A difusão internacional do urbanismo e a relevância dos congressos e exposições
Os Congressos e Exposições internacionais de Urbanismo se constituíram nos principais difusores de um ideário novo sobre o entendimento e intervenção nas cidades, campo disciplinar até então em formação. Inicialmente, os primeiros fóruns acontecem agregados a outro tipo de evento de maior magnitude: as Exposições Universais – que foram a grande expressão da globalização na segunda metade do século XIX.
Esses fóruns possuiam caráter restrito e temático. Ocorreram junto à Exposition Universelle de Paris de 1889, depois agregado à Chicago World’s Fair, em 1893 (que contou com a reunião da American Institute of Civil Engineers), junto às Expositions Universelles de Bruxelas e Paris, em 1898 e 1900 (que contaram com os primeiros Congrès D’Art Public), até atingir a maturidade e expressão independente, como a exposição e seminário de urbanismo e gestão municipal ocorrido em Dresden, em 1903 (Erste Stadtebauausstelung zu Dresden).
Durante toda a primeira década do século XX, tais congressos foram os únicos fóruns de encontro e debate de ideias entre a comunidade dos urbanistas, constituída na época por administradores municipais, engenheiros e arquitetos. A difusão a partir de manuais e livros especializados era ainda incipiente e só havia uma revista especializada, a Der Städtebau, pouco acessível internacionalmente, por ser redigida em alemão.
Após esse evento de 1903, o outro encontro significativo foi o VII International Congress of Archiects, realizado em Londres no ano de 1906, que contou com a presença de importantes urbanistas como o alemão Joseph Stübben, o belga Charles Buls e o inglês Raymond Unwin.
Quatro anos mais tarde, essa mesma cidade sediaria um dos mais importantes eventos do período, a Town Planning Conference, em outubro de 1910, que conseguiria reunir a plêiade dos urbanistas da época, representando países de todos os continentes.
Nesse mesmo ano em Berlim e em Dusseldorf, outros dois encontros, em março e setembro, já tinham discutido os planos apresentados no concurso para a Grande-Berlim, acompanhados de uma exposição onde constavam trabalhos elaborados para as cidades de Budapeste, Estocolmo, Munique, Colônia, Londres, Paris, Viena, Chicago e Boston, a Internationale Stadtebaususstellung.
Por fim, o ano de 1913 viria marcar a realização dos últimos encontros significativos desse período. Coincidentemente, todos realizados na Bélgica e Holanda, dos quais o mais importante foi sem dúvida o Premier Congrès International et Exposition Comparée des Villes , onde estiveram presentes Joseph Stübben e Charles Buls.
Em todos esses encontros, podemos referenciar a presença de alguns brasileiros, com participações esporádicas, como Saturnino de Brito, Afrânio Peixoto, Arthur Motta e Victor da Silva Freire.
Este último, foi um dos mais assíduos participantes desse fóruns e esteve, com certeza, presente nos encontros realizados em 1910 e em 1913, os mais importantes dessa época. Freire, que na ocasião era diretor de obras municipais em São Paulo ao longo de extenso período (1899-1926) e lente catedrático da Escola Politécnica, foi o principal responsável pelo translado desse ideário internacional para o Brasil, no período anterior á Primeira Guerra Mundial.
É importante salientar que as exposições universais e encontros temáticos similares foram a tônica de toda a troca de experiências e de interlocução entre os diversos países, no período entre 1850 e 1914. Para se ter uma ideia da dimensão e quantidade desses fóruns, Piccinato (1974,p.166) nos relata que entre 1886 e 1900 foram realizados 853 desses encontros e entre 1900 e 1913 o numero cresceu exponencialmente, passando para 2.271 encontros.
A Town Planning Conference – 1910
O ano de 1910 é considerado pela historiografia como o ano decisivo para a internacionalização do urbanismo (1). Além das exposições e congressos alemães já citados, foram notáveis a National Conference of City Planning (maio, Nova York), a Internationalen Wohnungenkongress (junho, Viena) e a Town Planning Conference, organizada pelo Royal Institute of British Architects (RIBA) em outubro de 1910 em Londres. Esta última, pela representatividade e magnitude, pode ser considerada como a mais relevante delas, contando entre seus participantes com a plêiade dos urbanistas da época, representando Grã Bretanha, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália e Estados Unidos, além da superior qualidade da exposição em relação àquela do evento de Berlim (2).
