Acervo em transformação é como os curadores chamaram o jeito de mostrar a coleção do Museu de Arte de São Paulo que pode ser visto desde dezembro de 2015. Os curadores reapresentam ao público os famosos trainéis expositivos de vidro temperado apoiados em blocos cúbicos de concreto depois de uma ausência de vinte anos. Ressuscitam os cavaletes originais projetados por Lina Bo Bardi que exibiram o acervo desde a inauguração do edifício em 1968. Porém, em 1996 o museu decidiu mudar seu sistema expositivo e os painéis foram suprimidos, trocados por paredes de gesso acartonado. Agora retornam para alento dos que nos lembrávamos com saudades e iluminação dos que não os tinham visto antes.
2015 foi o ano do centenário de nascimento de LBB e houve muitas comemorações, mostras, publicações pelo aniversário. Esta exibição do acervo em cristal é uma floração tardia e deslumbrante do século da artista. Mas nesse clima de celebrações, muita gente boa e mais bem qualificada do que eu, já falou sobre os cavaletes, sobre o Masp e suas virtudes; sobre os atributos de transparência e o uso do concreto bruto. Não vou repetir o já dito.
Mas é que fui ver a mostra e além de uma verdadeira emoção pelo todo arejado e luminoso, fiquei fisgado por um canto daquela sala no terceiro andar. É daquele canto que tratam estas linhas.
Um canto
Ergue-se a cortina. A luz franca expõe a cena aberta com todos os atores em ação. O coro entoa um canto suave.
A visada lembra um campo vasto de girassóis. A vista se perde no infinito. Quanto mais longe, mais girassóis cabem no campo de visão. No fundo as flores vão ficando mais e mais pequeninas até que já não consigo distinguir uma da outra. Assim é que fui recebido pela coleção na entrada da grande sala. Estou diante das estrelas no firmamento. Mas à medida que me desloco, as estrelas vão constantemente reagrupando constelações. Subitamente fiquei poderosíssimo. Com um mínimo esforço de dois passos mudo a configuração zodiacal. Nada me detém.
Do lado de um Cézanne está um Picasso. Mas, se mais adiante me atrai um pequeno Daumier, meu corpo pode penetrar entre dois Nattier, deslizar perto de Velázquez.
Num canto da sala suspensa foram dispostos um Exu nigeriano ao lado de uma tela de Volpi. Bem junto, uma pintura naïve de um artista que eu desconhecia figurava uma representação do próprio edifício do Masp. Pouco mais no fundo uma grande escultura concreta de Rubens Gershman. Meu deslocamento estelar em velocidade warp foi subitamente suspenso naquele canto do universo. Essa configuração astral me conteve. O Exu é uma escultura Iorubá de um meio metro de altura feita de metal e madeira, com uma sequência de conchas montadas em uma tira de couro. O Volpi se chama Fachada com bandeiras e é uma têmpera de dominância azul de 1959. Descobri na etiqueta que o naïf se chama Agostinho Batista de Freitas e aquele óleo foi pintado em 1971. Ar-cartilha do superlativo foi o nome com que Gershman designou sua palavra-escultura de madeira e fórmica de 154 x 351 x 39,5 cm em que lemos com clareza a palavra ar.
Suspenso
O Masp é um paralelepípedo com fachadas virtualmente transparentes suspenso em estrutura de concreto sobre uma praça não construída. O terreno fora doado ao uso comum com condição de ficar livre a fim de estabelecer continuidade espacial pública entre o parque Trianon, do outro lado da avenida Paulista, e o amplo vazio sobre o talvegue da av. Nove de Julho. Para desembaraçar essa contingência, a arquiteta dividiu o programa em duas porções. Uma parte se desenvolve num subsolo artificial debaixo do vão livre. E os andares superiores foram postos a levitar no ar, suspensos por quatro gigantes sutis de concreto nas extremidades do terreno.
Ruth Verde Zein descreveu recentemente esse partido como gerador de uma "situação inusitada que, posteriormente complicaria qualquer tentativa de promover um fluxo bem comportado de visitantes, de tipo processional, onde as obras são dispostas para se ver às pressas, em que o visitante não é pessoa, mas multidão" (1). O que fora no início uma valentia suprema da arquiteta: inventar "uma obra um tanto absconsa, beirando o deselegante, bruta e áspera" (2), se convertia em um incômodo para os que tinham vontade de tornar o museu um ‘mesmo’ bastante óbvio de tantos outros museus para mega-mostras que se vêem depressa em sequência pré-determinada.
