8 mm de amplitude, com 545,6 mm em 2003 e 29,8 mm em 2001”. É possível que a elevação da amplitude da pluviosidade no local já tenha relação com a concentração urbana ocorrida na área nos últimos anos.
Torna-se importante salientar que o efeito das chuvas não se resume à elevação da instabilidade das encostas, mas, igualmente, ao seu impacto sobre as áreas urbanizadas, especialmente as localizadas em bacias e em cotas altimétricas baixas, como é o caso da Bacia de Jacarepaguá. Nestes casos, o grau de impermeabilização do solo pode determinar uma vazão de pico de cheia de até 6 (seis) vezes mais do que o pico do mesmo local em condições naturais. (19)
Os impactos da urbanização sobre as inundações foram resumidos por AZEVEDO (20) no seguinte quadro de causa e efeito.
Note-se que a implementação de rede de drenagem artificial (item 3 da Tabela acima), é, per si, um dos elementos que contribuem para a inundação quando do pico das cheias.
Acredita-se que algum impacto da urbanização da área do PEU das Vargens tenha sido considerado quando da elaboração do Plano de Macrodrenagem de Jacarepaguá no final dos anos 90, até o presente momento não implementado em sua totalidade (21), uma vez que o artigo 19 da LC 104/09 expressamente dispõe que o “o processo de adensamento e da ocupação urbana da região deverá ser acompanhado pelas intervenções previstas no Programa de Reabilitação Ambiental da Baixada de Jacarepaguá, desenvolvido pelo órgão responsável pela drenagem no Município”.
Àquela época encontravam-se vigentes as disposições do Decreto n. 3.046/81 que já permitiam a ocupação da área. Porém, o Decreto n. 3.046/81 – e também a Lei Complementar n. 79/06 - previa Índices Urbanísticos mais generosos para com as “fragilidades naturais” - estas ainda reconhecidas pelo artigo 6º, da LC 104/09 - o que determinou, ao longo desses 28 anos, densidades populacionais bruta e líquida em todos os Setores do PEU das Vargens substancialmente inferiores às que decorrerão da ocupação humana permitida pelos índices urbanísticos constantes do Anexo V, da Lei Complementar n. 104/09.
Conforme se observa das informações constantes do site da Secretaria Municipal do Meio Ambiente - Prefeitura do Rio de Janeiro, o Estudo de Impacto Ambiental do Plano de Macrodrenagem da Bacia de Jacarepaguá é datado de 1998. Embora não se tenha conseguido o acesso aos termos do Plano de Macrodrenagem da Bacia de Jacarepaguá, vez que está indisponível no website da Prefeitura, parece-nos, inicialmente, que tal plano, por força da data de sua elaboração, não contempla os novos índices urbanísticos previstos pela Lei Complementar n. 104/09, nem mesmo as ameaças de aumento do nível do mar e intensidade de chuvas extremas, previstas como conseqüência das alterações climáticas que são esperadas para as próximas décadas.
Além disso, os recursos federais na ordem de R$ 340 milhões que foram garantidos em junho de 2009 pela Prefeitura do Rio de Janeiro para a implementação do PAC Saneamento do Programa de Macrodrenagem da Bacia de Jacarepaguá, conforme largamente anunciado na imprensa, ainda não contemplarão a área do PEU das Vargens, conforme informações prestadas no 81º Encontro Nacional da Indústria da Construção, realizado em setembro de 2009. (22)
Os referidos recursos federais cobrirão as intervenções previstas para os próximos 24 meses no chamado Lote 1 (Figura 2) (23) da Bacia de Jacarepaguá que consiste na canalização e dragagem de 13 rios das bacias hidrográficas dos rios Grande, Anil, Pedras e Cachoeira demonstradas pela cor laranja coberta pela área em laranja, conforme quadro extraído do Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro para 2009 – 2012 (figura 3). (24)
É interessante notar que a LC 104/09 reconhece nas Taxas de Permeabilidade previstas no seu Anexo V, a capacidade de permitir a adequada drenagem e estabilidade geológica, conforme disposto no artigo 20: “Será estabelecida a Taxa de Permeabilidade, a ser aplicada em áreas particulares ou públicas da região do PEU Vargens, como parâmetro de uso e ocupação do solo para a garantia das boas condições da drenagem e da estabilidade geológica da região”.
Porém, a mesma LC 104/09, no parágrafo único do artigo 21, repetido no parágrafo único do artigo 33, permitem que “a exigência relativa à Taxa de Permeabilidade nos lotes e nas áreas públicas e de doação dos loteamentos e grupamentos, conforme o disposto no art. 20 desta Lei Complementar, poderá ser atendida total ou parcialmente por solução técnica alternativa desde que indicada e aceita pelo órgão municipal responsável pela drenagem”.
