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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
A análise de Public Space/ Two Audiences, de Dan Graham, propõe demonstrar como, a partir de uma operação artística, estruturas arquitetônicas influenciam a percepção e o comportamento e, eventualmente, uma autoconsciência identitária.

english
Dan Graham's Public Space/ Two Audiences analysis proposes to demonstrate how, from an artistic operation, architectural structures influence perception and behavior and, eventually, an identity self-awareness.

español
El análisis de Public Space/ Two Audiencias, de Dan Graham, propone demostrar cómo, a partir de una operación artística, las estructuras arquitectónicas influyen en la percepción y el comportamiento y, eventualmente, una autoconciencia identitaria.


how to quote

MASSON, Michel Nunes Lopes. Dan Graham. Dialéticas do vidro e autoimagem. Arquitextos, São Paulo, ano 20, n. 229.02, Vitruvius, jun. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.229/7301>.

Uma sala retangular em proporção áurea dividida na metade por divisória em vidro para isolamento termoacústico, configurando duas salas, visíveis de ambos os lados, com entradas independentes. Teto e paredes pintados de branco, com exceção da parede do fundo de uma das salas, revestida em espelho. Uma vez lá, deveria-se permanecer durante um período de 30 minutos com as portas fechadas. Após desenvolver desde 1969 uma série de videoinstalações a partir da permutação de espelhos, câmeras em circuito fechado de vídeo e monitores transmitindo imagens em delay, Dan Graham montou na Bienal de Veneza de 1976 (1) a instalação Public Space/Two Audiences. Atinando para o fato de que a Bienal era basicamente uma feira mundial como as Exposições Universais do século 19, com inúmeros pavilhões e um público amplo e anônimo, Graham num único lance acirra sua premissa pós-minimalista em focar o trabalho na relação entre a percepção e o comportamento do espectador, tidos como processos entrelaçados, que se retroalimentam, bem como efetua crítica institucional peculiar (2). 

Objetivamente, as pessoas localizadas na sala com espelho podiam dele se aproximar e observar sua própria imagem individualmente; recuar e obter perspectiva mais ampla, de modo a poder visualizar a sua relação com seu grupo, com o outro grupo ou ambos os grupos observando um o outro; elas podiam observar sua sala sem ser através do espelho; ou, finalmente, podiam olhar na direção do outro grupo e vê-lo através da fraca projeção das duas salas na superfície do vidro – que devido a sua espessura propiciava reflexos fantasmáticos –, sem que pudessem ver a sua própria imagem observando. As pessoas na sala oposta tinham experiência visual diferente: viam seu duplo reflexo, primeiro no vidro e depois, em menor escala, no espelho, e tendiam, em última instância, a olhar coletivamente numa única direção, vendo no espelho a imagem dos visitantes de ambas as salas como um corpo unificado (3). O que poderia parecer ser uma situação simétrica, porque ambos os grupos tendiam a ver o comportamento do outro como idêntico, revela-se uma impressão falsa. O espelho tendia a afetar os padrões comportamentais dos visitantes de ambas as salas, fazendo com que as situações perceptivas fossem distintas. Entretanto, algo valia para todos. A experiência de coabitar um espaço com estranhos envolvia um voyeurismo disfarçado; a reação geral dos visitantes era inicialmente olhar uns para os outros através do vidro, sem poder escutar o som da sala oposta e então imitar as ações como em uma dança (4).

Public Space tem duplo funcionamento. Segundo Graham, devido à assepsia de seus materiais e ao reducionismo de seus meios, um olhar apressado poderia interpretar o trabalho formalmente, como se o espaço fosse uma sala minimalista ou um pós-pavilhão de Mies van der Rohe, sobretudo quando experimentado por um único observador (5). A experiência coletiva, entretanto, demonstra o oposto. Ao contrário de qualquer caráter neutro, contemplativo – portanto, excluída a condição passiva típica do espetáculo (6) – o trabalho é um dispositivo funcional, no sentido de que a estrutura do espaço e as propriedades dos materiais demandam participação ativa e envolvimento; adicionam um aspecto performático e induzem comportamentos. Para tanto, basta o mínimo de dois visitantes.

