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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O artigo trata de questões relacionadas à concepção do projeto de Seaside, seus desdobramentos e o processo de implantação desta pequena cidade, trinta anos após o início de sua construção

english
This article is focused on the Seaside project, its development and growing process of this small city, 30 years after the beggining of its construction

español
Este artículo habla sobre el proyecto de Seaside, su desarrollo y el processo de asentamiento de esta pequeña ciudad, 30 años después del comienzo de su construcción


how to quote

MACEDO, Adilson Costa. Seaside, cidade ícone do novo urbanismo. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 118.02, Vitruvius, mar. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.118/3373>.

Esta monografia trata de questões relacionadas à concepção do projeto de Seaside, seus desdobramentos e o processo de implantação desta pequena cidade, trinta anos após o início de sua construção. É um estudo de caso baseado em fontes secundárias (livros, revistas e Internet), em uma visita ao local e, na vivência pessoal do autor com outras pequenas cidades americanas. O estudo esta organizado em uma seqüência com base nas informações gerais do local, depois a caracterização dos responsáveis pelo projeto, a descrição do processo de projeto e seus elementos e, finalmente a conclusão (1). Para a descrição do projeto foi adotado o roteiro utilizado por William Lennertz, quando explica os “fundamentos para se fazer cidade”, no capítulo por ele escrito no livro Towns and Town-Making Principles (Duany e Plater-Zyberk, 2006). A descrição se inicia pela identificação dos princípios de projeto, depois o plano geral, incluindo o sistema viário, o sistema de circulação de pedestres, o plano regulador (zonas integradoras de atividades), a distribuição dos edifícios públicos e praças, os códigos (diretrizes, elementos de suporte para a “implementação” do projeto urbano), a “charrete” (reuniões iniciais daqueles interessados no projeto para permitir aos arquitetos ter uma base consensual para suas propostas) e, a “implementation” (como colocar o plano em prática). Desta maneira a descrição do projeto de Seaside segue o mesmo roteiro utilizado pelos arquitetos americanos para desenvolver o projeto de uma pequena cidade ou de um setor urbano. (2)

Seaside localiza-se em Santa Rosa Beach, no Município de Walton, a noroeste Estado da Flórida, no Golfo do México, Estados Unidos da América. O município é parte de uma extensa faixa de terra que se destaca do continente como uma alça formando a Choctawhatchee Bay. Seaside é uma pequena cidade da região com acesso pela rodovia litorânea 30A entre Fort Walton Beach e Panamá City. Ocupa área de apenas 32,4 hectares – dimensão de uma localidade de veraneio ou resort - com população entorno de 2.000 habitantes. Sua construção teve início em 1978 e foi inaugurada em 1982. Portanto, o projeto de Seaside foi idealizado, pouco antes de 1978. Tem cerca de 1.000,00 m de frente para o mar, em Santa Rosa Beach e faz divisa com a cidade de Watercolor ao norte e a leste, ao sul com a localidade de Seagrove Beach. A vizinha Watercolor teve sua construção iniciada em 1997 e se completou em 2008. Esta nova cidade se aproveitou do interesse pelo local e da valorização imobiliária que Seaside trouxe para a orla litorânea do Município de Walton. Sua superfície é de 201,9 hectares e tem a previsão para 15.000 habitantes. A foto aérea mostra os limites de Seaside e sua relação de proximidade com Watercolor. (3) (Fig. 1)

