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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
A proposta deste artigo é discutir a experiência pedagógica no ensino de estruturas na disciplina Projeto do Espaço do Trabalho, ateliê integrado de projeto do 3o período do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio.

english
This paper discusses the pedagogical experience of structural teaching in the Work Space Design Studio, discipline lectured through the 3rd semester of the Architecture and Urbanism Undergraduate Program at PUC-Rio.

español
La propuesta de este artículo es discutir la experiencia pedagógica en la enseñanza de estructuras, en la asignatura de Proyecto del Espacio del Trabajo, taller integrado de proyecto del tercer período del Curso de Arquitectura y Urbanismo de la PUC-Rio.


how to quote

AGUIAR, Monica; SPENCER, Carlos Eduardo; FAVERO, Marcos. Da ideia à matéria. Uma experiência pedagógica no ensino de estruturas em ateliê integrado de projeto. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 213.05, Vitruvius, fev. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.213/6900>.

Como contribuição ao debate sobre o ensino de estruturas em escolas de arquitetura, assunto que há várias décadas instiga professores por sua complexidade, este trabalho discute a experiência no ensino de estruturas no ateliê integrado Projeto do Espaço do Trabalho, disciplina do 3° período do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CAU/PUC-Rio), no período 2012-2016. Implementado em 2003, este ateliê tem, desde 2006, como uma questão central a relação entre o ensino de projeto de arquitetura e o de estruturas.

Conforme o Projeto Pedagógico (1) do Curso o aprendizado nos ateliês de projeto caracteriza-se pela integração de saberes, ou conteúdos, na terminologia correntemente adotada, configurando ateliês integrados – estratégia, no caso do Projeto do Espaço do Trabalho, intrinsecamente associada ao conceito reflexão-na-ação, que Donald Schön descreve como “tentativas de colocar de forma explícita e simbólica um tipo de inteligência que começa por ser tácita e espontânea”. (2)

Neste contexto, o ensino de estruturas, tendo como referencial teórico-metodológico a fenomenografia, conforme explicitado por Freire, (3) está organizado com o propósito de criar um ambiente onde as informações que fazem parte do conteúdo programático são caracterizadas, pelos professores de estruturas, de acordo com Taleb, (4) como agentes estressores. Para tanto, são realizadas aulas teóricas, trabalho de campo e orientações com ênfase na articulação do projeto de arquitetura com o estrutural, atividades conduzidas por professores com formação em Engenharia Civil em conjunto com outros professores do ateliê: arquitetos e urbanistas com expertise em projeto, representação ou teoria.

Projeto, corte, alunos M. Silva e J. Frenk, segundo semestre de 2016
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Projeto, maquetes, alunos M. Silva e J. Frenk, segundo semestre de 2016
Foto divulgação [Acervo dos autores]

É possível afirmar que a práxis desse ateliê está fundamentada nos conceitos de Schön, (5) uma vez que ao longo destes quatorze anos foram implementadas diversas mudanças como resposta aos problemas identificados, no que é por ele caracterizado como reflexão-na-ação recíproca, situação onde a “performance” do ateliê como um todo realimenta constantemente sua prática.

2012, além de marcar os dez anos do ateliê sob uma única supervisão e o início da transição desta – processo consolidado em 2013 (6) – caracteriza momento em que este passou a ter, em média, sessenta alunos por semestre e a participação da mesma equipe de professores: nove arquitetos e urbanistas, sendo quatro de projeto, um de teoria da arquitetura; três de representação; e um engenheiro civil. (7) Momento de reavaliação e adequação do projeto pedagógico, e sobretudo momento de verificação e validação da estratégia de ensino desse ateliê.

Especificamente, a partir de 2012, foi possível constatar um salto no que diz respeito ao ensino de estruturas no ateliê pela implementação pedagógica de concepções de aprendizagem com base na fenomenografia e, mais recentemente, pela apropriação do conceito de agente estressor.

Para problematizar como acontecem as dinâmicas internas dessa disciplina, e sobretudo o ensino de estruturas, é fundamental ter em mente que esse e todos os outros conteúdos ministrados – projeto, representação e teoria – se encontram articulados sob um único registro: a práxis do ateliê integrado. Justifica-se, portanto, contextualizá-lo primeiro como um todo.