A Town Planning Conference (TPC) teve duração de seis dias e contou com 1.250 participantes (3), o que pode ser considerado uma cifra significativa, para um evento abordando um assunto novo, onde ainda não existia nem uma profissão específica, a do urbanista, e, consequentemente nem associações ou entidades vinculadas a essa profissão. Os cursos de urbanismo ministrados em escolas superiores começavam a se esboçar, a exemplo do Seminário anual Berlim-Charlottemburg (iniciado em 1908) e o importante curso de Civic Design da Universidade de Liverpool cuja cátedra fora instituída em 1909.
Nesse sentido, pode-se apontar alguns objetivos estratégicos com a organização de um evento do porte de uma TPC:
- vem fazer parte de um processo de difusão e aprofundamento do conhecimento sobre urbanismo que os ingleses estavam realizando, reforçados pela presença do primeira cátedra de Civic Design, então recentemente criada na University of Liverpool, assim como da primeira revista de urbanismo inglesa, a Town Planning Review.
- vem discutir e divulgar o Housing and Town Planning Act (4), a mais importante normativa urbanística inglesa, aprovada no ano anterior.
O principal expoente do Comitê Executivo do evento foi o urbanista Raymond Unwin, que tinha participado da exposição de Berlim e ficado bastante impressionado com o impacto do evento. Além de organizador da TPC, participava também como representante da Garden Cities Association.
Unwin tinha uma visão bastante crítica das soluções que vinham sendo adotadas para a resolver o problema da moradia da classe operária inglesa e era ativo defensor dos projetos habitacionais que incorporassem a baixa densidade de ocupação, alegando que os ganhos sociais, superariam as perdas econômicas decorrentes do uso menos intenso do solo. Desde 1903 estava envolvido com a produção das primeiras cidades-jardins inglesas, junto com Ebenezer Howard, criando e implantando os projetos de Letchworth e Hampstead e no ano anterior, publicara uma obra de grande repercussão, Town Planning in Practice, onde apresentava esse ideário e projetos a ele associados.
Além de Unwin, participavam como patronos do evento o próprio Howard (na ocasião a mais notória figura do urbanismo inglês, fundador da Garden-Cities Association e autor do clássico livro To-morrow: a Peaceful Path to Real Reform em 1898) e o urbanista Thomas Coglan Horsfall. Horsfall também fora um dos mais entusiastas defensores da Housing and Town Planning Act e sua contribuição nesse debate tinha se dado a partir da publicação de uma obra relevante The Improvement of the Dwellings and Surroundings of People em 1905, onde enaltecia as vantagens da urbanística germânica na solução do problema da moradia social e do controle das zonas de expansão urbana, defendendo a sua aplicabilidade em território inglês. O presidente honorífico do evento, o polêmico John Burns fora também um ardoroso articulador político em prol da aprovação do Town Planning Act.
A orientação ideológica do evento era portanto clara, através da visão que esses três relevantes urbanistas ingleses tinham sobre a nova ordem urbana a ser estabelecida.
Visitas e viagens
É interessante observar que de todas as 18 visitas programadas, aquelas às duas primeiras cidades-jardim, Letchworth e Hampstead, despertaram o interesse de todos, tendo em cada uma delas participado mais de 200 congressistas, enquanto que nos outros passeios (Bourneville, Port Sunlight, Oxford, etc) o número era muito menor, raramente excedendo a 40 congressistas. Portanto o objetivo promocional do evento em relação ao novo ideário urbano que se propunha divulgar, tinha sido plenamente alcançado.