Na costa noroeste do Golfo do México existiam poucas e pequenas cidades quando há trinta anos o empreendedor e construtor de Miami, Robert Davis decidiu fazer o que chamou inicialmente de uma comunidade onde as casas teriam a forma de cottages– construções de madeira usadas como casa de campo - com projeto inspirado nos tipos encontrados na Florida. Davis reconhecido empresário do ramo imobiliário teve formação acadêmica na área de História, depois em Gerenciamento de Negócios em Harvard. No empreendimento Seaside, cuja gleba recebeu como herança de seu pai, a idéia de criar uma comunidade com o objetivo de reviver o estilo de vida e recuperar o tipo das construções tradicionais americanas era compartilhada por Daryl Davis esposa do empreendedor que teve participação ativa na pesquisa histórica. Neste momento a expectativa sobre o empreendimento era modesta, construção de cottages formando um resort para férias. Com esta idéia foram procurar o casal de arquitetos Andres Duany e Elizabeth Plater-Zyberk, conhecidos em Miami por trabalhar com projetos residenciais e utilizar estilos da arquitetura tradicional do país. Tratava-se de professores de projeto na Universidade de Miami e sócios do escritório DPZ Architects & Town Planners. Contratado o DPZ, os Davis junto com os arquitetos viajaram através do Estado para ampliar seus conhecimentos sobre os estilos das edificações tradicionais da Florida e observar as pequenas comunidades em situações onde houvesse certa centralidade de comércio, serviços e de instituições accessíveis pelos moradores caminhando a pé. Em sua “community - resort” Davis imaginava que os moradores deixariam os carros para caminhar, utilizar bicicletas ou pequenos veículos elétricos. Passeio através de ruas ladeadas por cercas baixas de madeira, as casas tendo a tradicional varanda fronteiriça no lugar da usual garagem e pátio para estacionar ou manobrar veículos, como passou a ser padrão das casas de subúrbio de 1950 para cá nos EUA. Poder ir ao centro da cidadezinha a pé. Em determinado momento o sonho dos Davis passou a tomar forma de conceitos de projeto devido à participação dos arquitetos. Esta pequena estória, parte da história de Seaside é fundamental contar. Ela aponta para a questão de que o bom entrelaçamento de pontos de vista do cliente e do profissional é muito importante para o sucesso do projeto, quando seguido por procedimentos corretos para sua implantação. Condição que se aplica a qualquer campo profissional, em particular na arquitetura. Na Cidade de Seaside isto deu certo: um cliente interessado, culto, com recursos financeiros e, um bom escritório de arquitetura. (4)

A evolução do projeto incorporou outros tipos construtivos. As residências isoladas se diversificaram desde o tipo cottage, pensado no início, até a casa grande e luxuosa se abrindo para a areia da praia. Nas quadras residenciais, nos fundos dos lotes opostos foi aberta uma passagem estreita para a circulação de pedestres. Foram introduzidos tipos de uso misto, comércio e serviços no térreo com residências ou escritórios em cima. Foi estabelecida uma gradação dos tipos de edificações desde as casas uni - familiares em terrenos grandes e afastados até o adensamento maior em torno de espaços de maior centralidade, como a Central Square, o Lyceum e o Ruskin Place,. Observar o plano de parcelamento da área (Fig. 2). O plano geral (master plan) segue o tipo das cidades americanas. Ele se caracteriza por um centro geometricamente marcado que irradia a rede viária, interconectada e ajustada às condições do sítio físico. Os prédios institucionais foram distribuídos em pontos diversos da cidade criando referenciais urbanos e pequenos pontos de atração. A foto aérea da Figura 3 e os desenhos das Figuras 4, 5, 6 e 7 auxiliam o entendimento do plano geral. A Figura 8 mostra um trecho de edificações em fileira que delimitam o espaço urbano do Ruskin Place. A Figura 9 é exemplo de um pequeno espaço, parte do critério de se criar polaridades secundárias utilizando os edifícios institucionais. O plano permite observar como um dos objetivos do projeto foi facilitar o acesso das pessoas até a praia e foram projetadas quadras de pouco comprimento no trecho em contato direto com o mar. Entre grupos de quatro a seis lotes aparecem passagens públicas onde o passante encontra um pequeno pavilhão que funciona como um portal de acesso a praia. A formação seqüencial destes sete pequenos pavilhões e o visual do Centro confere identidade a Seaside não só para quem a percorre, como para quem tem a vista desde as águas do Golfo em direção a costa (Katz, 1994). O Centro foi localizado para se mostrar para quem passa pela Rodovia 30ª e sugerir um ponto de parada. Entra-se na cidade por ai, como sempre acontece em nós que unem a via litorânea com as localidades praianas. Nas figuras citadas pode-se observar a pequena edificação residencial, as maiores, o Centro, os pavilhões e as ruas de acesso ao mar (Duany e Plater-Zyberk, 1991). Nas Figuras 10,11 e 12 aparecem exemplos do menor tipo de edificação residencial, a cottage, de edificação para abrigar uma pousada e, do maior tipo de residência isolada com o projeto assinado por Robert A. M. Stern. Exemplificar com o arquiteto Stern serve para acentuar o fato que a cidade se tornou um lugar sofisticado e caro. Exemplo do tipo de vizinhança residencial mais comum na cidade e seu aspecto arquitetônico se encontram nas Figuras 13 e 14. Exemplo das edificações que ladeiam o Centro formando uma “loggia” aparece na Figura 13. Exemplo de passagem de pedestres separando lotes residenciais é dado pela Figura 15. Exemplo de via de circulação de pedestres em direção à praia e de portal de transição se encontra na Figura 16.