O ateliê integrado Projeto do Espaço do Trabalho

Ateliê integrado, projeto pedagógico e estrutura curricular

O ateliê Projeto do Espaço do Trabalho está inserido em uma estrutura curricular elaborada a partir do Projeto Pedagógico no qual o Programa de Projetos, constituído por 10 ateliês integrados, é caracterizado como um processo de complementaridade entre diversos saberes envolvidos no projeto, organizados de modo específico, conforme a demanda de cada período, em termos de programa, participação de professores e avaliação. A ideia fundamental é que teoria e prática se integrem sob a orientação de equipes multidisciplinares.

Para esta discussão é importante observar que, no currículo do Curso, as três disciplinas dedicadas ao ensino de Estrutura são ministradas a partir do 5operíodo, dois semestres após o período no qual é oferecida a disciplina em questão.

A ideia de projeto como conceito operativo central

A disciplina explora as relações físico-espaciais no processo de projeto a partir de três condicionantes: ideia, cidade e programa que ancoram, metodologicamente, a construção de um conceito operativo central: a ideia do projeto, com o objetivo de proporcionar consistência a este processo desde os primeiros croquis até os detalhes construtivos.

Os conteúdos que integram esse ateliê – projeto, representação, teoria e estrutura – operam associados àquela ideia, fazendo com que as decisões tomadas pelos alunos, relacionadas à implantação do edifício e contexto urbano, concepção do sistema forma-espaço-estrutura, tipo de representação gráfica e elaboração de modelos físicos tridimensionais, estejam operando de acordo com essa ideia, no sentido de buscar o maior grau de pertinência e identidade entre os “elementos em jogo”.

Frente a esta realidade, o ensino de estruturas se organiza dentro de um pensamento único, onde o processo de concepção estrutural está atrelado ao conceito que rege a materialização do projeto em todas as suas fases.

Arquitetura-estrutura-arquitetura

O ensino de estruturas nesse ateliê tem como objetivo inicial provocar os alunos a buscarem, pela primeira vez, consistência estrutural para seus projetos. Essa condição impõe um desafio ao professor de estruturas, que precisa apresentar a complexidade do tema a alunos que ainda não possuem o embasamento teórico-conceitual necessário para esse aprendizado. Fato determinante para implementação de uma abordagem pedagógica específica, de introdução dos fundamentos conceituais e práticas que servirão de orientação à análise e solução estrutural dos exercícios a serem desenvolvidos. Considerando o projeto de arquitetura como um sistema complexo, procura-se enfatizar que a concepção estrutural é determinante para a sua materialização. Cada problema estrutural é caracterizado como um agente estressor, no sentido de pressionar a criatividade dos alunos em busca de soluções pertinentes à materialização da ideia do projeto. Em orientações progressivas (não necessariamente uma progressão linear), desde a fase inicial do projeto até sua conclusão, a interface entre o projeto de arquitetura e a solução estrutural provoca questionamentos que direcionam o processo criativo do aluno.

Cada configuração arquitetura-estrutura-arquitetura é reelaborada caracterizando um processo contínuo e retroalimentador, sempre associado à ideia do projeto. Este “refazer permanente” está fundamentado no conceito de reflexão-na-ação, à prática do aprender fazendo, que se inicia com a simples capacidade dos alunos em seguirem instruções e se desdobra em construções de significado ao longo do processo, mas perceptíveis sobretudo no momento da apresentação final de seus projetos

A prática do ensino prático no ateliê integrado Projeto do Espaço do Trabalho

O processo de reflexão-na-ação, no ateliê, é estruturado didaticamente por meio de dois exercícios: Análise Projetual e Projeto.

Análise Projetual

O objetivo deste primeiro exercício é fazer com que os alunos compreendam uma obra arquitetônica como referência projetual. Com duração de sete semanas, é realizado em grupos de cinco alunos e está pautado em dois momentos: 1. análise gráfica e tridimensional, a partir da confecção de desenhos, redesenhos e modelos físicos; 2. extração de conceitos provindos de uma reflexão crítica sobre determinada obra (pré-selecionada pelos professores), exigindo a apreensão da ideia do projeto.

Análise projetual, isométrica categoria tectônica, Casa 127, H Arqu., Espanha, 2006. Alunos B. Costa, C. Garcia, C. Lima, F. Abreu e N. Ferreira, primeiro semestre de 2014
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Análise projetual, conceitos arquitetônicos, Casa Ladrilhos, V. Virzi, Argentina, 2011. Alunos I. Soares, J. Pereira, M. Silva, A. Liesegang e M. Martins, segundo semestre de 2016
Foto divulgação [Acervo dos autores]

A análise é pautada em quatro categorias: implantação, morfologia, espacialidade e tectônica, apresentadas metodologicamente como filtros, porém sem estanqueidade. Procura-se que os alunos compreendam a importância de um olhar sistêmico sobre determinada obra, imprescindível para refletir sobre a articulação entre cidade, forma, espaço e estrutura. Neste sentido, a categoria tectônica, relacionada à materialidade da obra, pressupõe a identificação do seu sistema construtivo e estrutural como algo intrínseco a ideia do projeto.

