“Hoje, de vez em quando, vamos a Idanha-a-Velha, como arquitetos. Não vamos nostalgicamente relembrar o passado próximo, encontramo-lo aqui e ali, pelo canto do olho, como encontramos outros passados mais antigos, de culturas extintas, os romanos, os visigodos, os árabes e de novo séculos cristãos. Durante o caminho falamos de Singapura e Hong-Kong, do Koolhaas e da cidade genérica, da globalização e de como nos situaremos no futuro com essas novas tradições” (1).
O projeto de intervenção em Idanha-a-Velha, realizado pelo Atelier 15 ao longo de doze anos (1995-2007), é uma das obras apresentadas neste texto. A narrativa aqui convocada refere-se a obras que reconhecem o tempo decorrido nos lugares, sem, entretanto, imobilizá-los em nostálgica contemplação. Se atem a duas intervenções arquitetônicas em lugares desarticulados do cotidiano, pois constituíram sua razão de ser em modos de produção hoje ultrapassados. Ao intervir, os arquitetos buscam recolocar esses sítios no tecido da vida vivida. São eles: Caminho dos Moinhos, de Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, no sul do Brasil (Brasil Arquitetura, 2005-08) e Idanha-a-Velha, de Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez, no norte de Portugal (Atelier 15, 1995-2007). Aproximo aos dois projetos arquitetônicos um filme, Vácuo (Moçambique) de Cris Bierrenbach, realizado em 2009 (2).
A análise das três obras, guardadas suas singulares diferenças, ocorre atenta à intervenção que se estabelece em tempo dilatado, e não em um único gesto presente. Se dá afeito a um modo de rememoração do passado indissociavelmente tramado as lembranças também de outros personagens. Por exemplo, será na convocatória de Judith Cortesão que Marcelo Ferraz descobre os Moinhos; e, será na recuperação histórica da Tecnologia tradicional do azeite em Portugal, de Benjamin Pereira (3), que melhor se entende a força do silêncio reivindicado pelo restauro dirigido por Alves Costa e Fernandez no Lagar de Idanha-a-Velha. Moinhos e Lagares que se tornaram invisíveis apesar de sua majestosa presença naqueles antigos lugares. Os projetos então os recuperam, atribuindo-lhes inevitável memória patrimonial, mas, para além dela, reorganizar através de novos corpos edificados, inéditos na velha paisagem, outro(s) lugar(es). As imagens do filme são captadas na viagem realizada com o antropólogo Omar Ribeiro Thomaz (4). As fotografias enquadram casas fantasmais, construções em ruínas, descoladas do presente, invisíveis no cotidiano. Presenças difusas, trazidas pela obra artística para o primeiro plano e dotadas de nitidez e valor. Bierrenbach as reinventa como potência ao perceber a relevância do conjunto e tecer a trama que dá nexo àquelas existências.
A visibilidade – e, no caso dos projetos de arquitetura, o uso – são reconquistados nas obras, pois invertem o vetor e devolvem certo protagonismo às antigas construções: as casas e seus desaparecidos moradores; os antigos Moinhos e as famílias proprietárias que não sabiam mais muito bem o que fazer com eles; as várias construções em Idanha-a-Velha, dentre elas o antigo Lagar em relação à atual comunidade. Não apontam apenas em direção ao passado ocorrido, mas, sobretudo em direção a um traçado tramado entre a vida ocorrida, o abandono no presente, e sua presença visível e potente, para então imaginar outra possível, futura, paisagem.
Vácuo (Moçambique)
“Ficamos hospedados em Inhambane, uma pequena cidade à beira-mar, e, dia-sim, dia-não, saímos de Inhambane e viajávamos muito tempo para chegar a Inhassune, onde íamos entrevistar as pessoas [...]. Nessas longas viagens, comecei a ver essas casas, nesse lugar muito plano, com um céu muito azul, em uma paisagem de savana. As casas abandonadas apareciam no meio do nada e relativamente próximas a outras casas, mais precárias, entretanto, ocupadas” (5).
A artista narra os deslocamentos ocorridos quando esteve em Moçambique para documentar Inhassune. A paisagem avistada da janela do carro, de onde se podiam reconhecer as casas abandonadas (6) – todas elas com certas semelhanças construtivas – afastadas visualmente, mas a uma distância ainda próxima enquanto deslocamento, de áreas precariamente habitadas. “Essas casas me intrigavam. Porque, afinal, as pessoas não as ocupavam?”
Na hipótese do antropólogo com quem compartilhava a viagem as pessoas mantinham o direito a casa como se pertencessem ainda aos seus antigos moradores, como se espíritos ainda habitassem o lugar. Um misto entre o respeito e o medo, nos termos lembrados por Bierrenbach. As casa pareciam estar ali até desaparecerem completamente.