A tendência é que os dois grupos se interliguem numa experiência unificada – mesmo que assimétrica – de autoconsciência social e psicológica, confluindo para o desenvolvimento de um senso de identidade comum, de certo modo, comparável à sensação de ficar preso num elevador (7). Trata-se do que, em termos sociológicos, denomina-se ajuntamentos e situações sociais, arranjos de indivíduos que envolvem a interação face a face, sujeitos a regras de conduta “que governam como uma pessoa lida com si mesma e com os outros durante (e por causa de) sua presença física imediata entre eles” (8).

"O observador torna-se consciente de si mesmo como um corpo, como um sujeito que percebe, e de si mesmo em relação ao seu grupo. Isto é o contrário da habitual perda do Eu quando o espectador olha para um trabalho de arte convencional. Ali, o Eu é mentalmente projetado no (identificado com o) tema da obra de arte. Nesse modo tradicional, contemplativo, o sujeito que observa não apenas perde a consciência do seu Eu, mas também de pertencer ao presente, a um grupo social, situado num momento específico e numa realidade social, ocorrendo dentro da moldura arquitetônica onde o trabalho é apresentado"(9).

Graham acirra o deslocamento de interesse do objeto de arte (discreto) para o observador (10), entendido aqui como corpo inscrito numa determinada situação espacial. Logo, fica claro para o artista que a moldura arquitetônica afeta diretamente as condições de interação social, estimulando ou inibindo atitudes, influenciando e condicionando a percepção das pessoas em relação a qual tipo de comportamento é possível ou apropriado. “Ela encoraja ou desencoraja a interação entre as pessoas, concede ou previne acessos, (estabelece) fluxos de movimento de modo particular, e assim por diante” (11). Ao modo das luzes fluorescentes de Dan Flavin, que iluminam o espaço e se projetam sobre aqueles que as olham, em Public Space os materiais – e a configuração da sala – atuam sobre o comportamento dos observadores, acionam mecanismos psicológicos, estruturando um “experimento demográfico ou sociológico em que se aprende a coexistir e interagir” (12). Segundo a descrição de Graham do projeto, “impossibilitados de compartilharem a experiência aural, presumivelmente cada público se torna consciente de suas comunicações verbais e, após um período, desenvolvem um sentido de coesão social e identidade de grupo”.

Suspeitando da autorreferencialidade da arte minimalista e da arquitetura moderna (13), o artista não assume seu experimento a partir da literalidade, pois não lhe interessa reduzir a percepção às propriedades físicas (materialidade, forma, transparência, reflexividade, etc.), supondo atingir o nível básico de relações autorreferentes. Muito pelo contrário. Ao modo dos “jogos de linguagem” de Ludwig Wittgenstein, sintetizado na divisa “o significado de uma palavra é seu uso na linguagem” (14), Graham emprega o vidro – e demais materiais – segundo os “jogos de linguagem da arquitetura”. Ou seja, para além da ideia de definição ostensiva (palavra = coisa), o significado é determinado pelas regras gramaticais que governam seu funcionamento na linguagem (15), as quais são, por sua vez, convenções públicas variáveis, instituídas contingente e circunstancialmente na prática social. Nesses termos, em Graham vidro é divisória, janela, vitrine, fachada e assim por diante. Sobre as convenções da janela de vidro, Graham discorre: 

"Mantido à distância, o mundo é enquadrado por uma visão convencional definida pelo tamanho, forma e orientação da abertura da janela. O que é permitido ser visto de um espaço para outro define uma visão socialmente (pré)-concebida. O que alguém de um lado da janela pode ver do outro espaço [...] é convencionalizado pelo código social/arquitetônico. [...] Uma janela parece ser simétrica [...], mas na verdade não é. A visão que um empregador tem do espaço de trabalho de seus empregados, em oposição a visão que os empregados têm do escritório de seu empregador, é assimétrica, pois expressa desigualdades de poder"(16). 