O entusiasmo de Davis com a originalidade que a sistematização dos componentes das cidades tradicionais americanas poderia trazer para Seaside e para outras comunidades semelhantes levou a fundação do The Seaside Institute (1982). O Instituto passou a organizar seminários focalizando a orientação de projetos e discutindo a teoria e prática do Novo Urbanismo e do Smart Growth (Dutton, 2000). Denota-se o zelo com o projeto da cidade e a preocupação com o controle de sua forma. Objetivo possível dada sua pequena dimensão e devido às premissas sobre a morfologia urbana adotada desde o princípio. Com vistas a sistematizar os tipos urbanísticos e das edificações foi convidado para ser consultor do projeto o arquiteto Leon Krier, natural de Luxemburgo e conhecido por seu projeto para a cidade de Poundbury, Inglaterra, onde a recuperação dos valores do urbanismo e da arquitetura tradicional formou a base do projeto. Em conjunto com Krier foi contratado o escritório Opticos Design Inc. de Berkeley, Califórnia, para a organização do código de urbanismo e da construção de Seaside, o Smart Code. O trabalho de Krier e da Opticos teve o objetivo de sistematizar o conjunto de tipos urbanísticos estabelecido por Duany e Platter-Zyberk quanto ao controle formal das edificações. A Opticos abriu uma filial em Seaside, que até hoje funciona, para acompanhar o desenvolvimento da cidade e para a elaboração de outros trabalhos no sul dos EUA. Em conjunto com a Opticos, Krier desenvolveu o plano para a praça central. Observe-se na Figura 17, o trecho do projeto da praça que foi construído envolvendo o anfiteatro de um lado e do outro os lotes de frente para a Rodovia 30A. Do lado da praça junto ao anfiteatro, tanto o hotel projetado por Steven Holl quanto o edifício comercial projetado por Machado e Silvetti ocupam terrenos na seqüência da “loggia” que configura a praça. Estes projetos, de arquitetos de renome internacional, seguem a diretriz indicada pelo plano geral, ficando geminados com seus vizinhos. Nas extremidades da “loggia”, com posição de maior destaque ficarão os edifícios que fazem parte do projeto Krier – Ópticos (5) (Fig. 18 e 19). A Figura 20 mostra a proposta de Leon Krier para a configuração final da praça. A figura 21 mostra a lateral do hotel que receberá a edificação voltada para a rodovia 30A segundo o esquema de Krier.