“A memória da viagem, de andar, andar, ver, andar, andar, ver [...] e o desaparecimento, foi aí que comecei a desmanchar as casas no computador, digitalmente, e ao fazer isso, vi que parecia o mesmo movimento que aparecia na viagem. Comecei então a desfazer e juntar uma na outra e aquilo começou a fazer sentido para mim” (7).
Selecionadas dez casas, o trabalho ganharia forma inicialmente através da ampliação fotográfica em grande dimensão de cada uma das casas isoladas.
“eram para mim como se fossem monumentos falidos daquela guerra. Cheguei a fazer teste para ampliações muito grandes, monumentais, mas [...] aquilo não funcionava, de uma hora para outra, nem lembro bem como foi, o sentido daquilo não era a materialidade perpétua, era o símbolo do desaparecimento e do percurso, e como se elas fizessem parte de uma coisa só” (8).
E, será esse reconhecimento, de que cada uma das casas de fato constituíam, como conjunto, um território comum, a razão do interesse da obra neste texto. Reconhecer o sistema dota cada uma das pequenas casas de um sentido mais amplo, coletivo, não apenas circunstancial a uma única família. Todas elas em processo de desaparecimento lento e gradual. Como as histórias que abrigavam da vida ocorrida até seu involuntário abandono. O registro devolve-lhes existência.
O filme é inteiramente realizado a partir das dez fotografias. “A paisagem resulta da dissolução, eu não acrescento nada”, explica a artista. Todas as demais imagens resultam do apagamento e reconstituição artificialmente realizados. Ensejam níveis diferentes de nitidez e de movimento, de tal modo que fixada uma casa a passagem até o reconhecimento de outra se dará em um campo cromático semelhante as imagens borradas, visíveis quando estamos em movimento acelerado.
Apresentada como um looping, a obra constitui paisagem circular que aprisiona o expectador num ciclo contínuo de dissolução, estabilidade, dissolução. A partir das fotografias sempre frontais, em enquadramentos muito próximos as casas se confundem e se contaminam.
Vácuo (Moçambique). Direção Cris Bierrenbach
O filme foi realizado sem correção de imagem, abriga a imprecisão pertinente ao tempo material de coisas em lento movimento de decantação. Quando perguntada por um fotógrafo porque não corrigiu a horizontalidade das fotos, diz, “nem sei bem porque, apenas nem me ocorreu corrigir, parecia uma pergunta tão sem importância em relação ao trabalho”, e, pondera:
“Talvez hoje eu fizesse isso, a tecnologia te leva a isso, a ferramenta é tão fácil que parece que tudo deveria ser assim, sem a distorção do olhar, da empunhadura da máquina, da posição do fotógrafo. Mas a vista não é assim. Hoje o mundo está ficando planificado, aplainado, retificado” (9).
O mundo aqui abordado acata, porque reconhece, a imprecisão. Traço humano que se afasta da idealização abstrata da competência genérica e matemática das máquinas. Tão humano e por isso dotado de certa beleza falível que, no mais criterioso rigor, deixa escapar pequenos desvios.
Caminho dos Moinhos
“A história começou com a Judith Cortesão. ‘Vocês precisam ir a Ilópolis ver os moinhos italianos’, ela disse. ‘Você está no meio do mato e encontra aquelas coisas maravilhosas!’ Isso foi há cinco anos. Muito depois, fui ao Sul e resolvi esticar até Ilópolis sem saber direito o que encontraria. Não imaginava jamais ver uma arquitetura tão forte de imigrantes italianos, de transição do século 19 para o 20. Fiquei fascinado. Eram cinco moinhos. [...] Um grupo se organizou, sem recursos, mas com muito entusiasmo: Precisamos colocar os moinhos para funcionar novamente! Criar a rota dos moinhos e trazer gente para visita-los! Fazer a festa do pão!” (10).
Essa aproximação inicial com a ocupação italiana no sul do Brasil resultou na intervenção e restauro do Moinho Colognese, situado em Ilópolis, no conjunto denominado Museu do Pão (2005) dando início a estruturação do Caminho dos Moinhos com projetos de restauro e novas construções para os Moinhos Castaman (situado em Arvorezinha), Marca (situado em Putinga) e Dallé (situado em Anta-Gorda) todos elaborados em 2008 e ainda aguardando construção; muito recentemente, em 2019, e em fase de Estudo Preliminar, com acesso aos documentos ainda restrito, o Moinho Borille passou a integrar o conjunto projetado (situado também em Arvorezinha).
O processo entre reconhecimento, ação de restauro e transformação é lento, talvez mais lento do que deveria ser considerando o estado de alguns conjuntos – por exemplo o galpão, antigo silo de estocagem anexo ao Moinho Castaman, que corre risco de desmoronamento.
