De acordo com Kathryn McCamant e Charles Durrett, qualidade de vida está diretamente associada aos relacionamentos que podemos construir no nosso cotidiano (1). Já para Henri Lefebvre (2), a vida cotidiana no presente pode ser marcada pela repetição e alienação ou realizar os sonhos construídos no passado, trazendo lembranças do vivido e as marcas do conhecimento e politização dos diversos grupos sociais. No atual panorama social e econômico, onde as pessoas têm um modelo de vida cada vez mais voltado para os interesses individuais, a recuperação de valores dos modos tradicionais coletivos de morar – família, comunidade e senso de pertencimento – podem ser considerados a chave para a sustentabilidade e o resgate de valores que estão se perdendo em nossa sociedade (3). O modelo de habitação contemporâneo é a comprovação de que o senso de comunidade é quase inexistente, sem agregar formas colaborativas de morar (4).
Para Zygmunt Bauman (5), o atual modelo de morar é reflexo da fragilidade dos laços humanos na pós-modernidade. Aponta a mercantilização e individualização das relações, o prazer instantâneo, na urgência pelo resultado, como reproduções de uma cultura imediatista, que se reflete também no espaço do habitat. Além disso, afirma que as diversas tipologias de morar nas cidades são segregacionistas e exclusivistas, confinando seus moradores a espaços físicos pequenos e ao ambiente preestabelecido, além de promover o isolamento do indivíduo.
Colaborando com a proposição, Marcelo Tramontano (6) considera que a configuração dos atuais modelos de habitat confirma a nossa crescente independência dos indivíduos, a falta de necessidade de interagir pessoalmente quando se tem a possibilidade de se relacionar virtualmente com um número maior de pessoas. Os novos elementos de comunicação intensificam um espaço cada vez mais individual, como consequência, o novo modo de morar apresenta um conjunto de ambientes onde cada membro da família, individualmente, procura contato com o mundo exterior.
Em contraste com o modelo de habitat coletivo, vivido de forma individualizada, o cohousing pode ser considerado uma das possibilidades para se viver em comunidade. Apesar de existir várias outras formas alternativas de habitats coletivos, como ecovilas, Kibbutz e Moshav, nos atemos à temática do cohousing, apresentando suas características físicas e sociais. Modo de morar que surgiu durante a década de 1970, ele tem como objetivo principal a integração entre os seus moradores, desde concepção projetual da comunidade, através do método participativo, até à organização da vida cotidiana após a sua construção. Segundo os principais teóricos sobre o tema, McCamant e Durrett (7), apontam que, nesse tipo de comunidade, não deve existir hierarquia, permitindo assim que todos participem de sua manutenção e gestão. No que tange aos princípios projetuais, a disposição das instalações e o seu desenho físico deve ter como principal objetivo promover o bem-estar físico, emocional e social dos residentes.
Diferentemente de outros habitats coletivos urbanos, e sua possível semelhança física, cohousing se diferencia primordialmente em sua filosofia intencional e na maneira como se comunica com o entorno: lotes abertos, sem recuos ou muros são características dessa forma de habitat contemplada em experiências em várias partes do mundo. Apesar de não haver nenhum exemplar construído no Brasil, o tema começa a ter adeptos, sendo frequente em rodas de discussão sobre modos de morar sustentáveis, já havendo, inclusive, algumas propostas de projeto em fase de concepção e construção.
Cohousing, definições de um novo modelo de morar
Segundo McCamant e Durrett (8), “cohousing é um tipo de comunidade intencional para pessoas que buscam um estilo de vida alternativo, que tem como prioridade resgatar o verdadeiro sentido de bairro e viver em comunidade”. Comunidade intencional pode ser definido como um habitat em que um grupo de pessoas decide por viver juntas ou suficientemente perto uma das outras com o intuito de compartilhar um estilo de vida ou proposito que reflitam seus valores fundamentais (9).