A exposição
A exposição de urbanismo foi organizada em diversas galerias, cada uma apresentado os trabalhos de alguns países. Assim, na galeria 1 ficavam Itália e Inglaterra, com destaque para alguns planos realizados para Roma, Milão e Gênova. Na galeria 2 – Inglaterra e as colônias inglesas, destacando-se projetos em Johannesburgo, Pretória, Sudão e algumas intervenções em Londres. Na galeria 2a – as cidades e subúrbios-jardins ingleses, onde além de Letchworth e Hampstead, eram exibidas fotografias e aquarelas de outros empreendimentos como Port Sunlight, Bournville, Earling, despertando grande interesse dos congressistas. Na galeria 2b – a exibição da Civic Survey de Edinburgh, mostrando o trabalho de pesquisa urbana realizado pelo professor Patrick Geddes e sua Outlook Tower, que seria melhor detalhada na palestra que apresentaria no congresso; na galeria 3 – os Estados Unidos, mostrando principalmente os esplêndidos desenhos do projeto de Chicago e Washington, trazidos por Daniel Burnham. Nas galerias 4 e 5, Holanda, Bélgica, Escanidinávia e Áustria, destacando-se planos para Amsterdam (H.P.Berlage), Haia, Louvain (Stübben), Estocolmo, Copenhagen, Viena, com alguns expositores sobre Budapeste e também sobre Manila, cujo projeto de melhoramento urbano fora realizado por Burnham. Nas galerias 6 a 11 estavam expostos Alemanha e França. A Alemanha fora o pais mais organizado, que contribuíra com maior quantidade de material, sobretudo porque Werner Hegemann enviara para Londres grande parte do material que havia exposto no evento que organizara em Berlim e Dusseldorf, alguns meses antes. Os planos de Berlim, apresentados em grande detalhe, e também objeto da palestra do prof. Eberstadt, causaram grande impacto. A França teve enviou pouco material, destacando-se somente os projetos de Eugene Henart para Paris e suas propostas de cidade do futuro (5).
O congresso, os urbanistas e seu ideário
A relação dos trabalhos apresentados nessa Conferência foi organizada por sessões temáticas, sete ao todo, abordando os seguintes tópicos: 1- Cities of the past; 2 – Cities of the present; 3 – City development and extension 4 – Cities of the future; 5 – Architectural considerations in town planning; 6 – Special studies in town plans; 7 – Legislative conditions and legal studies.
Dentre os 43 papers apresentados e discutidos, cabe destacar a presença dos 16 principais urbanistas da ambiência internacional, o que permite afirmar que a Town Planning Conference foi o evento que melhor permitiu a difusão do ideário urbanístico entre países europeus e americanos no período anterior a 1914.
Esses urbanistas foram:
- da Grã-Bretanha: Ebenezer Howard, Raymond Unwin, Patrick Geddes, A.D. Adshead, Thomas Mawson, Thomas Adams, Thomas Coglan Horsfall.
- da Alemanha: Joseph Stübben, Rudolf Eberstadt, Werner Hegemann, A.E.Brinckmann.
- da França: Eugene Hénart, Augustin Rey, Louis Bonnier.
- os Estados Unidos: Daniel H. Burnham, Charles Mulford Robinson.
A seguir será comentado alguns fatos relacionados ao ideário de alguns desses urbanistas, daqueles que tiveram participação mais ativa no evento:
Patrick Geddes
Considerada a figura mais proeminente do evento (6). Representando o Sociological Society, professor da University Hall de Edinburgh, evolucionista, defensor da metodologia da pesquisa social para o diagnóstico urbano. Idealizador de um centro de pesquisa urbana localizado na Outlook Tower, com o objetivo de permitir a visão de Edinburgh e de seu espraiamento pela região, possibilitando a ampliação dessa visão para a escala mundial. O precioso material de pesquisa organizado por Geddes constituía-se no maior acervo sobre urbanismo existente no Reino Unido naquele momento e foi utilizado plenamente na Exhibition do RIBA, organizada pelo próprio Geddes e anexa ao TPC.
Em sua conferência, The Civic Survey of Edinburgh, Geddes apresenta os resultados de uma pesquisa urbanístico-social sobre essa cidade, que seria publicada nesse mesmo ano como livro. Nesse Survey, constam os diversos dados da cidade, como informações históricas, geográficas, cadastrais, mapas, fotos, dados estatísticos, obtidos também de Inquéritos, que fizeram parte de uma exposição realizada em Edinburgh.O Survey se constitui em instrumento para o civic design (ou urbanismo), indo além do processo material e sugerindo um desenvolvimento ideal. Nesse sentido, cabe a esse urbanismo conciliar o realismo (the town as place, as work, as folk) com o idealismo e o poder de vislumbrar um futuro (the city of etho- polity, culture and art). No ano seguinte à TPC, Geddes organizaria em Edinburgh a Cities and Town Planning Exhibition, para divulgar seu ideário e acervo.