O Masp é vidro suspenso em estrutura de concreto; assim também os suportes. A arte vai suspensa no vidro suspenso em concreto. O vidro é arte do fogo agindo sobre terra (sílica; areia). Nisso é análogo ao cimento feito de terra (calcário e argila) transtornada pelo fogo até virar um aglutinante. As artes do fogo fazem o vidro ser sutil, transparente como o ar. Concreto é mistura de pedra, areia, água e cimento; simulacro sintético da terra opaca, dura, bruta. O vidro é uma concretização do ar; o concreto é abstração da terra.
Temos concreto como oposto a abstrato. Aristóteles (não poderia faltar essa autoridade para o alvará definitivo desta contra-fuga) chamava concreto à união de forma e matéria. Abstrato ele considerava como uma operação mental pela qual se extraem as ideias universais das coisas particulares. Isso é, para ele, uma prerrogativa da inteligência. A inteligência seria assim uma capacidade de abstração, algo essencialmente humano.
Todo humano que visita cada canto suspenso na sala do Masp sobre o céu de São Paulo, pode extrair ideias universais das obras individuais expostas... Ou não.
No ar
Os cientistas e os dicionários chamam de ar uma mistura de gases: nitrogênio, oxigênio, água em vapor e minúsculas porções de outros gases atmosféricos que envolvem a Terra. A massa da Terra atrai sua aura de atmosfera. Ar é normalmente transparente... como o vidro. Através dele vemos as estrelas expostas no firmamento. Muitos antigos achavam que os astros estavam fixos em esferas de cristal que giravam em torno da Terra.
Anaxímenes de Mileto (588-424 a.C.) era um daqueles antigos filósofos pré socráticos que buscavam um principio material para unificar a explicação do universo. Ele advogava o Ar como princípio de todas as coisas: Tudo deriva dele por condensação ou por evaporação. Interpretava vapor como uma condensação do ar, da qual se precipita a água que pode tornar-se fogo por evaporação ou terra por nova condensação. Sabemos dele por uma referência de Simplício, "do ar dizia que nascem todas as coisas existentes, as que foram e as que serão, os deuses e as coisas divinas". Será que é ridículo, à vista das concepções contemporâneas, considerar a terra como condensação do fogo e da água? Talvez nem tanto, se lembrarmos que o concreto foi um líquido que se fez terra pela cura do cimento que surgira no fogo.
O grande historiador da filosofia Giovanni Reale explicou que "O ar, como elemento que está entre o céu e a terra, é considerado pelos estóicos e outros pensadores, sede das almas depois da morte, e dos Demônios" (cf., por ex., Possidônio) (3).
Pars pro toto. Os expositores redivivos que ficaram conhecidos sob a alcunha de cavaletes de cristal reproduzem a suspensão do edifício em blocos brutos de concreto, a parte pelo todo. O museu é metonímia do universo de cristal dos antigos. Das telas ressurgem redivivos os personagens retratados mantidos sob o ar dos estóicos pelos suportes ressuscitados de Lina. Mortos e demônios convivem com os visitantes que respiram, bem vivos, dentro do ar.
Renato Anelli mostrou que não só os cavaletes de cristal, mas os modos de expor do Masp provêm da relação de Lina e Pietro Maria com o abstracionismo europeu desde os anos 1920 e constituem a culminância de um longo processo de destilação operado por Lina (4). O percurso de Lina em demanda do jeito perfeito de expor foi lindamente tematizado em uma ‘meta-mostra’ (uma exposição sobre o modo de expor) abrigada entre agosto e novembro de 2014 no Museu da Casa Brasileira com curadoria de Giancarlo Latorraca (5).
A coleção de pinturas do Masp, formada sob a regência de Pietro Maria (ao lado de Lina), é basicamente constituída de arte figurativa. Temos arte abstrata como oposto de arte figurativa. Não é curioso que os colecionadores de figurações optassem por expositores abstracionistas?
Suspensas no ar, as figurações da arte dos séculos acumuladas por LBB e PMB, são chamadas a respirar; ganham vida entre o céu e a terra e convivem conosco que respiramos dentro do cubo suspenso do Masp. O coro entoa um canto suave.