Análise projetual, maquetes categoria tectônica, New Studio, I. Studio, Inglaterra, 2014. Alunos J. Azevedo, J. Tabet, M. Nascimento e M. Amoedo, segundo semestre de 2014
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Projeto

Consiste no projeto de um edifício de médio porte, com quatro ateliês para artistas e uma área expositiva, na cidade do Rio de Janeiro, sendo três as condicionantes colocadas como possíveis geradoras da “boa forma arquitetônica”: ideia, cidade e programa ou, nos termos de Bernard Tschumi, conceito, contexto e conteúdo,  que não são tratadas de modo hierárquico, mas sim pela exploração da relação entre elas, que pode ser de indiferença, reciprocidade ou conflito. (8)

Com duração de dez semanas e realizado em duplas de alunos, caracteriza-se por duas etapas: 1. exploração do contexto e configuração de estratégias projetuais, cujo fechamento é um pin-up  (9) denominado Estratégia-Implantação; 2. tectônica, com ênfase na concepção do sistema estrutural do edifício e sua pertinência em relação à ideia do projeto, etapa marcada pelo pin-up Tectônica, no qual o professor de estruturas é peça chave.

Ideia e matéria

A ideia de tectônica como algo capaz de representar a transição entre o plano conceitual e material e ancorar a relação entre a ideia do projeto e os aspectos referentes à sua materialização é questão fundamental nos exercícios Análise Projetual e Projeto. Interessante notar que, no primeiro exercício os alunos analisam uma obra construída e a partir desta análise extraem uma ideia relacionada ao campo da arquitetura. Já no segundo, o caminho é inverso: constrói-se um conceito operativo que será materializado no espaço.

Análise projetual, maquete-ideia, Galeria Leme, Paulo Mendes da Rocha, Brasil, 2012. Alunos M. Eduarda, N. Cruz, R. Vieira, T. Villar e L. Gaspar, segundo semestre de 2013
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Projeto, maquete, alunos B. Valente e L. Nogueira, primeiro semestre de 2016
Fotos divulgação [Acervo dos autores]

Metodologia do ensino de estruturas

Compreensão intuitiva como primeira estratégia

Por se tratar do primeiro momento de “enfrentamento” do aprendizado de estruturas, considerando a especificidade deste em um curso de arquitetura, procura-se inicialmente incentivar nos alunos o desenvolvimento intuitivo de um saber estrutural, simultaneamente ao aprendizado de um vocabulário de termos técnicos e de elementos de representação gráfica específicos do projeto estrutural.

O emprego, pedagógico, da compreensão intuitiva de fenômenos torna-se aqui estratégia fundamental. Intuitivamente é possível compreender o que não é inteligível em um primeiro momento; considerando inteligível o conhecimento fruto da elaboração do pensamento estratificado em premissas conceituais e lógicas, organizadas intelectualmente, e intuitivo o conhecimento que se constrói através dos sentidos e da apropriação de experiências.

Em associação a essa proposta entende-se que os conceitos definidos por Schön, como reflexão-na-ação, atenção operativa, ação exploratória, testes de ações e testes de hipóteses, devem também ser explorados no âmbito do ensino de estruturas:

Quando o profissional reflete-na-ação, em um caso que ele percebe como único, prestando atenção ao fenômeno e fazendo vir à tona sua compreensão intuitiva dele, sua experimentação é, ao mesmo tempo, exploratória, teste de ações e teste de hipóteses. As três funções são preenchidas pelas mesmas ações. E desse fato deriva o caráter distintivo da experimentação prática. (10)

O desafio de aprender fazendo é vivenciado através do exercício de conceber uma estrutura sem saber o que isso significa de forma inteligível, o que pode parecer um paradoxo. 

Procura-se, portanto traçar uma estratégia pedagógica que permita tal aprendizado conforme pressupõe o caráter interdisciplinar e integrador do ateliê, onde, de acordo com Schön, “a busca efetiva pela convergência de significado depende de aprender a tornar-se eficiente na prática do ensino prático”. (11) Entende-se, com essa proposição, que os objetivos só serão atingidos com o aprimoramento tanto da prática do ensino, relacionada sobretudo ao professor, como da prática do aprendizado, na qual o aluno é figura central. O encontro dessas duas práticas, que são dialógicas porém intercambiantes no processo de ensino-aprendizagem, é determinante para a convergência de significados.