O livro de Peter Katz “The new urbanism, towards an architecture of community”, escrito após dez anos da inauguração de Seaside fornece uma base referencial rica sobre o projeto e os primeiros anos da fundação da cidade. Katz, devido sua formação em arquitetura, seu trabalho como gestor de diversos empreendimentos imobiliários, de palestrante em diversas universidades e instituições norte americanas e participação ativa no Congresso do Novo Urbanismo, apresenta Seaside através de texto e fotos que contextualizam bem o projeto. No livro, o capítulo final escrito por Vincent Scully com o título “A arquitetura da comunidade” aponta para a importância do trabalho dos arquitetos em relação às inúmeras localidades de subúrbio nos EUA. Realça os aspectos relativos ao combate a urbanização dispersa, contidos nas intenções do movimento do Novo Urbanismo. A importância do desenvolvimento regional articulado com o sistema de transportes coletivo. Comenta sobre os planos que procuram recuperar valores das cidades tradicionais na relação de proximidade moradia-trabalho e, a ação sobre os empreendedores para produzirem espaços adequados à ecologia e ao ambiente como um todo. Scully discute a questão da retomada dos estilos tradicionais da arquitetura americana como fenômeno regional. Isto porque muitos dos arquitetos do grupo de novos urbanistas vêem promovendo a revisão destes estilos e organizando códigos da forma urbana nos moldes dos tratados clássicos. Podem ser assim referenciados os arquitetos da empresa Urban Design Associates, UDA, que já publicaram dois livros cujo conteúdo é o estudo e a classificação de padrões de arquitetura e de tecidos urbanos (6). A retomada dos estilos tradicionais na arquitetura americana, em particular no caso do Novo Urbanismo, dá margem a uma forte crítica de todo o movimento. De uma parte é uma crítica conseqüente relacionada a padrões históricos e culturais. De outra parte a crítica é apressada, originada dos defensores do estilo internacional ou proveniente dos que tem olhos para os grandes projetos urbanos de natureza pontual. Estes não reconhecem no ideário da Carta do Novo Urbanismo, a presença de uma visão atualizada sobre o planejamento e o projeto da região, da cidade e de suas partes. Ir além nesta questão, fora do propósito deste texto, será esbarrar com o trato da segmentação do mercado de trabalho entre os destacados escritórios de arquitetura. A propósito, os novos urbanistas atendem mais clientes com glebas isoladas para urbanizar, do que fazem planos regionais. São duramente criticados por contribuir com a urbanização dispersa, contrariando os princípios da Carta! (Macedo, 2007).

Relembrando o roteiro utilizado nesta monografia, proposto como fundamentos para se fazer cidades e adotado para análise urbana de Seaside, cumpre notar que o entendimento de sua organização física é legível pelo estudo da planta da Figura 2. Plano cuja base é a diversificação de usos e a proximidade das pessoas com os pontos de centralidade da vida urbana. Finalidades que deram origem a estratégia para evitar a concentração de atividades institucionais em um só lugar ou, que reforçam a implantação de atividades de uso misto na Central Square, por exemplo. A partir do trabalho de Seaside e em projetos subseqüentes a DPZ desenvolveu um diagrama relacionando o uso e a ocupação do solo urbano com padrões de apropriação do espaço, ou seja, o parcelamento de áreas e os tipos de edificações. Os códigos desenvolvidos para a Cidade de Seaside (comentados anteriormente) foram organizados em função deste diagrama por faixas do território: o “transect diagram” criado pelos arquitetos da DPZ (Duany, 2006).