No ar
Na sua Cartilha do superlativo, Rubens Gershman isola uma palavra como imagem. A palavra diz “Ar”, em maiúsculas. Faz arte concreta; neo-concreta. Os poetas concretos faziam suas palavras comporem imagens. Na escultura de Gershman lemos AR. Esta escultura se conjuga com outras obras do artista que não estão ali na sala: Numa lemos ÁGUA em letras de vidro imersas n’água, em outra ele escreveu TERRA com letras em negativo envoltas em terra. Na peça exposta no canto suspenso do Masp o ar está em volta da peça e é o mesmo que respiramos; que separa o teto do piso; o chão da praça do céu transparente sobre o vão. O ar em volta de Gershman é transparente como o vidro que suspende as pinturas. Na palavra esculturada só não há ar onde a concretude da palavra construída ocupou seu espaço. Ele escreveu:
Não acho que a palavra em artes plásticas leve a uma visão ‘literária’ do que deveria ser visual ou tátil. Acho importante reduzir a palavra ao essencial, o significado por si só gasto. Quero reaprendê-la. Da redundância de colocar a palavra água escrita dentro de um cubo de água vem mais força, se ganha uma sobrecarga de informação (6).
Na frente da escultura os curadores suspenderam um Volpi. É uma das suas famosas cenas com bandeirinhas suspensas no ar. As cores do artista materializam o ar – fazem-no concreto para nossa fruição plástica. O Ar plástico de Volpi respira o Ar concreto de Gershman. As cores de Volpi invocam o subúrbio; a ingenuidade desarmada do interior. O erudito brasileiro nascido na Itália se apropriou da periferia. Ao lado do cavalete com o Volpi está o naïf Agostinho Batista de Freitas, nascido no interior (Paulínia, subúrbio de Campinas, em 1927). A Enciclopédia Itaú Cultural diz que, autodidata, ele começou a pintar por volta de 1950. Era então morador da periferia da capital e trabalhava como eletricista.Vendia seus trabalhos na praça do Correio em São Paulo quando foi descoberto por Pietro Maria Bardi que encomendou panoramas de São Paulo vistos do alto do edifício do Banco do Estado, o mais alto da cidade (7). Era a concretude do cotidiano da metrópole literalmente vista do ar por um oriundo da periferia. Pietro Maria organizou sua primeira individual no Masp. No pequeno óleo suspenso sobre o canto do Masp vê-se o Masp de Lina suspenso sobre a cidade. Aí temos força. Quanta sobrecarga de informação!
O coro entoa um canto suave. Vozes dos visitantes soam como uma ária em polifonia.
Viro o corpo para a direita. As persianas deixam entrever o ar sobre o talvegue da Nove de Julho.
Numa vitrine, hierático, um Exu de meio metro toca uma flauta. Exu é a primeira criatura; elemento de ligação entre as divindades e os homens. Está no meio do caminho entre os orixás criadores e as criaturas; entre o céu e a Terra, como Giovanni Reale ensina que os antigos gregos viam o ar. Exu é entidade da comunicação; portador dos oráculos, Exu é o ar dos gregos.
A vitrine de Exu foi posta entre o céu da metrópole e uma análoga vitrine com um “homem”. É O brasileiro, um gesso de outro imigrante que veio da Itália: Ernesto de Fiori.
Pars pro toto.
Exu é tradicionalmente representado chupando o dedo; fumando cachimbo ou tocando uma flauta. Podem conotar atividade sexual e fecundidade esses símbolos. Mas flauta é também extensão da oralidade. O mais primário dos instrumentos musicais simula o canto. Entre o sugar (dedo; cachimbo) e o soprar (flauta) há uma representação de entrada e saída de ar que alude à respiração, ao estar vivo. Soprando a flauta, Exu insufla nela seu espírito. Como Jahweh soprara nas narinas de Adão seu espírito vivificante. Entrar e sair retorna ao tema do sexo e da fertilidade.
Acho na internet um post do Babá Ifalana de 29 de junho de 2014:
Diz Ifá que dentro de todas as coisas está a flauta de Exu, vazia, em silêncio. A transformação surge quando Exu a toca e transforma o mundo, criando e recriando condições para a existência. O vazio no centro do vórtice de Exu. Ao seu redor, o bem, o mal e a escolha. (Laroye está respirando pelo corpo inteiro, como uma peneira). Aşe ou axe a todos! Alafia!