Esta atribuição de poder discricionário ao Poder Executivo é ainda estabelecida em diversos outros artigos da LC 104/09, dos quais destacamos o disposto no parágrafo 2º do artigo 32, verbis, que permite a substituição da doação de área pública para equipamentos comunitários por pagamento em dinheiro: “§ 2º. Nos casos em que a área a ser doada para o Município, correspondente a lote para a construção de equipamento público, resulte em lote com área inferior à mínima estabelecida para a zona, ou que o tamanho do lote não seja de interesse da Prefeitura para a instalação de equipamentos urbanos comunitários, a doação prevista neste artigo deverá ser substituída por contribuição em dinheiro, de valor equivalente à doação, calculado para fins de avaliação pela Superintendência de Patrimônio da Secretaria Municipal de Fazenda, e destinada ao fundo descrito no art. 98 desta Lei”.
As previsões legais contidas nos parágrafos único dos artigos 21 e 33 e no parágrafo segundo do artigo 32, dentre outros da LC 104/09, tornam letra morta todas as supostas preocupações da LC 104/09 para com as “fragilidades naturais” descritas no artigo 6º, da mesma Lei.
Esquece-se ainda o legislador complementar de que a redução das já reduzidas Taxas de Permeabilidade da LC 104/09, substituindo-as por “solução técnica alternativa” ou “contribuição em dinheiro”, provavelmente não permitirá a redução das Taxas de Ocupação e Índice de Aproveitamento do Terreno e, conseqüentemente, a densidade populacional.
Nestes termos, consideramos relevante acrescentar a este estudo alguns termos do Parecer elaborado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro quanto às disposições do projeto do novo Plano Diretor que se encontra na Câmara Municipal, os quais transcrevemos abaixo, e que também cabem perfeitamente ‘a análise do PEU das Vargens:
Entretanto, em momento algum no projeto de Lei há correspondência entre os Índices de Aproveitamento de Terreno (IAT) propostos, o tipo de uso e a densidade populacional. Não foram disponibilizados na Internet os estudos que subsidiaram a fixação dos IAT com base em metas de densidade demográfica.
No Art. 8º definem os autores do projeto de Lei que a infraestrutura é:
“composta pelo conjunto das redes viária, de transportes, de saneamento básico e de equipamentos e serviços públicos – elementos que integram e viabilizam as diversas funções urbanas e determinam o equilíbrio econômico e social intra-urbano”.
No entanto, não há referência alguma, nem nos autos do inquérito civil, nem no texto do projeto de Lei, aos limites de capacidade física e ambiental dessa infra-estrutura.O Art. 10 dispõe que o uso e a ocupação do solo das áreas já ocupadas ou comprometidas serão regulados pela limitação das densidades, da intensidade de construção e das atividades econômicas, em função da capacidade da infra-estrutura, da proteção ao meio ambiente e da memória urbana, porém, mais uma vez afirma-se: não há nos autos nem no projeto de Lei referência a qualquer parâmetro ou indicador que pudesse justificar os IAT propostos.” (25)
Comentário final
Diante de o fato de que os estudos de densidade populacional, impactos viários, impactos sociais e ambientais, dentre outros, não se encontram disponíveis para a análise da população, aliado ao fato de que diversos dispositivos legais da LC 104/09 atribuem ao Poder Executivo a possibilidade de alteração discricionária das Taxas de Permeabilidade e de Doação de Áreas para Uso Público já estabelecidas em dissonância com as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor Decenal, torna-se, na área do PEU das Varges, impossível o exercício da gestão participativa do meio ambiente o que, de pleno, macula a validade da Lei Complementar n. 104/09.
notas
1
Este trabalho é adaptado de um parecer inserido em estudo mais amplo do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio. O documento, sobre o PEU das Vargens, e com contribuições de variados profissionais ligados àquela universidade, foi elaborado a pedido do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ).
2
Note-se que o discurso de Lucio Costa é datado de 1969, e, portanto, anterior à Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Declaração de Estocolmo), assinada na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, reunida em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, que vem a reconhecer tanto a necessidade de preservação do “meio ambiente natural”, quanto do “meio ambiente cultural”.
3
COSTA, Lucio. Plano Piloto para urbanização da baixada compreendida entre a Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e Jacarepaguá.Rio de Janeiro, Agência Jornalística Image, 1969, p. 8.
4
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 4ª ed. São Paulo, Edusp, 2008, p. 89.
5
RIO DE JANEIRO, 1998. Prefeitura do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Estudo de Impacto Ambiental para a Recuperação Ambiental da Macrobacia de Jacarepaguá. Setembro, 1998, p. 9, 54 e 55. Disponível em <www.rio.rj.gov.br/smac/up_arq/sub/Volume%202%20-%20Meio%20Fisico%20(Parte%201).pdf>. Acesso em 23 de dezembro de 2009.
6
RIO DE JANEIRO, 1976. Decreto n. 322 de 3 de março de 1976. Aprova o Regulamento de Zoneamento do Município do Rio de Janeiro. Disponível em <www2.rio.rj.gov.br/smu/buscafacil/RelacaoDocumentos.asp?Tipo=Indice&cdAssociacao=63>. Acesso em 23 de dezembro de 2009.