Em Seaside, para fazer emergir as idéias preliminares do projeto foi utilizado um processo que é usual como apoio a tomada de decisões em grupo nos EUA chamado “charrete”. Segundo Lennertz, este processo aplicado para se desenvolver o projeto preliminar de uma cidade em uma semana começou em Seaside. O objetivo era o de se criar uma cidade completa nos 32,5 ha de terra na propriedade de Robert Davis e não um empreendimento de uso misto do tipo usual na Florida. Perseguindo este objetivo de fazer cidade, a charrete proporcionaria a oportunidade de todos estarem juntos durante uma semana: técnicos, representantes da municipalidade de Walton e cidadãos interessados. Desta forma, o processo de discussão reunindo até vinte indivíduos proporcionaria a educação de participantes com menor experiência, seria aberto para incorporar suas contribuições, verificar decisões e diminuir o risco de surgirem contratempos no decorrer dos procedimentos subseqüentes. A charrete é um acontecimento que se realiza junto ao sítio onde será implantado o projeto. Em Seaside participaram dois profissionais do DPZ de maior experiência auxiliados por outros de menor experiência, trabalhando com técnicos de Walton, arquitetos paisagistas, historiadores, engenheiros, ecologistas, economistas e especialistas em mercado imobiliário. “A charrete começa com um dia de visitas ao local da futura cidade e as cidades vizinhas que possam servir de exemplo e com a apresentação para os participantes dos princípios de planejamento e projeto. Nos dias seguintes, a equipe, incluindo o cliente, trabalha durante o dia e a noite, encontrando-se com freqüência com os representantes das entidades públicas e os grupos independentes de defesa dos interesses locais, fazendo desenhos exploratórios de tudo, do plano geral as edificações típicas, do código e de áreas abertas específicas” (Lennertz, in Duany 1991). É lógico que se tratando do projeto de uma nova comunidade não existiam grupos específicos do local como mencionado por Lennertz, se referindo a um caso genérico. Seguindo este processo os profissionais do escritório encarregado pelo plano da cidade trabalharam intensamente utilizando as informações e esquemas físicos obtidos na charrete. O desenho de autor se mescla com as idéias geradas pelos participantes da charrete. Finalizando o processo é feita uma apresentação pública dos resultados na última noite, com cerca de quarenta pranchas de desenho. No final, grande parte das diretrizes passa a ser consenso segundo Lennertz.

O amplo processo inicial de discussão de como poderia ser a cidade serviu para estimular o sentido de comunidade desde o princípio. O plano de Seaside seguiu os preceitos do que se chama comunidade planejada, articulando padrões do espaço físico com sua capacidade de gestão. Como em Walton County não existia nenhuma lei de zoneamento não houve dificuldades para se instituir o código de ordenação urbana como proposto pelo DPZ e consultores. Em outros lugares - o DPZ passou pela experiência de haver um plano anterior como na Cidade de Charleston, Virginia (projeto da área Charleston Place). Ali o confronto com o zoneamento existente separador das funções urbanas fez com que a área de projeto segundo os parâmetros do Novo Urbanismo fosse considerada pelas autoridades municipais como um distrito especial (special district). Distrito, entendido como um segmento urbano caracterizado por um elemento característico principal, no caso o próprio projeto diferenciado por sua forma de conceber o espaço urbano e as edificações. Nos EUA esta é uma forma de se contornar a rigidez do zoneamento tradicional e é conhecida como Traditional Neighborhood District Ordinance. Em Seaside isto foi parte do processo de “implementação” do projeto. Outra opção feita pela comunidade e o empreendedor Robert Davis através do The Seaside Institute foi que cidade se mantivesse como “não-incorporada” (unincorporated community ). Isto significa não ter um governo próprio e se manter como parte de uma divisão territorial maior, no caso, o Walton County. Nos EUA, dependendo da legislação estadual, existem vilarejos, cidades pequenas e mesmo outras de população maior, que preferem ficar no padrão de unincorporated, sendo administradas como parte de um território maior, evitando assim os encargos da constituição de um governo local. Existe apenas um conselho de representantes na defesa dos interesses da comunidade.

É interessante observar que o Centro de Seaside ainda não ficou completo, após vinte e seis anos da inauguração da cidade. Isto apesar de sua fácil acessibilidade pela Rodovia 30A. A causa mais provável desta situação é devido ao padrão alto exigido pela comunidade em relação às instalações físicas dos estabelecimentos da Central Square. O preço dos lotes se torna cada vez mais elevado em decorrência do clima de sofisticação que envolve o lugar. Os projetos são encaminhados para arquitetos de renome, podendo se observar obras vizinhas de autoria de Steven Holl, Machado & Silvetti, UDA e Leon Krier - Opticos.. Seaside foi reconhecida pela revista Time como “Best of Decade”, foi objeto de reportagens do U.S.News & World Report, Smithsonian, Travel & Leisure, People and The Atlantic (Katz,1994). Em 1996 se realizou em Seaside o Congresso do Novo Urbanismo.