Num canto da sala suspensa de Lina se encontraram Volpi e Exu, um pintor chamado Agostinho e o Ar de Rubens. O canto da sala cativou meu passeio. A sobrecarga de informação suspendeu minha respiração.
Suspenso
Olhando a vidraça sobre a metrópole vejo edifícios que se perdem no infinito como um campo aberto de girassóis. Onde termina o infinito? Na periferia de São Paulo há indústrias, operários. Um velho filme me volta à memória. Logo na primeira cena reconheço Fernanda Montenegro e Gianfrancesco Guarnieri. Ele a chama de Romana. Ela o trata de Otávio. Sei que são atores, mas me pedem que acreditem que são um casal operário de uma fábrica na periferia de São Paulo. A condição para que eu compreenda Eles não usam black-tie é suspender minha descrença e fazer de conta que eles são o que fingem. Se continuar aferrado à certeza das categorias a que pertencem, o filme não me emociona.
Zeuler Lima enredou o processo vivencial que conduziu Lina à concepção da atitude expositiva do Masp à sua colaboração em produções teatrais com José Celso Martinez Corrêa. "Ela ofereceu a ele sua afiada simplificação formal e espacial, e ele apresentou a ela as ideias do ‘Teatro Pobre’ do diretor polonês Jerzy Grotowski, interessado em eliminar elementos cênicos supérfluos e fundir palco e público" (8). Nos últimos anos 60 e no início dos 70, o trabalho dela com ele não pode ser descrito como o de uma cenógrafa desenvolvendo trabalhos para um diretor. Tratava-se justamente de eliminar cenários e quaisquer barreiras entre o público e a ação cênica.
A raiz abstracionista da genealogia dos cavaletes levantada por Anelli contrasta com a coleção figurativa. A eliminação das paredes opacas aguça ainda a relação dos visitantes com os corpos representados. Já o movimento do público vira arte e as representações são arrancadas do seu conforto no palco para o convívio concreto, eliminados cenários e barreiras. O coro entoa uma ária espiritual. Se Lina fez cenografia abstrata no teatro, transforma o salão transparente em proscênio e põe o público lá junto da arena com os atores.
Logo na entrada vi uma moça dirigir-se ao cardeal Cristoforo Madruzzo. Sua amiga ainda segurava a sacola com lembranças adquiridas na loja do museu. Em outras circunstâncias talvez fosse pouco adequado comparecer a uma audiência com sua eminência de short assim curto, com as pernas à mostra, mas aqui pode. Ela acena para o alto em direção ao rosto do pontífice. Em resposta ele estende a mão direita para receber seu ósculo respeitoso, mas aí ele nota minha aproximação e desvia o olhar para mim. Elas não usam black-tie, mas os limites adequados de decoro estão resguardados por uma faixa branca colada no chão. A superioridade dele é garantida por um digno supedâneo cúbico de concreto. No meio do coro de visitantes as duas são recebidas pelo alto prelado em audiência privada. Mas talvez não. Pode ser que a distração da personagem purpurada se deva ao fato de que ele percebeu que não é ele que as interessa. Notou que as visitantes querem, na verdade, abraçar a Tiziano, que pintou a tela. Se quisermos, ele também vive nesse espaço entre o céu e a terra que é concedido à suspensão da descrença... Ou não.
Foi a porta do elevador que fez as vezes da cortina que se abre. Quando o ascensor termina o trajeto que suspende os corpos do vão livre até o terceiro piso, um mecanismo abre a porta metálica e suspendem-se os limites entre público e imaginação.
A modo de corifeu, um texto na parede explica a curadoria:
a dimensão política das propostas [de Lina] é sugerida pela galeria aberta, transparente, fluida e permeável que oferece múltiplas possibilidades de acesso e leitura, elimina hierarquias, roteiros predeterminados e desafia narrativas canônicas da história da arte. O gesto de retirar as pinturas da parede e colocá-las nos cavaletes aponta para a dessacralização das obras tornando-as mais familiares ao público.
Estamos naquela condição que Coleridge consagrou como “suspensão da descrença” – indispensável concessão provisória para deixar fluir o jogo teatral. Mas claro que isso seria possível contra o suporte opaco de um museu convencional. Tantas vezes meu devaneio me levou em odisséias diante de peças expostas em paredes habituais. Mas a verdade é que na visita a esta exposição vi gente interagindo com as artes expostas com uma rara aproximação. A transparência dos cavaletes é que excita tanta sobrecarga de informação, que encoraja a gente a conversar com o acervo.