Stanley Davenport Adshead
Membro do Comitê Executivo da TPC, Adshead, então o principal docente do Department of Civic Design, at Liverpool School of Architecture, apresenta o texto City Improvement. Em sua conferência, Adshead aponta para as vantagens do intercâmbio internacional recente em urbanismo, a partir de congressos e exposições. E que ao se analisar comparativamente, a Inglaterra ainda fica muito a dever para a Alemanha, França e Estados Unidos. Especialmente em relação aos aspectos da estética e da escala das intervenções. Nesse sentido recomenda que, em especial para os ingleses, que procurem ampliar suas referência urbanísticas, olhando para a experiência internacional, adotando uma abordagem cosmopolita, permitindo ao urbanismo desse país incorporar novos paradigmas, sem necessariamente destruir aspectos positivos de sua arquitetura e cultura urbanas.
Thomas Mawson
Mawson, docente de Landscape Architecture do então recente Departamento de Town Planning and Civic Design, da Liverpool School of Architecture, apresenta o trabalho Public Parks and Gardens: their design and equipment. Na palestra, defende a criação de sistemas de parques urbanos, podendo ser dispostos de forma radial ou em forma de cinturões verdes ao redor da cidade. Faz referência aos exemplos positivos observados em Viena, Boston, Chicago, onde, nesta última, exalta as maravilhas estéticas produzidas pela White City, na Colombian World´s Fair Exposition de 1893.
Mawson também analisa outros casos de parques urbanos, situados em Dunfermline, Cambridge, e Southport. São estudos de casos que faziam parte do último capítulo de seu livro, que seria lançado logo após a TPC, intitulado Civic Art.- Studies in Town Planning, Parks. Boulevards and Open Spaces.
Joseph Stübben
Em 1910, Stübben era considerado o mais experiente urbanista do mundo, tendo realizado planos urbanos para dezenas de cidades alemãs (dos quais o mais notável foi o plano de Colônia em 1881) e redigido o mais conhecido manual de urbanismo até então (Der Städtebau, em 1890). Participara do International Congress of Architects que o RIBA organizara em Londres em 1906, inaugurando o debate sobre questões urbanas nos eventos desta entidade e em 1910 foi convidado para TPC por representar também a Verband deutscher Architekten-und-Ingenieure Vereine, a entidade central dos arquitetos e engenheiros da Alemanha.
Stübben, ao apresentar em sua conferência alguns aspectos sobre o desenvolvimento da urbanística alemã, destaca que até a década de 1880 os alinhamentos retilíneos tinham a dominância nos projetos viários alemães, sobretudo pela forte influência de Paris, até então considerada como “o grande mestre” para os alemães. Mas na década de 1890, provavelmente pelas fortes referências de Camillo Sitte, os traçados curvos passaram a ser mais valorizados. As cidades alemãs medievais passaram a ser mais estudadas, em especial as boas soluções adotadas para praças e traçados viários, havendo então uma tendência de se mesclar essas duas posturas. Os exemplos com boas soluções, observadas em cidades alemãs, onde o tratamento da curvatura é valorizado pela implantação de elementos marcantes ao longo de seu traçado (igrejas, praças, alargamentos do eixo viário, etc), assim como os projetos de áreas de expansão urbana e de algumas cidades-jardim alemãs, são também enfocados na apresentação.
Rudolf Eberstadt
Economista e professor da Universidade de Berlim, Eberstadt dedicou-se às questões relativas à habitação, finanças municipais e política fundiária urbana. Sua obra mais relevante neste tema foi publicada em 1909, intitulada, Handbuch des Wohungswesens und der Wohnungsfrage. onde discute aspectos ligados á política habitacional e fundiária, ao financiamento da moradia, impostos e aspectos da gestão municipal. O livro adquiriu grande repercussão internacional, tendo sido bastante utilizado pelo urbanista brasileiro Francisco Prestes Maia na elaboração de seu Plano de Avenidas para São Paulo, em 1930.
Eberstadt participa dos Seminários de Urbanismo de Berlim- Charlottemburg, organizados por Joseph Brix e Felix Genzmer e em 1910 inscreve-se no concurso para o Plano da Grande-Berlim (Gross-Berlin Wettbewerbe), juntamente com os urbanistas Bruno Möhring e Richard Petersen, obtendo o segundo lugar.