O empreendimento que começou da idéia simples de ser um refúgio de lazer para a classe média (resort community) evolui para ter a estrutura de uma pequena cidade. Seaside foi projetada como uma cidadezinha. O controle de sua forma urbana serviu para acentuar certo caráter de cenário decorrente da retomada dos estilos temáticos. Seja pela razão da arquitetura ou do desenho dos espaços abertos, todo novo conjunto edificado possui aparência de cenário. Vai se modificando até sua ocupação mais intensa, quando as pessoas começam a deixar as marcas de sua presença. Coincidiu que o aspecto de cenário emanado de Seaside - da pequena parte da cidade então terminada - fosse considerado como a locação adequada para as filmagens da pelicula “O Show de Truman” do diretor Peter Weir. Como cenário do extraordinário filme, Seaside ganhou a grande mídia. Foi duramente criticada como parte das observações que o filme faz sobre a cultura e a sociedade americana. Foi criticada por muitos arquitetos e defendida por outros. Aplica-se ai o ditado “falem mal, mas falem de mim” somado as inegáveis qualidades de projeto que lançou Seaside como marco de referencia do Novo Urbanismo nos EUA. Vale lembrar outras cidades novas, como Brasília a nova capital do Brasil, que nos primeiros anos da fundação parecia um enorme cenário. Chandigarh é outro exemplo. Duas novas cidades capitais, cenários iniciais que divulgaram a manifestação maior do Urbanismo Moderno: o projeto da cidade por inteiro. Hoje são simplesmente cidades, denunciando o rastro das pessoas.

Seaside foi e tem sido construída com muito rigor nos detalhes. É pequena, controlada nos pormenores de sua implantação. Foi concebida segundo a estratégia utilizada por Davis de criar um lugar agradável em uma região que na época ainda era pouco procurada pelo turismo regional. Obter uma alta qualidade do espaço construído fez parte da estratégia de Davis como empreendedor. Com certeza um processo alimentado por Duany e Plater-Zyberk . Davis concretizou seu sonho de excelência construindo um lugar único no braço de terra em forma de alça (panhandle) ao noroeste da Flórida (Dutton, 2000). Pode-se concluir do velho aforismo “Deus esta presente nos detalhes” que Seaside por sua excelência e o charme da população burguesa, ocupa hoje posição de referencia como qualidade de cidade ou resort. Não só para os loteadores da costa do Golfo do México, como para os projetistas de urbanismo em diversos lugares do mundo.

notas

1
O estudo sobre Seaside ora apresentado serve como referencia para o entendimento do Novo Urbanismo. Movimento organizado por profissionais de diversas áreas através do CNU, Congresso para o Novo Urbanismo. Em artigos anteriores o autor tratou da difusão do Novo urbanismo nos EUA e na Europa. No texto presente, procura-se entender a aplicação dos conceitos associados ao plano e construção de Seaside e sua estratégia de implantação. Entendimento que poderá ser elemento de interesse para a revisão ou criação de processos de planejamento urbano em realidades outras que a Norte Americana.

2
O texto de William Lennertz tem o título “Town Making Fundamentals”. Lennertz é diretor do National Charrete Institute, NCI, cuja finalidade é ajudar pessoas a aprender trabalhar com comunidades para que estas desenvolvam sua capacidade de colaboração para criar planos saudáveis. Como arquiteto é sócio da firma Lennertz Coyle Associates sediada em Portland, Oregon, EUA. Seu sócio é Steve Coyle. A palavra “implementação” na língua portuguesa é um neologismo, usado com relativa freqüência em textos técnicos.

3
Os dados quantitativos utilizados são fornecidos pelo ULI, Urban Land Institute – Development Case Studies.

4
A aproximação de Davis com Duany é apresentada no texto “Seaside, Flórida” no portal Everything2, de 27/05/2002. No texto “Desenrolando o projeto” é comentado com detalhes o tipo de relação intrínseca que deve existir entre cliente e arquiteto (Macedo, 2002). Torna-se importante salientar que Seaside, com seus 32,4 ha e 2.000 habitantes, numa classificação morfológica segundo padrões norte – americanos, seria village, no máximo town. Existem definições para hamlet (povoado), village (vila), town (pequena cidade) e city (cidade média ou grande). A palavra resort se refere a um local de lazer, fora o tamanho do aglomerado urbano. A resort-community de Davis com o uso e ocupação do solo diversificado tem administração própria. Pode ser considerada como uma pequena cidade. Em português, estamos nos referindo a Seaside como pequena cidade ou cidade.