A prática do ensino prático de estruturas nesse ateliê se apoia fortemente, de maneira associada a uma investigação intuitiva, no vínculo entre professor e aluno, onde as questões estruturais, no caso compreendidas como agentes estressores de projeto, vão sendo introduzidas, passo a passo, dentro do contexto de desenvolvimento do projeto arquitetônico.

Nos momentos iniciais desse diálogo procura-se estabelecer uma relação de confiança entre aluno e professor, em que aquele aceita o conhecimento e a experiência deste como base para o início do processo, portanto, uma atitude caracterizada como atenção operativa. Esta “escuta” por parte dos alunos permite que iniciem o projeto a partir de alguns conceitos que podem não ser entendidos em sua totalidade, porém são aceitos como válidos. Espera-se que o processo de projeto e, mais especificamente, o enfrentamento dos problemas relacionados a este produza, no contexto dessa relação dialógica, a convergência de significados necessária à consolidação do conhecimento.

Reflexão-na-ação e autoreflexão

O ato de aprender, dentro de uma perspectiva fenomenográfica, permite que as concepções de aprendizagem formuladas pelos alunos neste processo sejam também colocadas em discussão, no sentido de promover uma reflexão enfatizando a necessidade de uma percepção consciente relacionada a um aprendizado autoreflexivo, ou seja, um autoaprendizado. (12)

O estímulo ao autoaprendizado, com ênfase na consciência do que seria o ato de aprender através da pesquisa, do ouvir e do fazer, passa a ser parte integrante da rotina de busca para a solução de problemas. Dentro do espectro de uma concepção qualitativa de aprendizagem procurou-se adotar a seguinte ideia: “Os estudantes devem adquirir instrumentos que lhes possibilitem responderem o mais eficientemente possível as novas situações, privilegiando a aquisição de competências, muito mais do que a aquisição de conteúdos.” (13)

Consequentemente, procura-se atuar de forma que o aluno também perceba seu papel no processo de aprendizagem como agente reflexivo e experimentador.

O ensino de estruturas no ateliê integrado Projeto do Espaço do Trabalho

O ensino de estruturas no ateliê se inicia a partir de uma espécie de paradoxo: o enfrentamento de um ensino que começa pelo que deveria ser o fim. Tradicionalmente, para se projetar uma estrutura, toda uma base de conhecimentos deveria estar formada para que, uma vez articulados racionalmente, estes fossem aplicados no processo de ensino-aprendizagem.

Uma vez que a realidade desse ateliê não corresponde a esta premissa, foi necessário traçar uma estratégia específica para o ensino de estruturas, caracterizada pelos seguintes marcos: um trabalho de campo, duas aulas expositivas, uma banca intermediária de avaliação do processo e a avaliação do projeto em banca realizada ao final do semestre letivo. O ensino de estruturas aplicado aos exercícios é abordado com enfoques distintos, porém interrelacionados:

Exercício 1- Análise Projetual: focado no conceito de atenção operativa;

Exercício 2- Projeto: focado nos conceitos de reflexão-na-ação e agente estressor.

Análise Projetual e ensino de estruturas

O ensino de estruturas começa na terceira aula do semestre, quando os alunos já dedicaram doze horas de trabalho, em sala, ao exercício Análise Projetual. Neste primeiro encontro com o professor de estruturas, cada grupo apresenta a obra selecionada e o andamento das respectivas análises: conceitos (texto), desenhos, diagramas e maquetes. Encontro onde muitas dúvidas são colocadas, uma vez que nem sempre as fontes de pesquisa disponibilizam informações estruturais consistentes; e mesmo que disponibilizassem, estas nem sempre seriam plenamente compreendidas.