Eberstadt, em sua preleção sobre o Plano da Grande Berlim no TPC, destaca o papel relevante do processo de difusão internacional do urbanismo, onde cada nação pode aprender com a experiência da outra e ao mesmo tempo acrescentar um pouco ao conhecimento global sobre o assunto. Destaca as inúmeras missões á Alemanha que técnicos ingleses realizaram para conhecer as soluções dadas à questão da habitação social, áreas de expansão urbana, regulamentação dos alinhamentos, etc. Apresenta imagens com os projetos de Herman Jensen para Berlim (Eberstadt fez parte do juri que o premiou) destacando a abordagem de cinco aspectos relevantes: a congestão das áreas centrais, a definição de um sistema de transporte rápido integrando o centro às zonas mais periféricas, a adequada distribuição de parques e espaços abertos ao longo da área urbana; o desenvolvimento artístico e de edifícios públicos monumentais, e, o mais importante, o planejamento do parcelamento das áreas de expansão urbana, enfatizando a produção de moradias sociais. Salienta que a Alemanha jamais conheceu a existência dos terríveis e grandiosos conjuntos habitacionais horizontais, os tenements ingleses ou belgas, porque lá a solução foi outra: a dos cottages e a dos pequenos tenements-houses. Comenta também, ao final. alguns aspectos de seu livro, então recentemente lançado, intitulado Handbuch des Wohnungswesens und der Wohnungsfrage, destacando a urgente revisão de posturas ainda vigentes sobre a ação no setor privado no mercado fundiário urbano, onde deve valer a visão do ganho social e não a do lucro.
Werner Hegemann
O mais eclético dos urbanistas presentes, com formação acadêmica em universidades em Berlim, Munique, Paris e Harvard, foi o principal responsável por promover a migração transoceânica do ideário urbanístico germânico para os Estados Unidos e América do Sul, através de congressos que organizou nos dois continentes e do famoso livro Civic Art, publicado junto com Elbert Peets em Nova York, em 1922. No TPC sua presença foi restrita à de debatedor de seção, mas na exposição o material que trouxe foi relevante para a divulgação da urbanística alemã.
Eugène Hénart
Arquiteto da Mairie de Paris, ativo participante de congressos e exposições internacionais, estando no evento da RIBA de 1906 e na de Berlim em 1910 e em eventos nos Estados Unidos. Por ocasião do TPC, Hénart era considerado o mais importante urbanista da França. Mais tarde, em 1913, seria um dos fundadores e primeiro presidente da Societé Française des Architectes Urbanistes (7). Seus principais escritos foram produzidos entre 1904 e 1909 (Études sur les transformations de Paris) e publicados nos dois primeiros periódicos da área, o Der Städtebau e a Town Planning Review. Em sua teoria, desenvolve modelos analíticos e estatísticos para estudar os problemas das grandes cidades, dentre os quais o famoso Perymètre de Rayonemment (que foi a base do Plano de Avenidas, desenvolvido nos anos 20 pelos urbanistas Prestes Maia e Ulhoa Cintra para a cidade de São Paulo). Por ocasião do encontro de Londres, Hénart desenvolvia estudos sobre a regulamentação das áreas de expansão urbana para a França, trabalho que realizava junto ao Musée Social (com outros importantes urbanistas como George Benoit Levy, Robert de Souza, Jules Siegfried e George Risler), e que mais tarde seria aprovada sob a forma da Loi Cornudet, em 1919. Donat Alfred Agache foi seu principal discípulo, criando o primeiro curso profissional de urbanismo na França, na década de 20, junto à École libre des Sciences Sociales (8)
Em sua preleção, Cities of the Future, Hénart apresenta uma hipótese especulativa sobre a cidade do futuro, com projeções revolucionárias, como os tetos planos para os edifícios de forma a poderem servir de helipontos (na realidade, o helicóptero ainda nem existia nessa época, mas Hénart consegue vislumbrar que um veículo desse tipo e porte teria uma grande utilização como meio de transporte no futuro; especula que ele teria se inspirado no então recente livro de H.G. Wells “La guerre dans les airs”, lançado naquele ano em tradução francesa (9). Outro destaque de sua exposição foi a visão pioneira sobre o uso intenso do automóvel para os deslocamentos urbanos, o efeito nefasto da fuligem e da poeira lançados na atmosfera pelos edifícios (propõe um sistema de vaccum-cleaner e de pneumatic pipes, para a limpeza e a substituição do carvão pelo petróleo para a calefação dos edifícios) e por fim, a rua do futuro, com diversos níveis, segregando veículos, pedestres, transportes coletivos e infraestruturas (construída sobre pilotis, foi referência direta para as ideias desenvolvidas por Le Corbusier, anos mais tarde).