Parecem, assim como as casas em Moçambique, em lento processo de desaparecimento. Nessa perspectiva, se pode compreender a intensa emoção contida no relato de Ismael Rosset, morador local, responsável pelo acompanhamento das obras, quase incrédulo, aos arquitetos:
“Ontem o motor voltou a molar!! O rangido suave da força do homem, antes esperançoso em ver a pedra mó girar, agora gira, gira moendo grãos!! Grãos de areia até polir a pedra, que dizem ser mais dura que o grão do milho. Por ora o tom ocre da poeira se acomoda; em breve, se não logo, a poeira da farinha. [...] Nunca vi tanta gente, ou equipes de diferentes áreas/capacitação trabalharem sincronizadas. Parecia véspera de inauguração. Duas mulheres simpáticas limpando os vidros, outro senhor na parte mais alta com escadas, três senhores instalando ar condicionado, um senhor e um menino na instalação elétrica, dois rapazes no restauro. [...] Muitas ligações telefônicas e muitos contatos. Curiosos, vários!!! Vários mesmo, que delícia! Algo acontece!“ (11).
O antigo moinho, construído em Ilópolis RS no começo do século passado por uma família de imigrantes do Vêneto, encontrava-se abandonado desde 1990, hoje é um dos três edifícios do novo conjunto. Moinho, Escola de Confeiteiros e Museu do Pão constituem uma tríade articulada entre o passado, o presente e a possibilidade de futuro (12).
Acalentador, nesse contexto, foi reconhecer que a escola de confeiteiros continua funcionando. Uma visita virtual ao sitio do Caminho dos Moinhos revela que um concurso de pré-seleção de padeiros e confeiteiros (para trabalhar junto a Oficina de Panificação no Complexo Arquitetônico do Museu do Pão) esteve com inscrições abertas entre 20 de abril a 27 de abril de 2017 (13). Permite verificar que passados quase dez anos da construção do edifício, aquilo que era promessa de futuro de algum modo, ainda que lentamente, vem se constituindo.
Entre rever o passado (museu), recuperar seu legado (14) (moinho) e ensejar o futuro (cozinha escola), a aposta, materializada nos três edifícios articulados no conjunto edificado do Museu do Pão, parece irradiar esperança para as pequenas cidades vizinhas. Importante notar que a visão de conjunto não implica no ardil de buscar igualdade. Ao contrário, trata de realizar um circuito que permita variados interesses associados a cada um dos antigos moinhos. Estimula desse modo a nomeada circulação entre as pequenas cidades.
O Moinho Colognese abriga em seu raio de influência cozinha e museu. Dallé é ainda um Moinho em funcionamento, produz farinha, será mantida sua produção e associada a ele um apoio de varanda com copa/café para usufruto do rio, reformando a alterando uso de um antigo chiqueiro.
O Moinho Castaman acolherá uma pequena pousada com quatro quartos em dois módulos de nova construção; terá a antiga casinha, e sua preciosa cozinha, restaurada; o velho galpão (espera-se que se mantenha até a intervenção!) será lugar de exposição e loja de artesanato de produção local.
O Moinho Marca será o sítio de alojamento para grandes grupos, a serem instalados em uma nova, inédita construção; a cozinha e o refeitório adequados a dimensão desses grupos redefinem os usos no antigo moinho associado a nova torre.
Em todos eles, Colognese, Castaman, Marca, Dallé, novos corpos edificados convivem com restauros dos antigos edifícios e, em alguns casos, a transformação ocorre também através de reformas que reinventam espaços e usos nos edifícios originais. Alguns elementos persistem ecoando entre os diferentes sítios – por exemplo o detalhe de guarda-corpo, usado nas novas construções que resulta de um desenho adaptado dentre tantos desenhos vistos na região. Por outro lado, há traços inéditos ao lugar – como as lajes jardim ou o uso de concreto nas novas edificações. Articulam-se como fato presente que associa diferentes dicções em diferentes tempos. Tramam outro presente, indissociável dos traços do passado, mas distintos do que efetivamente ocorreu.
O projeto arquitetônico reconstitui os Moinhos à trama cultural do presente. Em depoimento sobre a região, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha permite compreender a operação, alerta que cultura só se produz no contato com o outro, na necessidade de construir uma identidade frente ao outro. E vai além, afirma que cultura só existe em movimento, nos seus termos:
“A cultura não é coisa parada, é uma coisa que está sempre em movimento, e sempre se recriando. Então aqueles ícones de identidade que são parados no tempo, esses não funcionam, o que funciona sim, é aquilo que se recria, e que se recria, dentro de uma certa tradição [...] porque a dinâmica cultural é recriar, recriar, recriar” (15).