Canto
A sala tem quatro cantos. Num canto do museu ouvi sereias que me paralisaram. Um canto de museu canta uma ária concreta: encontro do vidro e do concreto. O canto é aria. Aria é ar, sopro...a flauta de Exu.
Um
Um entre muitos é o Masp.
Entre as mais importantíssimas coleções de arte do mundo o Masp é apenas um. O modo de expor inventado pelos mesmos inventores da coleção original e da idéia deste museu o torna único.
Grande parte das peças expostas nos museus do mundo não foi concebida para ficar em um museu. Muitos sequer foram criados originalmente como obras de arte. Foram os museus que inventaram o moderno conceito de arte. É quando um grande crucifixo de Cimabue é posto na leiga parede do Uffizi que ele deixa de ser um objeto devocional para virar arte. Foi assim como o Exu Iorubá que o Masp acabou resignificando com uma vitrine expositiva. Grandes crucifixos foram concebidos para serem pendurados nos vãos transparentes das catedrais. Os museus antigos decidiram expô-los contra paredes opacas. Foi uma violência necessária para que nossa noção de arte fosse forjada.
Foi dessa violência necessária que surgiram os conceitos com que enfrentar os enigmas da arte: estilo, escola, período, nacionalidade, autoria. Essas categorias guardam memória daquela violência. É, precisamos dessa classificação para entender o lugar de cada peça no acervo do Masp...ou não.
Já muitas máquinas de escrever e automóveis têm sido expostos nos museus contemporâneos ao lado de clássicas pinturas. O museu, suspendendo a sacralidade de ídolo ressaltara as qualidades artísticas daquilo que hoje chamamos de escultura grega. Suspendendo agora a compreensão utilitária da máquina revela que ela pode ser entendida como arte. Olhando de novo o canto do fundo da sala do Masp revejo, sobre o AR de Gershman, o duto branco de ar-condicionado e repenso suas qualidades plásticas. Pensando no ar que sopra nos dutos mecânicos deparo novamente com Exu que aviva sua flauta.
Um entre muitos, é o jeito de arrumar o acervo. A disposição das peças na mostra atual constitui apenas uma das incontáveis composições possíveis das peças. Em cada arranjo, cada visitante engendrará uma intriga...ou não.
Totum pro parte. No fragmento há uma insinuação de totalidade; a fração acende nos visitantes saudades do todo. Há possíveis vislumbres de Ordem no ato de desordenar os ordenamentos consagrados. Eles tornam cada canto e cada meio da sala suspensa no último andar do Masp numa particular ordem in progress. Cada vista do conjunto inventa (ou não) uma imagem provisória de um precioso acervo em transformação.
sobre o autor
Gustavo Rocha-Peixoto é professor titular da UFRJ, historiador e crítico da arquitetura e do patrimônio cultural.
notas
NE — O autor dedica o texto a Ana Luiza Nobre
1
ZEIN, RUTH Verde. Desculpe, mas isso é um museu?. Summa+, 140 Buenos Aires, fevereiro 2015, p.138.
2
Idem
3
Giovanni Reale, Léxico da Filosofia Grega e Romana. São Paulo, Loyola, 2014, p. 28.
4
ANELLI, Renato, Origens e atualidade da transparência no Masp. In PEDROSA, Adriano e PROENÇA, Luiza. Concreto e cristal: o acervo do Masp nos cavaletes de Lina Bo Bardi. São Paulo, Masp, Cobogó, 2015.
5
Exposição intitulada Maneiras de expor, arquitetura expositiva de Lina Bo Bardi.
6
GERSHMAN, Rubens. In GERSHMAN Clara (org). O rei do mau gosto São Paulo: J. J. Carol, 2013.
7
Enciclopédia Itaú Cultural <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8878/agostinho-batista-de-freitas> acesso em 29/1/16.
8
LIMA, Zeuler. Lina Bo Bardi Curadora: uma vida em montagem. In Museu da Casa Brasileira. Maneiras de expor, arquitetura expositiva de Lina Bo Bardi. São Paulo, Museu da Casa Brasileira, 2015.