5
Quanto a formulação da forma de controle do espaço construído de Seaside se reuniu a DPZ, Leon Krier e a Opticos (arquitetos Daniel Parolek, Karen Parolek e Stefan Pellegrini) todos preocupados em retomar e rever critérios de projeto e controle formal dos estilos clássicos. Nesta época a DPZ produziu a primeira versão do Smart Code (1982), atualmente (2008) o código encontra-se na oitava versão. Posteriormente Leon Krier lançou o livro Architecture Choice or Faith: Travel Size Series (1998) e os arquitetos da Ópticos (firma conhecida nos EUA pela elaboração de códigos) lançaram o livro Form-Based Codes, A Guide for Planners,Urban Designers, Municipalities and Developers (2008).

6
UDA, Urban Design Associates é um escritório que tem se responsabilizado por diversos trabalhos na área de desenho urbano, seja para cidades de subúrbio quanto projetos de setores urbanos. Raymond (Ray) L. Gindroz é um dos sócios principais. Os livros estão indicados na bibliografia. A UDA é uma equipe de arquitetos que faz pesquisas com a arquitetura clássica nos EUA, da mesma forma que o DPZ Architects, Robert Stern e outros.

referências bibliográficas

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DUANY, A.& PLATER-ZYBERK, E.& ALMINANA, R. The New Civic Art, Elements of Town Planning. Nova York, Rizzoli, 2003.

DUANY, A. & PLATER- ZYBERK, E. Towns and Town Making Principles. Nova York, Rizzoli, 2006 (original 1991).

DUANY, Andrés; WRIGHT, William;SORTIEN, Sandy. Smart Code & Manual, V8. Nova York, New Urban Publications Inc., 2006.

DUTTON, J.A. New American urbanism, Re-Forming the Suburban Metropolis. Milão, Skira, 2000.

GINDROZ, Raymond L. The Urban Design Handbook: Techniques and Working Methods. Pittsburgh, W. W. Norton, 2003.

KRIER, Leon. Architecture: Choice or Faith. Londres, Andreas Papadakis Publishers, 1998.

LECCESE, M & McCORMICK, K. “Charter of the New Urbanism”. Congress for the New Urbanism. Nova York, McGraw-Hill, 2000.

LENNERTZ, William. ”The charrete handbook: the essential guide for accelerated, collaborative community planning“. American Planning Association, ASSN Publishers, NY, 2006.

MACEDO, A. C. “Desenrolando o Projeto”. Sinopses, n. 37, abril 2008, p. 11-21. Universidade de São Paulo, SP.

MACEDO, A. C. “A Carta do Novo Urbanismo Norte-Americano”. Revista Integração, n. 48, março 2007, Universidade São Judas Tadeu, São Paulo.

PAROLEK, Daniel; PAROLEK, Karen; CRAWFORD, Paul C. Form-Based Codes, A Guide for Planners, Urban Designers, Municipalities and Developers. Nova York, Wiley, 2008.

SZOLD, Terry; CARBONELL, Armando. “Smart Growth, Form and Consequences”. Cambridge, MA, Lincoln Institute of Land Policy, 2002.

URBAN DESIGN ASSOCIATES. The Architectural Pattern Book: a Tool for Building Great Neighborhoods. Pittsburgh, W.W. Norton, 2004.

sobre o autor
Arquiteto pela FAUUSP (1964); mestre em Urbanismo pela Graduate School of Design da Universidade de Harvard (1977); doutor em Estruturas Ambientais Urbanas pela FAUUSP (1987); professor dos cursos de graduação e pós-graduação da FAUUSP e USJT; sócio-diretor da LOCUM Arquitetura e Urbanismo Ltda; conselheiro da Fundação Anita Pastore D’Angelo. Responsável por diversos projetos urbanos e de arquitetura

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