De praxe, em suas leituras Graham inscreve o vidro no quadro de referência das estruturas econômicas, políticas e ideológicas que regem o ambiente social, entendendo que formas e materiais evocam sentidos implícitos. Tal postura encontra ressonâncias na noção de dupla distância proposta pelo filósofo, historiador e crítico de arte francês Didi-Huberman. Em sua crítica a suposta transparência semiótica dos “objetos visuais tautológicos” minimalistas – representada pela máxima what you see is what you see de Frank Stella, o autor argumenta em favor da “cisão aberta em nós pelo que nos olha no que vemos”. Ou seja, para além da visualidade evidente, o ato de ver se inscreve numa economia visual fendida em que o sentido é também uma ausência. À revelia da rejeição de conteúdos ilusionísticos, representacionais ou figurativos, mesmo o “objeto mais simples a ver” não seria capar de reduzir a experiência visual a uma espécie de núcleo final elementar, puramente óptico e factual, visto que produziria uma “imagem que nos olha”. Tal imagem seria da ordem da perda momentânea de nossa certeza visível a seu respeito. Numa palavra, uma imagem dialética, portadora de latências e sentidos vestigiais, deflagradora de ficções e memórias, “capaz de repor em jogo e de criticar”, segundo Walter Benjamin, “o que ela fora capaz de repor em jogo” (17). Afinal, não seria Public Space uma câmara behaviorista a refletir a sociedade contemporânea?

As ambiguidades dessa imagerie crítica permanecem na obra subsequente de Graham, notadamente em seus pavilhões, grosso modo, estruturas híbridas que unem a tipologia arquitetônica do pavilhão aos materiais utilizados pelos edifícios corporativos que aderem ao Estilo Internacional: o aço e o vidro em espelho de dupla face. Tanto aqui quanto nos pavilhões, trata-se à primeira vista de situação social prazerosa, interativa. Entretanto, por trás do aspecto explícito de diversão e entretenimento, esconde-se um sutil comentário corrosivo. Percebemos e agimos, olhamos e somos olhados, entretanto, o fazemos sob aguda circunstância de confinamento e monitoração. Daí a dupla face das estruturas de Graham: se por um lado elas atraem e integram, por outro, isolam e constrangem, mobilizando um regime de ambivalências em que categorias como prazer e desconforto caminham juntas. Novamente, as reflexões de Graham sobre o vidro nos auxiliam:

"A divisão de vidro nas áreas aduaneiras de muitos aeroportos internacionais é acusticamente selada, isolando os permitidos residentes do país daqueles passageiros que estão chegando e que se encontram tecnicamente no limbo até passarem na alfândega. Outro exemplo é o uso do vidro hermeticamente fechado nos berçários de maternidades em alguns hospitais, desenvolvidos para separar o pai durante a observação de seus filhos recém-nascidos. Nessa instância, a instituição, tendo separado o filho da sua mãe, agora, no interesse da saúde pública, reclama direito a seu corpo ao pai 'natural', a quem é permitido (como compensação) apenas uma relação visual"(18).

Está em pauta a função que o elemento arquitetônico exerce no contexto social, implícita no gesto aparente inócuo de delimitar espaços. A arquitetura, assinala Graham, está envolvida em contradições e complexidades, para usar os termos de Venturi. No mundo de hoje, marcado pela autoexposição e vigilância, onde o Eu se encontra devassado, cerrado entre a diversão e a neurose, a arquitetura tanto organiza como cerceia. Numa palavra, ela controla.

"Edifícios podem controlar [...] [os] usuários, bem como definir um conjunto de regras que governam sua interação – definindo locais, caminhos de movimento, percursos visuais, programando encontros e colocando limites para encontros casuais. O edifício e outros atores determinam quem faz o quê, onde, com quem, quando e observado por quem" (19).

Nesse ponto, cabe salientar, antes de se tornar-se artista Graham foi sócio-diretor da galeria John Daniels em Nova York, experiência breve mas determinante para a guinada que efetuou em sua carreira, não apenas por lhe propiciar o contato em primeira mão com a nova produção artística norte-americana, como também por fazê-lo atinar para a interdependência econômica entre os sistema de galerias e as revistas de arte (20). Seguindo essa consciência institucional, Graham deu início aos seus trabalhos em revistas realizados entre 1965 e 1969. Implícito ao deslocamento do trabalho de arte do espaço da galeria para uma mídia de massa, vem a manobra crítica, o gesto iconoclasta de usar a revista como um site volátil a promover extrema desvalorização do objeto artístico. Daí porque, sob a austeridade dos trabalhos, o humor subversivo, associado à intenção anárquica de atacar frontalmente o fetichismo da arte.