A ação de projeto, que os arquitetos nomeiam “ação arquitetônica”, revela a atenção a vida, a indissociável relação entre as “gentes” e os lugares. Uma atenção que faz compreender a arquitetura como amparo material, busca constituir certo campo imantado a partir do qual é possível ensaiar outras estratégias de vida. Sem ilusão de soluções inéditas, mágicas, ou radicalmente transformadoras. Apoiada na serena certeza de que a vida se constitui passo a passo, e que as transformações irão ocorrer alinhadas nesses passos, e que, só resultarão de fato, se engajada, porque reconhecida como pertinente, pela comunidade local.
Idanha-a-Velha
“Idanha é um de nossos lugares, com todos os passados que nos conformaram e com um projeto de futuro em que podemos colaborar: transformá-la, justificadamente pela sua imensa riqueza cultural, num lugar central e, ajudado pela sedução da forma artística, encontrar nela pretexto para intervir, decomplexadamente, no debate pós-moderno da cidade contemporânea. O que a distingue de Singapura é, sobretudo, o seu potencial de nostalgia que torna a construção do novo ainda mais urgente e a esperança no futuro mais fundada” (16).
Idanha-a-Velha, lugar onde está situado um antigo Lagar-de-Varas – local de fabricação de azeite artesanal – recebe um dos intrigantes projetos do Atelier 15. Poderia ser lida nos termos propostos por Jorge Figueira na chave do “primitivista”, “onde confluem livremente o ‘Inquérito’, a mítica passagem de Sérgio Fernandez por Rio de Onor, e a referência a Louis Kahn que Alves Costa foi veiculando?” Ou seria, talvez, a obra na qual confluem as três matrizes (17), de onde seria possível ler, como se pode ler o conjunto da obra, “numa hesitação afetuosa entre vestir de branco, mostrar a estrutura, ou regressar aos princípios”? (18). Pois, em cada uma das intervenções realizadas na pequena Aldeia, uma estratégia distinta constituirá a premissa de projeto. Num arco de diferenças que vai da restauração criteriosa (Lagar) até o refazimento de trechos para reconstrução de Porta Norte, passando pela reconstituição, em outra materialidade, de trechos da muralha.
Na recuperação do Lagar-de-Varas e a construção do Arquivo Epigráfico (1995-99) os arquitetos optam por restaurar o velho monumento e construir um anexo inédito. No Lagar foi proposto um restauro “integral e rigoroso”, nos termos do memorial: “Reconstruir, refazendo o irrecuperável, sem nenhum alinhamento e no respeito total por seu valor documental” (19). A intervenção trata o edifício como documento associado a um corpo inédito, anexo, onde ficam expostas as epígrafes romanas da antiga Egitânia.
Em outros termos ocorre a Reconstrução da Porta Norte e Arranjos Exteriores da Muralha Romana (1995-97). Com intenção de monumentalizar a Porta, dignificá-la e transformá-la em um dos elementos de identidade do projeto assumem a reposição “até o limite de segurança”, utilizando parcialmente silharia romana existente no terreno. “Com plena consciência do não cumprimento do articulado da Carta de Veneza, foram reconstruídos os dos torreões semicirculares que ladeiam a porta.” (20) Os autores refere-se, sobretudo, ao Artigo 12 da Carta:
“Os elementos destinados a substituir as partes faltantes devem integrar-se harmoniosamente ao conjunto, distinguindo-se, todavia, das partes originais a fim de que a restauração não falsifique o documento de arte e de história”(21).
De modo distinto reconstroem trechos e desenham um novo passeio sobre a muralha através de uma passarela metálica, sustentado por estrutura de ferro, e que se alarga em varandas semicirculares revestidas em cobre, e refazem os antigos cubelos cujas fundações foram descobertas. Elementos que permitem, através de sua materialidade, nítida identificação do novo frente ao existente. Se na Porta pode-se reconhecer traços de refazimento realizada com pertinente cautela crítica do presente; na Muralha o que prevalece é a compreensão do restauro com clara distinção entre original e a reconstituição de certos elementos (22). É relevante observar que o artifício adotado pelo Atelier 15 na porta e na muralha revela clara consciência do debate em voga, e por isso mesmo, alarga a compreensão do que é prioritário a partir da singularidade de cada caso contribuindo para o aprimoramento do parâmetro comum (23).