Análise projetual, maquete, Handmade School, A. Heringer, India, 2007. Alunos C. Rocha e grupo, primeiro semestre de 2016
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Análise projetual, modelos comparativos executados para verificação da capacidade resistente à deformação de uma viga com 1 elemento e outra com 4 elementos, Handmade School, A. Heringer, India, 2007. Alunos C. Rocha e grupo, primeiro semestre de 2016
Foto divulgação [Acervo dos autores]

No contexto da categoria tectônica, cada obra é analisada observando aspectos do sistema estrutural, materiais utilizados, processo construtivo e, principalmente, a relação entre concepção arquitetônica e solução estrutural. Esta fase do exercício é propícia à introdução de fundamentos estruturais, em um movimento de atenção operativa. Mesmo que os fundamentos não sejam compreendidos de forma inteligível, pois os alunos ainda não tiveram qualquer aula sobre sistemas estruturais, estes podem ser assimilados de forma fenomenológica. Neste sentido, conceitos fundamentais como esforços de compressão, tração e flexão são colocados em discussão configurando oportunidade onde os alunos podem confrontar o aprendizado de estruturas com a prática do projeto.

Análise projetual, maquete estrutural, Residência Mendes André, Vilanova Artigas, Brasil, 1966. Alunos C. Oliveira, C. Jesus, K. Poletto, R. Fonseca, T. Brito, segundo semestre de 2014
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Análise projetual, maquete estrutural, Naked House, Shigeru Ban, Japão, 2000. Alunos A. Xavier, C. Leal, A. Rezina, G. Paiva, G. Chagas
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Instrumentalizando a investigação, maquetes estruturais das obras analisadas são elaboradas – tanto como processo quanto como produto – para que a relação entre arquitetura e estrutura possa ser explorada tanto no aspecto morfológico quanto no estruturante propriamente dito.

Conceitos mais complexos como estabilidade global das construções, propriedades mecânicas dos materiais, fenômenos como retração e dilatação, fundações e relações com o perfil geológico do terreno também são abordados, sempre considerando o conceito de atenção operativa, permitindo o contato com diversos temas da Engenharia Estrutural, instigando a curiosidade e preparando o “ambiente” para as duas aulas teóricas de estruturas, base para o desenvolvimento do Projeto.

Projeto e ensino de estruturas

A discussão sobre estruturas no Projeto, exercício com duração de dez semanas, se dá a partir da quarta semana, momento no qual os alunos já defiram as respectivas estratégias projetuais. Momento que deve ser avaliado criteriosamente, visto que um pensamento estrutural consistente também deve pautar as tomadas de decisão precursoras dessas estratégias. Fato que levou à constatação de que a entrada do professor de estruturas neste exercício tem acontecido de maneira “tardia”, promovendo entre os alunos uma associação indevida: o início da participação do professor de estrutura no exercício com o momento de “entrada” da estrutura no projeto de arquitetura, denotando necessidade de revisão do cronograma (timing) de participação dos diversos professores ao longo do exercício. 

Aulas teóricas: fundamentos e sistemas estruturais

A participação do professor de estruturas no exercício Projeto inicia-se com 2 aulas teóricas: Fundamentos Estruturais e Sistemas Estruturais; ambas com abordagem ilustrativa e qualitativa.

Fundamentos Estruturais, cujo foco é o reconhecimento como vetor pedagógico de aprendizagem, tem como objetivo introduzir conceitos fundamentais como: função da estrutura na arquitetura, tipos e direções de carregamentos usuais, caminho de cargas e esforços solicitantes. Edificações que fazem parte do cotidiano dos alunos, como os edifícios da própria Universidade, pontes e viadutos do entorno, bem como obras de arquitetura de referência, configuram material para uma análise de reconhecimento estrutural.

Neste sentido, é possível, por um lado, conceituar esforços de compressão de forma abstrata, relacionada ao estudo da Física, através de esquemas de vetores de força com mesma direção e sentidos opostos atuando longitudinalmente em uma haste, e por outro, conceituar a compressão, empiricamente, por meio de exercícios feitos com paralelepípedos de espuma. Por desdobramento, estes conceitos podem ser associados aos pilares e sua função de suporte em uma edificação, utilizando obras construídas para ilustrar, por exemplo, esforços de compressão, tração, flexão, entre outros.

Palácio Gustavo Capanema, Lúcio Costa e equipe, Rio de Janeiro, 1936, exemplo de compressão
Foto Marcos Leite Almeida [Wikimedia Commons]

Centro Administrativo de Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 2003, exemplo de tração e compressão
Foto Leo Drumond [Flickr Creative Commons]

Museu de Arte de São Paulo - Masp, Lina Bo Bardi, 1947, exemplo de flexão
Foto Benjamin Thompson [Wikimedia Commons]

Sistemas Estruturais é dedicada à exposição dos sistemas de alvenaria, concreto armado, aço e madeira. A partir de obras construídas, estes sistemas são caracterizados tendo em vista sobretudo a adequabilidade e pertinência em relação aos respectivos projetos arquitetônicos. 