Hénart estava convencido de que as cidades precisavam ser planejadas para a presença cada vez mais intensa do aeroplano. Propõe assim, três anéis para a cidade: um central, mais denso, outro intermediário, onde seriam permitidos alguns helipontos e um terceiro, periférico, onde seriam construídos aeroportos.
Daniel Burnham
Burhnam era considerado um dos mais importantes arquitetos norte-americanos à época, tendo projetado os primeiros arranha-céus do mundo, em Chicago. Fora o diretor das obras da World's Columbian Exposition (1893), onde construiu a White City, um modelo de cidade ideal, que serviu de abrigo para a exposição e que lançou as bases do movimento City Beautiful americano, popularizando também o uso da arquitetura neo-clássica naquele país e induzindo Chicago a uma imagem de "Paris on the Prairie".
Em 1909 elaborou junto com Edward Bennett o Plano de Chicago, considerado o primeiro documento do comprehensive planning norte-americano, que foi exposto em Londres causando grande impacto: “The exhibition of master plans for Chicago and its regions, a prime example of large-scale environmental planning with the use of a Master Plan, filled a large gallery and created a considerable stir” (10).
Na conferência no TPC, Burnham aborda o importância do governo democrático nas cidades, destacando também aspectos ambientais, como o uso racional da água, a utilização de combustíveis mais limpos para reduzir a poluição atmosférica e a necessidade de criação de parques nas áreas de expansão urbana. Comenta sobre o impacto positivo da Exposição Colombiana de Chicago, E que a partir desse evento, o governo americano decidiu lançar um concurso para realização de um plano geral para a cidade de Washington. Isso gerou um efeito multiplicador de tal forma que naquele ano de 1910 centenas de cidades americanas de médio e grande porte já possuiam suas Plan Comissions funcionando.
Na discussão. dos trabalhos apresentados na mesa A cidade do Futuro, o tema que suscitou mais debates foi o de Daniel Burnham. A fala de Hénart também motivou diversos comentários, avaliada como sendo a única que apresentou o impacto decorrente das novas tecnologias, associada à inovação urbana. Os desenhos e projetos foram elogiados, mas apontando-se para as dificuldades financeiras da execução das ruas sobre pilotis, sendo talvez viáveis somente nos setores mais centrais, de alta densidade.
Charles Mulford Robinson
Representando a American Conference of City Planning e o American Institute of Architects, Robinson era um dos mais entusiastas divulgadores do urbanismo nos Estados Unidos. Formado em Artes, interessou-se pelos problemas urbanos e sua análise, e acabou por publicar uma obra relevante na divulgação do ideário do City Beautiful Movement naquele país, como os livros The Width and Arrangement of Streets, The Improvement of Towns and Cities e Modern Civic Art. Foi um dos primeiros a exercer a profissão de urbanista em território norte-americano, na qualidade de consultor, realizando diagnósticos em dezenas de cidades. As National Conferences of City Plannning eram o mais relevante evento anual que acontecia nos Estados Unidos, organizado a partir de 1909 por um grupo de gestores da cidade de Nova York, preocupados em solucionar os graves problemas decorrentes da congestão urbana e concentração populacional. Esse primeiro evento acontecera em Washington. No ano seguinte, a segunda Conferência já possuía à frente de sua comissão executiva o próprio Robinson, firmando esse fórum como o mais importante evento urbanístico americano nas duas primeiras décadas do século passado. Robinson seria também o pioneiro no ensino de urbanismo, ao ser convidado em 1913 a assumir a primeira cátedra de Civic Design naquele país, criada especialmente para ele pela Universidade de Illnois (11).
A conferência de Robinson no TPC , intitulada Cities of the present as representative of a transition period in urban development – the evidence of standardised streets é um texto seminal do livro que lançaria no ano seguinte, 1911, nos Estados Unidos, intitulado “The widht and arrangements of the streets”. Na apresentação desse livro, Robinson enfatiza que o fato de ter apresentado suas teses principais no encontro de Londres e a boa receptividade que obteve entre os especialistas, encorajou-o a desenvolver mais o assunto e publicá-lo agora voltado ao grande público. De fato, a principal tese do livro, assim como do paper apresentado no TPC, foi a critica à prática de estandardização dos parâmetros adotados nos projetos viários, apontando os custos vultosos associados a essa prática. Essa constatação é advinda da larga experiência de Robinson, que nos anos anteriores realizara diagnósticos em mais de 30 cidades americanas, além de pesquisa no âmbito da pós-graduação em questões urbanas realizada em Harvard.