Outra intervenção na aldeia que ocorreu no mesmo período se deu em um grupo de palheiros, em intervenção intitulada Palheiros de S. Dâmaso (1995-99). Inicialmente entendido fora do âmbito de proteção, ou seja, implantados no lado exterior da muralha, foi previsto como base de apoio aos trabalhos arqueológicos, incluindo laboratórios e hospedagem; entretanto, durante o processo de escavação foram encontrados um torreão semicircular e uma área da estrutura da muralha. Essa descoberta levou à revisão geral da proposta em estudo. A premissa de projeto adotou a manutenção desses dois tempos construídos, de feições tão distintas, mantidos em convívio e ambos aparentes, justapostos – é desse modo que a muralha ganha feição no novo constructo em cobre e reconquistada sua hipotética altura de origem, avança nesses termos para além do palheiro mantido em alvenaria e pedra.
Nessa intervenção os arquitetos revelam um dos aspectos ricos do processo de intervenção, a memória conta e convoca tantas outras paisagens similares na medida mesma em que se permite imaginar a paisagem que desafia o porvir.
“Foi gratificante ter-se encontrado, posteriormente, imagens semelhantes à desejada, no real construído em Lugo ou León. Imagens que, certamente estariam subconscientemente memorizadas e que mais do que confirmação posterior, deveriam ter estado na própria origem da ideia” (24).
A partir de 1997 duas novas ações ocorrem: o projeto para a Praça do Espirito Santo e Envolvente (1997-2000) e o Projeto Integrado de Intervenção na Sé Catedral e Áreas Limítrofes (1997-2006). Com objetivo de assegurar desenvolvimento pertinente também às novas construções espontâneas, previsíveis após requalificação da Aldeia, elaborou-se um Plano de reordenamento da Praça do Espirito Santo e de uma Zona de Expansão Habitacional. A integração das áreas limítrofes à Sé, também atenta para a cotidianidade desejada da vida da aldeia – reconfigura o terreiro imaginando-o, “como uma praça, zona de lazer e descanso, de passagem e, desejavelmente, de paragem, na visita à aldeia e a alguns dos seus principais polos de interesse” (25).
O conjunto das intervenções redefine o monumento preservando-o, repõe sua dignidade e, na mesma medida atenta para vida corriqueira de seus habitantes buscando reverter a desertificação em curso. O faz ao qualificar também espaços para o cotidiano de seus moradores, não apenas para fruição turística. Vislumbra desse modo um futuro que dignifica o passado animando e ampliando também a vida no presente dos habitantes do lugar.
O projeto para Idanha-a-Velha, na urgência em retirá-la de sua condição de isolamento e esvaziamento progressivo, reinventa um futuro. O faz, usufruindo da curiosidade turística em relação aos lugares arcaicos, para ser “amorosamente recuperada”, nos termos de Jorge Figueira, e para que a história volte a se cumprir. A pequena aldeia conta com o privilégio de intervenção por arquitetos atentos a sedimentação do tempo sem, entretanto, ficarem imobilizados por nostalgia. Capazes de imaginar tanto o que um dia esteve lá, algumas vezes materializado em novos constructos, quando constituir inédita paisagem. Faz de fato sentido dizer que “a arquitetura moderna é no Atelier 15 uma medida de conserto e não de rutura; passou de superação da história para intermediária de um ‘continuum temporal’” (26).
A última intervenção é cúmplice dessa visão: a Casa Alves Costa (2005-08). Em sintonia com o conjunto a pequena casa é reabilitada com conforto atual, mas mantida sua feição de antiga casa, em alvenaria e pedra. Faz de um dos arquitetos um morador, ainda que eventual, da aldeia. Essa pequena e última intervenção, vista no conjunto da obra do Atelier 15 revela-se, se acompanharmos Figueira, como verso e reverso de outra casa, a Casa em Caminha, de Sérgio Fernandez (1971-74). “Em Idanha-a-Velha, uma casa arcaica transforma-se em casa moderna, em Caminha deseja-se o contrário; fundamentalmente deseja-se que deixe de fazer sentido a distinção (27).
Elucidativo trânsito entre lugares, avistados a partir da produção dos dois arquitetos associados no Atelier 15, Alves Costa e Fernandez, para quem os marcos do passado inevitavelmente se imbricam às experiências do presente, incitados, afinal, por buscar saber, “como nos situaremos no futuro com essas novas tradições”.
Terá tido ela saudade do futuro?
“Da inteligência do sítio, com o prazer de transformar, indissociável da esperança no futuro, nascerá seguramente um método, eticamente defensável. Não é tanto a verdade que nos fascina, mas o processo em que consiste sua busca com a visão nela do que falta e não do que aparenta” (28).
Esse ensaio alinha-se com a pergunta formulada pelo narrador do livro A hora da estrela de Clarice Lispector, ao poder ouvir a última frase de Macabéa: “– Quanto ao futuro...” o narrador pergunta-se: “Terá tido ela saudade do futuro?” (29).