Fundação Iberê Camargo, Álvaro Siza, Porto Alegre, 2001
Foto Fernando Stankuns [Flickr Creative Commons]

Centro George Pompidou, Renzo Piano e Richard Rogers, Paris, 1977
Foto Carlos E. Spencer [Acervo do autor]

Metropol Parasol, Jürgen Mayer, Sevilha, 2011
Foto Monica Aguiar [Acervo do autor]

Ao ilustrar a aula com edificações construídas utilizando os sistemas mencionados, além da análise destes, procura-se destacar a escolha de determinado sistema do ponto de vista da adequabilidade aos esforços solicitantes, bem como a pertinência do emprego do mesmo em função da ideia do projeto de arquitetura, enfatizando a categoria tectônica trazida à discussão no exercício Análise Projetual.

Além disto, são apresentados parâmetros “clássicos” de pré-dimensionamento estrutural, que relacionam os vãos a serem vencidos com os elementos estruturais dos sistemas apresentados. Trata-se de instrumentalizar os alunos com ferramentas que permitam uma primeira aproximação ao projeto estrutural. A proposta não é “dar conta” do cálculo de esforços e dimensionamento de elementos estruturais, assuntos que serão abordados nas disciplinas Sistemas Estruturais I, II e III, mas sim permitir que a concepção arquitetônica esteja acompanhada de consistência estrutural, baseada no aprimoramento das noções de ordem de grandeza das cargas, relação de proporcionalidade entre o vão a ser vencido e as dimensões de vigas e lajes, bem como a relação entre o pé-direito e a esbeltez de pilares.

A avaliação específica do conteúdo estrutura, durante a segunda etapa da disciplina, caracterizada pelo exercício Projeto, também faz parte da evolução do processo de ensino-aprendizagem do ateliê ao longo dos últimos cinco anos, uma vez que, nos anos iniciais, este conteúdo, diferentemente de projeto, representação e teoria,  não era avaliado. Foi possível constatar uma diferença de valoração deste conteúdo, e mais especificamente do sistema estrutural no desenvolvimento do projeto arquitetônico. Fato que configurou oportunidade para uma tomada de consciência por parte dos alunos, na medida em que estrutura passou efetivamente a ser considerada “matéria”, portanto (mesmo que de maneira “induzida”) colocando-os numa situação onde o comprometimento de suas atuações passa a ser dirigido por suas próprias concepções de aprendizagem.

Trabalho de campo

Consiste em uma pesquisa realizada in loco pelos alunos, tendo como base edificações que fazem parte do cotidiano destes, cujo objetivo é a caracterização dos respectivos sistemas estruturais. Edificações em locais usualmente frequentados por eles, porém vivenciadas sem um olhar atento para a questão estrutural, passam a fazer parte de uma realidade incorporada ao aprendizado, em uma eficiente prática fenomenográfica.

Feito um primeiro reconhecimento, através de registro fotográfico e desenhos próprios – o que da ênfase a questão fenomenológica do processo – solicita-se a identificação dos esforços preponderantes, como compressão, tração, flexão e torção, bem como questões relacionadas às aulas de Fundamentos Estruturais e de Sistemas Estruturais. Processo cujo resultado tem sido bastante positivo, pois as observações dos alunos denotam uma transformação qualitativa. O que antes era “descompromissado”, depois desta experiência, incorpora outro olhar, nitidamente “carregado” de outros significados.

Trabalho de campo, alunos A. Liesegang, A. Martins, segundo semestre de 2016
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Em sintonia com as premissas da teoria fenomenográfica, pode-se considerar que a experiência proporcionada por esse trabalho participa ativamente na reconstrução do pensamento dos alunos, no que diz respeito ao pensamento estrutural, pois: “Para a fenomenografia, a aprendizagem é uma mudança qualitativa na forma de uma pessoa ver, conceitualizar, experienciar e compreender algo no mundo real.” (14)

Orientação de projetos: a estrutura como agente estressor

A primeira orientação dos alunos tem como característica a introdução de um problema a ser resolvido: a experiência estrutural, que até então foi vivenciada por meio da análise de projetos existentes, aulas teóricas e trabalho de campo, não dá conta de resolver as singularidades do projeto, fruto de criação própria. É nesse contexto que a estrutura vai se configurar como agente estressor do projeto.