"Foi interessante que, esteticamente, parte da arte minimalista parecesse se referir ao espaço interior da galeria como seu último suporte/contexto estrutural, e que parte da arte pop se referisse ao mundo circundante da mídia da informação cultural como sua moldura. Mas a moldura (tipos específicos de mídia ou galeria/museu como entidade econômica comprometida com valor) nunca foi tornada estruturalmente aparente. A estratégia [...] era reduzir as molduras da arte pop e da arte minimalista, as coalescer numa única moldura de modo que se tornassem mais aparentes e que o 'produto arte' pudesse ser radicalmente desvalorizado. Eu pretendia realizar uma arte ‘pop’ que fosse literalmente mais descartável (algo aludido pela ideia de Warhol de substituir 'qualidade' por 'quantidade' – a lógica da sociedade de consumo); queria fazer uma forma de arte que não pudesse ser reproduzida ou exibida numa galeria/museu, e intencionava uma redução do objeto 'minimalista' a uma forma estética não necessariamente bidimensional (como a pintura ou o desenho): material impresso, isto é, informação reproduzida e descartada em massa"(21).

De sentido negativo, tal gesto possuiria conotações heroicas, idealistas. Ao apropriar-se de maneira subversiva de uma estrutura instituída, atuando sobre o sistema socioeconômico da mídia, Graham não deixava de se alinhar com a tradição da arte moderna (e da arquitetura moderna) e seus anseios de transformação do ambiente social da vida, agora não mais enquanto projeto estético-social universalista, e sim como intervenção crítica, discreta e tópica. Nesse momento, recoloca-se um impasse. Ciente do aspecto mercadológico da arte, Graham inverte o sinal da manobra pop. Diferente da estratégia – com ressonâncias no readymade de Duchamp – de apropriação e deslocamento dos mass media para o interior do mundo da arte, em sentido inverso, os trabalhos em revista de Graham não se restringem aos limites do circuito institucional da arte; seu raio de ação busca, pelo contrário, extravasá-los e expandi-los (22). Ao fazê-lo, tais trabalhos terminam reafirmando a “verdade pop” sob novos termos: mesmo que a obra insista em se pulverizar sob forma dispersa, subtraída de valor de mercado, seu destino conspícuo e inevitável é ser recuperada pela lógica de consumo (23). Em última análise, as constatações de Graham em relação a realidade institucional levaram-no a reposicionar seu trabalho no quadro de referência do sistema de arte, não sem levar em conta e expor as condições de seu funcionamento. Ao que parece, na impossibilidade de transformá-lo, restou ao artista transferir para o público a sua autoconsciência crítica, o seu eventual desconforto.

O Eu público

"O vidro utilizado na vitrina isola o consumidor ao mesmo tempo em que sobrepõe o reflexo da sua própria imagem nos produtos expostos. Essa alienação, paradoxalmente, ajuda a despertar o desejo de possuir a mercadoria" (24).

Em uma Bienal destinada a exercer o papel de mostruário artístico de diferentes países, em que se podiam adquirir sacolas dos performers Gilbert & George, Graham efetua uma perversa inversão: no lugar de contemplarem um objeto artístico, os espectadores olham-se uns aos outros e são, eles próprios, colocados em modo de exibição. Próxima às manobras da arte pop, simples, mas com implicações complexas, a operação de Public Space chega mesmo a levá-las ao limite. Grosso modo, o artifício de Graham consiste no ingresso da instância comercial no interior das dinâmicas de relações visuais que vinha desenvolvendo até então (25), e por extensão, a transferência da ambiguidade irônica apontada por Warhol ou Lichtenstein para o sujeito-espectador: nos confundimos com o objeto artístico assumido como mercadoria, nos tornamos involuntariamente a interface crítica ao caráter mercadológico da arte, enfim, completamos uma estrutura que desvela uma condição social, o funcionamento intrínseco de um determinado sistema. Prosseguem os paradoxos, as ambiguidades. Se por um lado, a experiência da instalação depende invariavelmente de expedientes sensíveis tanto visuais quanto psicológicos, por outro, esta ocorre à custa da violação da subjetividade do observador. Exposta de outra maneira, a contradição é a seguinte: Public Space assinala a condição subjetiva do sujeito no mundo, ao mesmo tempo que sacrifica a integridade do caráter individual do observador, afirmando-o na clave da tipificação, subsumindo seus integrantes a um tipo social único, qual seja, o consumidor. Nesse ponto, parece ainda mais evidente o duplo funcionamento – a dupla distância – da estrutura. Ocupá-la implica assumir o papel de coeficiente numa função ampla e precisa, a tomar parte em um paradoxal conceitualismo empirista, que agencia o sensível e o inteligível.