A pergunta revela-se oportuna também aos nossos arquitetos e artista que tramam materialmente suas narrativas. São intervenções compreendidas territorialmente, pois se configuram em uma paisagem alargada para além do campo específico de cada obra (ou de cada casa, se nos referirmos à Vácuo), remetem portanto não apenas aquilo que enquadram, mas a tudo que ocorre na borda desse enquadramento.
Espraiam-se nos territórios: em Portugal por toda a aldeia, no Brasil no encalço de cada Moinho, em Moçambique em toda a extensão por onde se avistam as tais casas ao largo da estrada. Ao incitarem visadas a contra-campo, realizam inéditas possibilidades, passíveis de serem reconhecidas distintas, ainda que aproximadas.
Como visto, a cada caso, permitem recordar o que ocorreu, mas o fazem com saudade do futuro, redefinindo usos, inventando materialidades inexistentes até então, de modo a, para além dos espaços a serem preservados, impregnar todo um campo irradiado de novos modos de lá estar. São ações conjugadas no futuro do pretérito, e agem como sistema de memórias e não como espetáculo de memória, pontual e protegido. E, ao assim atuar, libertam os corpos edificados da simples contemplação para tecer renovadas paisagens.
Pode-se dizer que os três autores atuam com saudade, se entendida nos termos reconhecidos por Eduardo Lourenço em Mitologia da Saudade para quem “com a saudade, não recuperamos apenas o passado como paraíso; inventamo-lo” (30). O autor aponta que “Voltar-se para o passado, lembrar-se, não é nunca um ato neutro” ainda que possa ser vivido apenas como simples alusão; entretanto, segundo ele, os “regressos” específicos da melancolia, da nostalgia, da saudade são de outra ordem, pois conferem um sentido ao passado que por meio delas convocamos. São modalidades, “modulações da nossa relação de seres de memória e sensibilidade com o Tempo” (31), e cada uma delas convocará o passado de diferente modo: “a melancolia visa o passado como definitivamente passado”, “a nostalgia fixa-se num passado determinado, num lugar, num momento, objetos de desejo fora do nosso alcance, mas ainda real ou imaginariamente recuperável”; a saudade participa de uma e de outra de modo paradoxal, “simultaneamente passado e presente”. Para Lourenço, “é esse lugar ao abrigo do sonho, esse passado-presente, que a ‘alma portuguesa’ não quer abandonar”.
Lagares, assim como os Moinhos, permitem rememorar uma natureza de arquitetura na qual o edifício fez parte indissociável das engrenagens que atuaram para a produção, edifícios-máquina, orquestrando uma série de ações comunitárias e de modos de convívio singulares a cada caso. Por exemplo, no caso dos lagares, antes da prensa, levavam ao cultivo da oliveira, a apanha da azeitona, envolvendo tanto o mestre lagareiro quanto forasteiros que sazonalmente usufruíam e contribuíam com o trabalho; no caso dos Moinhos, a farinha artesanal que envolvia desde a colheita do trigo ou milho à produção do pão.
A alguma coisa que se perdeu em nossa voracidade eficiente e ligeira na qual o trabalho deixa de ser investido de saberes que decantam com o tempo, de momentos em que acoplam outros obreiros, de edifícios que endereçam sitios, pois propiciam, pelo trabalho, o cotidiano esperado. As imagens das escadas no campo para apanha da azeitona, das cubas para azeitona num descampado até os criteriosos desenhos das ferramentas às plantas dos edifícios dos lagares no livro “Tecnologia tradicional do azeite”, de Benjamim Pereira dá a dimensão dessa trama entre vida e o conjunto edificado, hoje, monumentos. Aponta para o desconcerto dos modos de viver os lugares, distinguindo labor de lazer, em geral associado a um turismo contemplativo.
Assim como as casas flagradas por Bierrenbach, Moinhos e Lagares persistem no tempo como fantasmagorias que guardam certa incompreensão pela distância com que entendemos a vida. No presente essas obras abrigam como que duas vidas, ocorridas em um mesmo corpo. Seriam como as vidas dos personagens Pedro Gouveia e José Buchmann no livro “O vendedor de passado”?
“Olho para trás, para o meu passado, e vejo duas vidas. Numa fui Pedro Gouveia, noutra José Buchmann. Pedro Gouveia morreu. José Buchmann regressou à Chibia” (32).
O primeiro aspirou ser outro homem, fez morrer sua vida anterior, o segundo forjou uma existência até o momento, para isso tramou falsos dados de um passado inexistente. Na potente narrativa literária, um suplantou o outro até o momento em que a vida passada atravessou a nova vida, a ponto de confundir o homem que ambicionava ser como dois. E assim, José Buchmann regressou à Chibia carregando consigo as lembranças de Pedro Gouveia, e, mais que isso, o futuro que só poderia emergir do passado de Gouveia, que de fato existiu, e, passa a ser, através de Ângela, o futuro de Buchmann.