Raymond Unwin
Na palestra The city development plan, Unwin discute alguns aspectos relativos ao projeto de áreas de extensão urbana, apresentando análises estéticas sobre traçados viários e avenidas diagonais, frutos de reflexão recente, não incluída em seu famoso livro Town Planning in Practice, publicado no ano anterior.
Pouco tempo após o TPC, Unwin é convidado para assumir a cátedra de um curso de Town Planning na Universidade de Birmingham.
Ebenezer Howard
Na conferência “Town Planning “ab initio”, Howard aponta as vantagens das cidades-jardim planejadas e apresenta, em favor de sua argumentação como alguns indicadores sociais são melhorados: por exemplo, a mortalidade infantil em Letchworth é de 31 por mil, enquanto em Londres atinge 108 e em Manchester,134 e nessas três cidades a proporção de população operária não é muito distinta. Portanto, a cidade-jardim é solução para o enfrentamento de muitos problemas das grandes aglomerações urbanas, Cita também os casos de Bourneville e Port Sunlight.
O impacto do evento – intercâmbios internacionais e reflexos no Brasil
A Town Planning Conference pode ser considerado o primeiro grande fórum urbanístico mundial. A plêiade dos urbanistas, constituída pelos dezesseis maiores profissionais atuantes na Europa e Estados Unidos, estava lá presente.
Assim como outros, engenheiros, arquitetos e gestores municipais da Ásia, África, Austrália e América do Sul, que foram os responsáveis pela difusão desse ideário e aplicação de metodologias de diagnóstico urbano e de aplicação de princípios projetuais para intervenção nas grandes cidades.
O intercâmbio entre livros recém-lançados (Unwin, Mawson, Robinson, Eberstadt) , seus autores, as primeiras revistas especializadas (Der Städtebau, Town Planning Review), os projetos urbanos expostos na exposição anexa ao TPC, as visitas ás experiências inglesas pioneiras de reforma social (Letchworth, Hampstead, Port Sunlight, Bournville), e o próprio conteúdo das conferências (com destaque para a avançada política habitacional e urbana das cidades alemãs, os desenhos de Burnham para o plano de Chicago, a metodologia do survey social de Geddes, as previsões futuristas de Hénart) – todos esses fatores causaram um efeito sinérgico intenso que não só contribuiu para a divulgação internacional desta nova ciência urbana, como também para a consolidação da profissão do urbanista.
Do ponto de vista da afirmação do ideário internacional, a TPC pode ser considerada o turning-point, ou seja, a transição de um período dominado pela urbanística alemã, por um novo período, onde a urbanística inglesa iria se afirmar, especialmente pelo ideário das garden-cities.
No que se refere aos reflexos destes fóruns no Brasil, é importante destacar que todos eles foram estudados e assimilados pelos urbanistas paulistanos, sobretudo porque nas bibliotecas da Escola Politécnica (consultadas pelos docentes Victor Freire e Prestes Maia), assim como na biblioteca pessoal do urbanista Prestes Maia, os anais desses primeiros congressos internacionais fazem parte do acervo, assim como as principais obras seminais do urbanismo moderno (Unwin, Mawson Robinson, Howard, Stübben, Eberstadt, Baumeister, Sitte etc.).
O urbanista Victor Freire, português de origem e formado pela École des Ponts et Chassées de Paris, trabalhou no Brasil durante quase trinta anos, à frente da Diretoria de Obras Municipais de São Paulo (1899-1926), sendo responsável pela realização de importantes planos para a cidade e de imprimir nos seus projetos, a visão de Camillo Sitte, mantendo a morfologia do centro histórico, assim como a aplicação do padrão das garden-cities inglesas, nas áreas de expansão da cidade. Freire esteve presente na TPC de Londres em 1910, onde travou contato com a obra de Raymond Unwin, que o ensejou a convidar para vir para o Brasil o urbanista Barry Parker, responsável pela implantação dos primeiros bairros-jardins em São Paulo (Pacaembu e Jardim América). Freire foi também ativo participante do congresso de Gand de 1913 tendo, neste ano, participado de visitas às cidades alemães, então modelares para a prática do urbanismo moderno.