Se, ao “olhar para um produto ideal por trás da vitrina de vidro”, “o ego é confundido com a mercadoria”, como se “o consumidor estivesse olhando para uma imagem ideal de si mesmo”, à medida que “a mercadoria reflete seu desejo por um ‘Eu melhor’, mais completo, identificado com o alter ego” (26), sob as circunstâncias de uma vitrina dupla, observar e ser observado corresponde a agenciar uma verdade dúbia, a funcionar dupla e ambiguamente: ser tanto aquele que consome quanto aquilo que é consumido. Verdade essa subjacente a nós, mas que, diga-se, pode passar desapercebida aos olhos do público, absorto no sedutor jogo de imagens. Do contrário, estamos fadados a um estranhamento advindo não apenas da sensação de observar e ser observado, mas da constatação de nos encontrarmos enredados numa trama conceitual, reduzidos a elementos de uma súmula ou equação social. Tal como no gesto inconsciente de identificar a própria identidade com a imagem da mercadoria quando nela projetamos nossos anseios e desejos (27), percebemos o Eu ser afirmado de maneira contundente – embora sutil – na clave ambígua daquilo que lhe é exterior, o objeto/mercadoria de arte, e concluímos: transfigurados à imagem e semelhança do mundo da arte, nos vemos como indivíduos contemporâneos alienados, consumidores de museus e feiras artísticas. Tanto o fim quanto o meio, somos componentes de um sistema de relações comerciais, o elo de uma cadeia mercadológica na economia cultural do capitalismo tardio. “O que nos olha” é a imagem de nós mesmos, um fetiche, e isso eventualmente incomoda, causa mal-estar, o sentimento de culpa provocado pela vigilância da consciência sobre o ego (28).

notas

NE – Este artigo é uma versão atualizada, a partir das observações do parecerista ad hoc de Arquitextos, do texto apresentado no IV Enanparq, na seção “Mal-estar na arquitetura”, coordenada por Gustavo Rocha-Peixoto e Laís Bronstein, realizada em julho de 2016. MASSON, Michel. O mal-estar em Dan Graham. Anais do IV Enanparq, Estado da Arte. Porto Alegre, Propar/UFRGS, 2016.

1
Curada por Germano Celant, a exposição intitulada “Arte & Ambiente” incluía trabalhos ambientais que iam desde Kandinsky e Lissitzky aos Tableaux Vivants da Arte Povera, como os cavalos no estábulo de Jannis Kounellis.

2
Colocados na balança os dois termos, o primeiro parece ter maior peso no conjunto da obra do artista. Embora Public Space efetue crítica institucional explícita e contundente, considero tal interesse restrito à fase inicial da obra de Graham, relativa aos seus trabalhos em revistas. A meu ver, interessa primordialmente a Graham a crítica às condições efetivas do exercício da arte em seus meios, instâncias e limites convencionais. Mais do que jogar com os aspectos eventualmente negativos impostos pela esfera institucional, importa tirar proveito das circunstâncias específicas de recepção pública e coletiva da arte nos museus.

3
GRAHAM, Dan. Public space/Two audiences. In: WALLIS, Brian (Ed.). Dan Graham: Rock my religion. Writings and art projects 1965-1990. Cambridge, The MIT Press, 1993, p. 190.

4
FRANCIS, Mark. A public space: context and history. In: SIMPSON, Bennett; ILES, Chrissie (Ed.). Dan Graham: Beyond. Cambridge/London, The MIT Press, 2009, p. 185.

5
GRAHAM, Dan. Op. cit., p. 190.

6
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997.

7
GRAHAM, Dan. Buildings and Signs. In: BROUWER, Marianne (Ed.). Dan Graham: Works, 1965-2000. Düsseldorf, Richter, 2001, p. 174.

8
GOFFMAN, Ervin. Comportamento em lugares públicos. Petrópolis, Vozes, 2010, p. 18.

9
GRAHAM, Dan. Buildings and Signs, p. 23-24. In: BROUWER, Marianne (op. cit.), p. 174.

10
No âmbito da arte norte-americana esta mudança de foco é iniciada pelo minimalismo. Entre outros textos, ver: FOSTER, Hal. O ponto crucial do minimalismo. In: O retorno do real: a vanguarda no final do século 20. São Paulo, Ubu Editora, 2017.