“– Tem notícias da Ângela?
– Vou tendo. Deve estar neste momento a descer o Amazonas numa daquelas barcaças lentas, preguiçosas, que à noite se cobrem de redes de dormir. Há muito céu por ali. Muita luz na água. Espero que se sinta feliz” (33).
Segundo Félix Ventura, o personagem que é “vendedor de passados”, há alguma diferença, se pensarmos bem, entre ter um sonho e fazer um sonho. Provocada por essa sutil diferença, parece-me relevante observar que, tecido entre a vigília e a nevoa onírica, a fabricação de sonhos, ao misturar tantas memórias, promete abrigar renovadas possibilidades, desobrigadas de serem apenas inéditas ou apenas nostálgicas, apenas ocorridas ou só imaginadas, porque prenhes de renovadas tradições.
notas
NA – Este artigo é uma versão revisada e ampliada do ensaio original apresentado no II Seminário Internacional Espaços Narrados: as línguas na construção dos territórios Ibero-americanos, ocorrido em jun. 2019, com realização da Universidade de São Paulo – USP e do Serviço Social do Comércio – Sesc São Paulo. Texto elaborado com apoio CNPq – Bolsa de Produtividade em Pesquisa N2 <https://drive.google.com/file/d/1t80P1zWg2zHPfA9Pu6PiiOHdWfA2KY24/view>.
1
ATELIER 15. Memorial de projeto. In: NEVES, José Manuel das (Org.). Atelier 15: Alexandre Alves Costa, Sérgio Fernandez. Lisboa, Uzina Books, 2014, p. 57.
2
Vácuo (Moçambique). Direção Cris Bierrenbach. DVD/vídeo – Projeção slides 35 mm – (Loop) 2 min, sem som. Coleção Centro Cultural São Paulo <https://crisbierrenbach.com/pessoal/video/vacuo-mocambique/>.
3
PEREIRA, Benjamin. Tecnologia tradicional do azeite em Portugal. Idanha-a-Nova, Centro Cultural Raiano, 1997.
4
Mais a respeito da pesquisa ver: THOMAZ, Omar Ribeiro. Escravos sem dono: a experiência social dos campos de trabalho em Moçambique no período socialista. Revista de Antropologia, v.5, n. 1. São Paulo, Universidade de São Paulo, 2008, p.177-214 <http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27305>.
5
BIERRENBACH, Cris. Depoimento a Marta Vieira Bogea, 16 de mar. 2019.
6
Idem, ibidem. A artista revela que as casas fotografadas são semelhantes a tantas que se encontram nas cidades próximas. Elas são estranhas ao campo, surgem muito isoladas, como se estivessem no meio do nada, entremeadas com ocupações precárias.
7
Idem, ibidem.
8
Idem, ibidem.
9
Idem, ibidem.
10
FERRAZ, Marcelo. In: PEGORIM, Denise (Org.). Francisco Fanucci – Marcelo Ferraz: Brasil Arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2005, p.181.
11
Em: FERRAZ, João Grinspum (Org.). Museu do Pão, Caminho dos Moinhos. Ilópolis, Associação Amigos dos Moinhos do Vale do Taquari, 2008, p. 26-27.
12
Sobre projeto dos moinhos ver <http://brasilarquitetura.com/>. Sobre o Caminho dos Moinhos analisado junto a outros projetos do escritório em texto elaborado por esta autora ver: BOGÉA, Marta. Brasil Arquitetura. Uma partilha das distâncias, construindo convívios. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 159.01, Vitruvius, ago. 2013
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.159/4844>.
13
Ver: Edital de inscrição para pré-seleção de padeiros e ou confeiteiros, para prestar serviço junto a Oficina de Panificação no Complexo Arquitetônico do Museu do Pão. Associação dos Amigos dos Moinhos do Vale do Taquari – AAMoinhos. Ilópolis, 19 abr. 2017 <http://www.sitesdovale.com.br/caminhodosmoinhos/fotos/Chamada_de_pre-selecao_para_padeiros_e_confeiteiros.pdf>.
14
Na recuperação do Moinho Colognese uma pequena história merece atenção. Diante da necessidade de constituir uma nova abertura, os arquitetos depois de várias hipóteses e ao descobrir que os janelas teriam que ser todas reconstruídas optam por construir uma nova janela – a quinta janela até então inexistente. O fizeram com a convicção de que nos Moinhos o mais relevante é assegurar sua aparente integridade original. Essa história me foi contada por Marcelo Ferraz após a leitura do ensaio que deu início a esse texto. Revela que no desafio de recuperar o passado os regramentos genéricos por vezes exigem criteriosa revisão pois devem se manter pertinentes dentro das circunstâncias de cada caso.