Desta forma, podemos afirmar que os dois mais importantes planos urbanísticos de São Paulo deste período, foram frutos deste contato internacional, através dos congressos, periódicos e manuais de urbanismo: o plano de Victor Freire de 1911, para a área central da cidade e o Plano de Avenidas, de Francisco Prestes Maia, obra monumental de 1930 e que foi implantada a partir dos anos 30 na cidade, quando Maia foi prefeito.
Os congressos internacionais de urbanismo , neste período anterior à Primeira Guerra Mundial, foram portanto, os fóruns mais importantes para a difusão deste conhecimento entre técnicos municipais do mundo todo, em especial para aqueles da América do Sul e Brasil, numa época em que além das revistas e livros, a participação nestes eventos criava as sinergias necessárias para a troca de experiências e difusão deste novo ideário entre os gestores municipais, introduzindo práticas inovadoras em relação às melhorias sanitárias, de modernização das infraestruturas, das condições de moradia, do transporte, da equidade social, e de gestão mais eficiente para as cidades.
Por este motivo, podemos afirmar que a TPC foi o mais relevante evento desta primeira etapa de consolidação do urbanismo, que antecedeu a Primeira Grande Guerra, superando até mesmo outro importante fórum que aconteceria dois anos depois em Gand, na Bélgica, e intitulado Premièr Congrès International et Exposition Comparée des Villes.
notas
NE – Este artigo é produto de pesquisa financiada com Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq e foi publicado originalmente em língua inglesa nos Anais do 15th IPHS Conference (International Planning History Society), São Paulo, 2012, ISBN 9788580890204.
1
COLLINS, Christiane. Werner Hegemann and the search of universal urbanism. Nova York, W. W. Norton & Co., 2005, p. 44.
2
ADSHEAD, S. D. The Town Planning Conference. Town Planning Review, Liverpool, Vol. 1, No 3, oct. 1910, 178-190. Sobre o evento, ver também: Town Planning Conference – London, 1910. Transactions. Londres, RIBA, 1911.
3
SUTCLIFFE, Antony. Towards the Planned City – German, Britain, the United States and France. (1780-1914). Nova York, St. Martin Press, 1981, p. 171.
4
Essa normativa visava disciplinar os planos de extensão, a estética urbana e, sobretudo melhorar as condições dos projetos habitacionais para a classe operária. proibindo a produção daquele padrão de quadras onde dominavam as casas geminadas e com os fundos dos lotes voltados uns para os outros. Esse padrão, decorrente de normativas após o Dwelling Act de 1875, atribuía ao empreendedor privado ou aos governos locais o papel de produzir moradia social para o mercado, o que conduziu a um modelo de retalhamento de quadra visando o maior lucro (extensas fileiras de casas geminadas, conhecidas como back-to-back ou by-law grid) – fato que com o passar do tempo acabaram se tornando o símbolo da pobreza urbana das grandes cidades industriais inglesas, com graves consequências sociais, ambientais e estéticas.
5
ADSHEAD, S. D. Op. cit.
6
SUTCLIFFE, Antony. Towards the Planned City (op. cit.), p. 175.
7
WOLF. Peter. Engène Hénart and the beginnings of urbanism in Paris 1900-1914. Nova York, IFHP-CRU, 1968, p. 50.
8
Idem, ibidem, p. 77-85.
9
Idem, ibidem, p. 93.
10
MELLER, Helen. Patrick Geddes. Social Evolutionist and City Planner. London and New York: Routledge, 1990, p. 175. Da mesma autora, ver MELLER, Helen. Philantrophy and public enterprise: international exhibitions and the town planning movement. 1899-1913. Planning Perspectives. Colchester, E.&F.N. Spon, Vol. 10, 1995, 295-310.
11
NOLEN, John. City Planning. Nova York, Appleton, 1915, p. XVI.
sobre o autor
José Geraldo Simões Junior é doutor pela FAU-USP (1995), com pós-doutorado pela Technische Universität Wien-Áustria (2010) e pesquisador-visitante na Radboud Universiteit Nijmegen-Holanda (2013). É docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, junto à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e professor-convidado no curso de doutorado em Urbanismo na Universidade Lusófona, em Lisboa.