11
KOSTOUROU, Fani. We make our building, and then they make us: how architecture condition behaviors and how behavior is determined by our everyday environment. In: ANGÉLIL, Marc; HEHL, Rainer (Ed.). Minha Casa – Nossa Cidade! Innovating Mass Housing for Social Change in Brazil. Berlim, Ruby Press, 2014, p. 129.

12
FRANCIS, Mark. Op. cit., p. 185.

13
Graham discute esse tema valendo-se da leitura revisionista da arquitetura moderna realizada por Robert Venturi e Denise Scott Brown. Entre outros textos, ver: GRAHAM, Dan. Arte em relação à arquitetura. In: FERREIRA, Glória; MELLO, Cecilia Cotrim de (Org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2006, p. 429-451. Sobre o simbolismo funcional-tecnológico da arquitetura moderna, ver: VENTURI, Robert; SCOTT BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo, Cosac & Naify, 2003.

14
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996, p. 43.

15
Idem, ibidem, p. 54, p. 85, p. 199.

16
GRAHAM, Dan. Essay on video, architecture, and television. In: ALBERRO, Alexander (Ed.). Two-way mirror power: selected writings by Dan Graham on his art. Cambridge, The MIT Press, 1999, p. 66.

17
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo, Editora 34, 2010, p. 105.

18
GRAHAM, Dan. Buildings and Signs. In: BROUWER, Marianne (op. cit.), p. 172.

19
SHAH, Rajiv; KESAN, Jay. How architecture regulates. Journal of Architectural and Planning Research 24, n. 4, Winter 2007, p. 14 <www.governingwithcode.org/journal_articles/pdf/how_architecture_regulates.pdf>.

20
Sobre a análise detalhada do artista, ver: GRAHAM, Dan. My works for magazine pages: “A History of conceptual art”. In: ALBERRO, Alexander; STIMSON, Blake (Ed.). Conceptual art: a critical anthology. Cambridge/London, The MIT Press, 1999, p. 412-422.

21
Graham em carta de 1977 a Benjamin Buchloh. BUCHLOH, H. D. Benjamin. Moments of History in the work of Dan Graham. In: KITNICK, Alex (Ed.). Dan Graham. October files n. 11. Cambridge, The MIT Press, 2011, p. 11.

22
Talvez o melhor exemplo seja Schema (March, 1966), ideograma que possibilita a realização de um vasto número de poemas a serem escritos por diversos editores e publicados em revistas. Em permanente estado de mutação, Schema é uma espécie de mecanismo anônimo que entroniza o modo de circulação do sistema no qual se insere, carregando em si a possibilidade de sua própria reprodutibilidade e disseminação em larga escala.

23
Em retrospecto, Graham veio a reconhecer a ineficácia da sua investida na desvalorização do objeto de arte – compartilhada por outros artistas como Dan Flavin, Carl Andre e Sol LeWitt –, afirmando que o sistema econômico é por demais forte. Graham em entrevista a Hans Ulrich. OBRIST, Hans Ulrich. Dan Graham. Conversation series 25. Cologne, Verlag der Buchhandlung Walther König, 2012.

24
GRAHAM, Dan. Essay on video, architecture, and television. In: ALBERRO, Alexander (Ed.). Two-way mirror power: selected writings by Dan Graham on his art (op. cit.), p. 72.

25
Após um período inicial dedicado a trabalhos em grande parte destinados à revista, Graham ingressou em 1969 na Nova Scotia College of Art and Design – NSCAD, em Halifax, Canadá. Na condição de professor do curso Projects Class, o artista pode dispor de uma estrutura de equipamentos de fotografia, filme 16mm e vídeo Super-8mm.

26
GRAHAM, Dan. Essay on video, architecture, and television. In: ALBERRO, Alexander (Ed.). Two-way mirror power: selected writings by Dan Graham on his art (op. cit.), p. 72.

27
Idem, ibidem.

28
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos. São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 109.

sobre o autor

Michel Masson é arquiteto e urbanista (FAU UFRJ), doutor em História (PUC-Rio) com visiting scholar (GSAPP, Columbia University, NY) e especializado em História da Arte e da Arquitetura no Brasil (PUC-Rio). Atualmente é pós-doutorando em Arquitetura (PPGArq/PUC-Rio). Suas pesquisas nos campos teórico e prático exploram as relações entre arte, arquitetura e cidade.

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