A primeira aplicação do conceito de agente estressor se dá quando os alunos apresentam ao professor de estruturas os projetos de arquitetura que estão começando a elaborar. Frequentemente os primeiros croquis estão associados a vãos enormes, pés direitos reduzidos, materiais estruturais indefinidos. A orientação tem como objetivo colocar o problema estrutural particular de cada projeto dentro do contexto do que foi vivenciado nas aulas teóricas e no trabalho de campo através de analogias com as estruturas observadas até então. As associações trazem para cada um dos projetos, a consciência da necessidade de enfrentamento do problema, bem como os possíveis desdobramentos para o projeto como um todo, enfatizando a existência de uma tensão direcionadora de ações a serem incorporadas ao processo criativo.

Projeto, maquete, alunos J. Silveira S. Projeto Costa, primeiro semestre de 2014
Foto divulgação [Acervo dos autores]

A questão se apresenta inicialmente pela configuração dos vãos a serem vencidos pela estrutura. Até esse momento, os problemas estruturais não foram considerados, apesar do “esforço dedicado” durante o exercício Análise Projetual. A partir daí, será colocada em discussão a relação entre a estratégia projetual e a solução estrutural correspondente. A maioria dos alunos não consegue, em um primeiro momento, alcançar a importância dessa relação. Procura-se trazer à discussão a pertinência destas decisões ao confrontá-los com as soluções estruturais que estas escolhas demandam, bem como a interferência que esta estrutura terá na arquitetura ainda pensada de maneira autônoma, sem um sistema estrutural intrínseco a sua criação.

Projeto, planta, alunos T. Fernandes e I. Colares, primeiro semestre de 2016
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Projeto, maquete, alunos T. Fernandes e I. Colares, primeiro semestre de 2016
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Projeto, maquete, alunos T. Fernandes e I. Colares, primeiro semestre de 2016
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Nesse sentido, ao se discutir as implicações estruturais de um vão extraordinário, como a altura necessária das vigas para viabilizá-lo, além do próprio processo construtivo, começa-se a “estressar a concepção arquitetônica”, uma vez que a interferência deste elemento estrutural vai alterar a relação forma-espaço do projeto. O posicionamento adequado de pilares, sem mencionar a própria existência deles, diminuindo os vãos a serem vencidos e proporcionando alturas de vigas menores, traz para o projeto novos elementos que, como agentes estressores, vão interferir na concepção arquitetônica. Alguns alunos assumem a presença dos elementos estruturais (pilares, vigas etc) no espaço projetado; outros compatibilizam os pilares com as vedações, por fim alguns preferem assumir as consequências estruturais de suas decisões, mesmo que seja preciso incorporar elementos não previstos inicialmente no projeto, como treliças; porém todas estas “situações” são discutidas de maneira que estes, conscientemente, possam tirar partido destas no desenvolvimento dos respectivos projetos como um sistema complexo que deve, idealmente, articular forma-espaço-estrutura.

Projeto, maquete, alunos B. Valente, L. Nogueira S., Garcia e S. Simas, segundo semestre de 2015
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Projeto, maquete, alunos B. Valente, L. Nogueira S., Garcia e S. Simas, segundo semestre de 2015
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Na mesma linha de raciocínio, outra informação configurada como agente estressor é o material estrutural escolhido para o desenvolvimento dos projetos. Estruturas metálicas, de madeira ou de concreto direcionam diferentemente a concepção arquitetônica, implicando em sistemas de vedação, detalhamento e processos construtivos específicos. Por exemplo, os alunos que resolvem escolher estruturas metálicas são estimulados a pensar criteriosamente o processo construtivo e a elaborar maquetes estruturais que representem bem essa escolha.

Projeto, maquete, alunos F. Brulher e L. Soares, segundo semestre de 2015
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Projeto, maquete, alunos F. Brulher e L. Soares, segundo semestre de 2015
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Projeto, maquete, alunos F. Brulher e L. Soares, segundo semestre de 2015
Foto divulgação [Acervo dos autores]

Fica estabelecida então, a partir desses agentes estressores, uma nova realidade projetual. Em função deste “stress retroalimentador" no projeto a partir da introdução dos elementos estruturais, os alunos são instados a reestudar suas ideias iniciais por meio de um refazer de croquis, diagramas e maquetes do projeto e de elementos estruturais específicos, na busca por pertinência de soluções, aprimoradas aula a aula, até o momento da finalização do exercício Projeto, cujo marco de fechamento é a apresentação, discussão e avaliação durante banca realizada no final do semestre letivo.