15
CUNHA, Manuela Carneiro. Cultura em movimento (depoimento). O Milagre do Pão. Direção Isa Grinspum Ferraz. Realização Nestlé Brasil, 2006. 55 min.
16
ATELIER 15. Memorial de projeto. In: NEVES, José Manuel das (Org.). Op. cit., p. 57.
17
Jorge Figueira no texto “Atelier 15: Alterações climáticas” (publicado em Atelier 15: Alexandre Alves Costa, Sérgio Fernandez, p. 6-13), reconhece três matrizes oportunas para analisar a obra do Atelier 15: “Para avançar na frente ‘científica’, diria que há três matrizes recorrentes na obra do Atelier 15: uma modernista, que é quase uma linguagem ‘por defeito’ (centro interpretativo de Santa Clara-a-Velha, edifícios de habitação em Viana do Castelo); uma brutalista, que satisfaz o gosto por uma resposta sem excessivas subtilezas (torre em Castelo Velho, habitação em Moledo); e uma primitivista, onde confluem livremente o ‘Inquérito’, a mítica passagem de Sérgio Fernandez por Rio de Onor, e a referência a Louis Kahn que Alves Costa foi veiculando (Escola pré-primária em Moledo, Lavadouro na Afurada)”. FIGUEIRA, Jorge. In: NEVES, José Manuel das (Org.). Op. cit, p. 11.
18
Idem, ibidem, p. 12.
19
NEVES, José Manuel das (Org.). Op. cit., p. 62.
20
Idem, ibidem, p. 59.
21
Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – Icomos (mai. 1964). Carta de Veneza. II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos. Portal Iphan, Rio de janeiro, s/d <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf>.
22
Poderíamos supor como um Viollet-le-Duc revisitado, sem o exagero de forjar um passado inexistente, mas disponível a reconstruir assegurando integralidade ao documento? Diante do desafio de reconhecimento do original agem os arquitetos na Porta da Muralha de modo semelhante a ação do Brasil Arquitetura ao construir a quinta janela no Moinho? Vale lembrar que para le-Duc era possível estabelecer o “modelo ideal” e retornar o edifício a “um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento”. A esse respeito ver: VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. 3ª edição. São Paulo, Ateliê Editorial, 2007, p. 29. O exercício hipotético realizado aqui mais do que buscar filiação, neste texto pretende demonstrar que existe, mesmo sem nominações ou referências diretas, um sofisticado trânsito entre pensar e fazer, entre teoria e prática, que irrigam-se mutuamente.
23
No contexto desse artigo, é importante observar que, no Brasil, Lina Bo Bardi, de quem Ferraz foi importante colaborador, revela atenção a essa debate, ainda que sem citar diretamente documentos de patrimônio ou Gustavo Giovanonni (de quem Lina, segundo depoimento de Ferraz foi aluna). Ver, por exemplo, o memorial publicado sobre a Nova Prefeitura de São Paulo (1990-92): “É preciso se libertar das ‘amarras’, não jogar fora simplesmente o passado e toda a sua história: o que é preciso é considerar o passado como presente histórico, e ainda vivo [...] frente ao presente histórico, nossa tarefa é forjar um outro presente, ‘verdadeiro’”. Ver: FERRAZ, Marcelo Carvalho (Org). Lina Bo Bardi. 4ª edição. São Paulo, Instituto Bardi/Casa de Vidro / Romano Guerra, 2018, p. 319.
24
ATELIER 15. Memorial de projeto. In: NEVES, José Manuel das (Org.). Op. cit., p. 74.
25
Idem, ibidem, p. 84.
26
FIGUEIRA, Jorge. In: NEVES, José Manuel das (Org.). Op. cit, p. 8.
27
Idem, ibidem.
28
ATELIER 15. Memorial de projeto. In: NEVES, José Manuel das (Org.). Op. cit., p. 57.
29
LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro, Rocco, 1998, p. 68.
30
LOURENÇO, Eduardo. Mitologia da Saudade: seguido de Portugal como destino. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p. 14.
31
Idem, ibidem, p. 12.
32
AGUALUSA, José Eduardo. O vendedor de passados. Rio de janeiro, Gryphus, 2004, p. 190.
33
Idem, ibidem, p. 194.
sobre a autora
Marta Bogéa é arquiteta (UFES, 1987), livre docente (FAU USP, 2018), mestre em Comunicação e Semiótica (PUC SP, 1993) e doutora em Arquitetura e Urbanismo (FAU USP, 2006). Professora do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU USP. Na pós-graduação atua nas áreas de concentração Projeto de Arquitetura e Projeto, Espaço e Cultura. Pesquisadora CnpQ, Produtividade em Pesquisa n2.