7
Ver: REZENDE, V. et al. “Plano Piloto para a Barra da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá, a Avaliação dos Ideais Modernistas Após Três Décadas”. In: 5º Seminário DOCOMOMO Brasil. Arquitetura e Urbanismo Modernos: Projeto e Preservação. São Carlos de 27 a 30 de outubro de 2003. Disponível em <www.docomomo.org.br/seminario%205%20pdfs/148R.pdf>. Acesso em 23 de dezembro de 2009, p. 8-9
8
RIO DE JANEIRO, 1981. Decreto n. 3.046, de 27 de abril de 1981. Consolida as Instruções Normativas e os demais atos complementares baixados para disciplinar a ocupação do solo na área da Zona Especial 5 (ZE-5), definida e delimitada pelo Decreto n. 322, de 03 de março de 1976. Disponível na internet via <www2.rio.rj.gov.br/smu/buscafacil/Arquivos/PDF/D3046M.PDF>.
9
BRASIL, 1981. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938compilada.htm>. Acesso em 23 de dezembro de 2009.
10
Histórico da elaboração do Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro. Disponível na Internet via <http://spl.camara.rj.gov.br/planodiretor/pd2009/historico_planodiretor.pdf>. Acesso em 23 de dezembro de 2009.
11
RIO DE JANEIRO, 1992. Lei Complementar n. 16, de 04 de junho de 1992. Dispõe sobre a Política Urbana do Município, institui o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, e dá outras providências. Disponível em <www.camara.rj.gov.br/legislacao/lei16_92.pdf>. Acesso em 23 de dezembro de 2009.
12
Lei Complementar n. 104, de 27 de novembro de 2009. “Institui o Projeto de Estruturação Urbana – PEU dos bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e parte dos bairros do Recreio dos Bandeirantes, Barra da Tijuca e Jacarepaguá, nas XXIV e XVI Regiões Administrativas, integrantes das Unidades Espaciais de Planejamento números 46, 47, 40 e 45 e dá outras providências.” Disponível em <http://cmrj1.cmrj.gov.br/Apl/Legislativos/leis.nsf 27>. Acesso em 15 de dezembro de 2009.
13
Quadros elaborados com a ajuda de equipe do Núcleo de Estudos Jurídicos do Núcleo Interdisciplinar do Meio Ambiente – NIMA-Jur – da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro para a apresentação em 04 de dezembro de 2009 ao Ministério Público Estadual.
14
BRASIL, 2001. Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em 23 de dezembro de 2009.
15
COELHO NETTO, A. L. “Ecossistemas de Encostas1” In: Protocolo do Rio. Estudos e Pesquisas – Seminário Rio Próximos 100 anos. p. 16/17.Disponível em <www.rio.rj.gov.br/ipp/>. Acesso em novembro de 2007.
16
Disponível em <www.rio.rj.gov.br/obras>.
17
Ver: MURCIA, C. “Edge effects in fragmented forests: implications for conservation”. In: Tree. Volume 10, número 2, february, 1995, p. 58.
18
Ver, por exemplo: TOGASHI, H. Comportamento pluviométrico das vertentes sul e leste do maciço da Pedra Branca, zona oeste do município do Rio de Janeiro, RJ: 1997-2008. Monografia de Especialização – departamento de Geografia e Meio Ambiente – PontifíciaUniversidade Católica, Rio de Janeiro, 2009, p. 3.
19
Ver: LEOPOLD, L. B. “Hydrology for Urban Land Planning” In: Geological Survey, USA., circular 554, 1965.
20
AZEVEDO et al. “Parecer Temático – Drenagem Urbana” In: Protocolo do Rio. Estudos e Pesquisas – Seminário Rio Próximos 100 anos. Op cit., p. 2.
21
RIO DE JANEIRO, 2009. Programa de Reabilitação Ambiental da Baixada de Jacarepaguá. Disponível em <www.rio.rj.gov.br/obras/>. Acesso em 09 de dezembro de 2009
22
Disponível em <www.metodoeventosrio.com/enic>. Acesso em 13 de dezembro de 2009.23
Disponível em <www.cbic.org.br/arquivos/PAC-Enic> Acesso em 13 de dezembro de 2009.
24
Disponível em <www.rio.rj.gov.br/planoestrategico/>, p. 55. Acesso em 13 de dezembro de 2009.
25
Disponível em <http://spl.camara.rj.gov.br/planodiretor/pd2009/parecerMP2007.pdf> Acesso em 13 de dezembro de 2009, p. 55.
sobre o autor
Elisa Sesana Gomes possui graduação em Direito (1991) e pós-graduação (2007) em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC/RJ, onde também é mestranda em Geografia e Meio Ambiente. É pós-graduada (1992) em Direito Tributário pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Delegada da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/RJ e membro colaborador da Câmara Técnica da Bacia Drenante às Lagoas Costeiras do Rio de Janeiro e da Câmara Técnica da Bacia Drenante ‘a Baía de Guanabara, ambas do Conselho Municipal de Mio Ambiente - CONSEMAC.