Considerações finais

Este trabalho procura compartilhar a experiência de ensino de estruturas na disciplina Projeto do Espaço do Trabalho, ateliê integrado do 3operíodo do CAU/PUC-Rio, no período 2012-2016. O ensino de estruturas, intrinsecamente alinhado com a estratégia pedagógica deste ateliê, além de estar fundamentado no conceito de reflexão-na-ação, trouxe como contribuição a aplicação da fenomenografia e do conceito de agente estressor. Reconhece-se que nesse processo de ensino-aprendizagem, apesar dos êxitos obtidos, os ajustes são e devem ser permanentes.

Especificamente, além de maior participação no exercício Análise Projetual, especialmente no que diz respeito à avaliação dos trabalhos, percebe-se a necessidade de reforçar o momento de entrada do ensino de estruturas no exercício Projeto, isto é, durante o processo de concepção do projeto arquitetônico, pois, em função do cronograma atual, os alunos têm associado este momento como o de “entrada” da estrutura no projeto; quando idealmente esta deveria ser uma questão intrínseca à definição de qualquer estratégia de projeto no âmbito do ateliê.

Como resultante de um processo de reflexão-na-ação recíproca percebe-se que tanto a fenomenografia como o conceito de agente estressor retroalimentaram a práxis desse ateliê, pois a metodologia aplicada inicialmente apenas ao ensino de estruturas foi incorporada pedagogicamente ao ateliê como um todo. Essa reciprocidade de processos também pode ser constatada através do aprimoramento de procedimentos ocorrido ao longo dos últimos cinco anos, durante os quais as falhas observadas geraram ajustes que redirecionaram as práticas. Ajustes que são intrínsecos a uma estratégia pedagógica dinâmica, pois denotam a qualidade da experiência que, para estar em consonância com sua própria natureza é sempre, e necessariamente, inacabada.

notas

1
CURSO DE ARQUITEUTURA E URBANISMO DA PUC-Rio (CAU/PUC-Rio). Projeto Pedagógico. Rio de Janeiro, 2001.

2
SCHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre, Artmed, 2000, p. 31.

3
FREIRE, Luiz Gustavo. Teoria fenomenográfica e concepções de aprendizagem. Revista Pedagógica, Chapecó, n. 22, jan./jun. 2009, p. 9-38.

4
TALEB, Nassim. Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos. Rio de Janeiro, Best Business, 2016.

5
SCHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre, Artmed, 2000.

6
Professores arquitetos Marcos Favero e Carlos E. Spencer, respectivamente.

7
Professora engenheira civil Monica Aguiar.

8
TSCHUMI, Bernard.  Concepto, Contexto, Contenido. Arquine, Cidade do México, vol. 34, 2005, p. 76-89.

9
Banca intermediária com o objetivo de discutir e avaliar os projetos em desenvolvimento (processo), na qual todos os trabalhos são expostos simultaneamente no ateliê.

10
SCHÖN, Donald. Op. cit, p. 65.

11
SCHÖN, Donald. Op. cit, p. 97.

12
FREIRE, Luiz Gustavo; DUARTE, Antônio Manuel. Concepções de aprendizagem em estudantes universitários brasileiros. Psicologia USP, São Paulo, v. 21, n. 4, 2010, p. 875-898.

13
FREIRE, Luiz Gustavo. Op. cit, p. 17.

14
FREIRE, Luiz Gustavo. Op. cit, p. 11.

sobre os autores

Monica Cavalcante de Aguiar é engenheira civil (UFF, 1981) com especialização em Tecnologias no Ensino Superior (CCEAD PUC-Rio, 2014), é, atualmente, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura (PPGArq) da PUC-Rio. Professora de estruturas no Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio desde 2012, e sócia do escritório Justino Vieira Monica Aguiar Projetos Estruturais desde 1983.

Carlos Eduardo Spencer é arquiteto e urbanista (FAU UFRJ, 1999) com mestrado em Urbanismo pela mesma instituição (PROURB FAU UFRJ, 2011). Professor de projeto no Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio desde 2009.

Marcos Favero é arquiteto e urbanista (FAU UFRJ, 1987) com mestrado e doutorado em Arquitetura pela mesma instituição (PROARQ FAU UFRJ, 2000 e 2009). Professor da PUC-Rio, atuando no PPGArq desde 2013, e no Curso de Arquitetura e Urbanismo desde 2002. Autor de Linhas Expandidas. Urbanismos de Fronteira: Brasil, Argentina e Uruguai (Ed. PUC-Rio, 2016).

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