Apesar do primeiro cohousing ter sido construído no início da década de 1970, os seus princípios fundamentais são baseados em um conceito tradicional. No passado, a maioria das pessoas morava em pequenos aglomerados rurais ou em poucas cidades representativas dos modos de produção vigentes. Sobretudo nas sociedades primitivas, havia aquelas que os habitantes trabalhavam de forma colaborativa. Inspirados nessa prática, são organizados os cohousings. Através de relacionamentos construídos a partir do convívio diário, os seus moradores trabalham juntos em prol de algo comum. Para Hans Andersen (10), cohousing é uma forma de criar conscientemente um habitat coletivo que tempos atrás costumava acontecer naturalmente. Segundo McCamant e Durrett (11), o precursor do conceito cohousing, Jan Gudmand-Høyer, criou esse tipo de habitat em resposta as mudanças de realidade a partir do século 20, que são: as mães passaram a trabalhar fora de casa; diminuição da quantidade de filhos e o desejo por um estilo de vida mais prático, econômico e sustentável. O primeiro exemplar da tipologia chama-se Cohousing Saettedammen e foi construído em 1972 na Dinamarca por um grupo de 27 famílias que ansiavam por uma vizinhança que oferecesse um verdadeiro senso de comunidade inexistente em subúrbios de suas cidades. O nome em dinamarquês, bofælleesskaber, significa “vida em comunidade”, o qual foi traduzido para o inglês como “cohousing”, nome também pelo qual se popularizou pelo mundo. De acordo com a organização internacional The Fellowship for Intencional Communities – FIC (12), essa resposta habitacional está atualmente espalhada em vários países, tais como Estados Unidos, Canada e Austrália, e em muitas localidades da Europa como Dinamarca, França e Inglaterra.
Apesar de existir diferentes tipos de cohousing, todos podem variar em tamanho, localização ou prioridades projetuais com diferentes programas de necessidades, porém compartilham de seis princípios invariáveis (13).
O primeiro é o seu processo participativo, continuo, no qual todos participam ativamente em todas as suas fases: da concepção, à gestão de sua construção e à manutenção deste habitat. O segundo se refere à implantação do projeto de habitat, que, por sua vez, deve incentivar a interação social entre os seus moradores, através de elementos arquitetônicos, espaços verdes como jardins e varandas, a centralização do sistema viário, com a existência, na maioria das vezes, de uma rua central destinada somente aos pedestres, praças, e estacionamentos subterrâneos ou localizados na periferia da comunidade (14). A terceira concerne as instalações comuns em seu planejamento, sendo a casa comum o seu elemento comunitário principal, pois é considerado a extensão das unidades habitacionais. Dado a sua importância, a casa comum, na maioria das vezes, é estrategicamente colocada no centro do habitat entre o estacionamento e as unidades. Nessa instalação pode-se encontrar necessariamente uma cozinha, um refeitório e uma lavanderia, além de outras áreas com função social, como salão de jogos, biblioteca, atelier, brinquedoteca, quarto para hospedes, e assim por diante, sempre variando de acordo com as necessidades especificas de cada comunidade. Para Scotthanson & Scotthanson (15), compartilhar refeições na casa comum é uma tradição que começou na Dinamarca e pode ser considerada um dos elementos chaves para uma vida comunitária saudável. Como quarto princípio, cohousing demanda a participação ativa de todos nas decisões de interesse da comunidade. Quanto as reuniões comunitárias, estas são geralmente mensais e acontecem na casa comum; o quinto princípio se refere a ausência de autoridade ou hierarquia, todos possuem direitos iguais e seus respectivos deveres e responsabilidades dentro da comunidade. As atividades de manutenção física e social são tarefas divididas entre os moradores e as decisões são feitas em conjunto e baseadas no consenso. E por último, diferente de outras formas de morar, como o Kibbutz e algumas ecovilas, as famílias dentro de um cohousing possuem suas próprias fontes de renda.
A relação indissociável entre a áreas coletivas e privadas é outra característica marcante nesse tipo de habitat. Assim, a unidade habitacional desta forma de morar não pode ser confundida com uma residência tradicional, pois a mesma conta com o apoio de inúmeras áreas e serviços comuns. Por isso, no presente artigo, para se referir à unidade habitacional, adota-se o nome de Unidade de Vida Privada (ou UVP).
Para Kathryn McCamant e Charles Durrett (16), a circulação dentro da comunidade é um elemento importante que influenciará na interação entre os seus moradores e consequentemente, na sua vida social. No sistema viário interno dessa forma de morar, além de centralizado, como explicitado anteriormente, deve-se prever pontos de encontro ao longo das ruas onde, propositalmente, são colocadas mesas de piquenique, alpendres dentre outros mobiliários coletivos. Além disso, os autores (17) revelam a importância de dispor as entradas das casas para a rua, aumentando a possibilidade de socialização e atividades ao ar livre. A escolha da organização do sistema viário vai depender dos anseios do grupo e das possibilidades físicas do terreno, assim estes autores aconselham que todo cohousing deve possuir um ponto de encontro principal, uma praça ou terraço comum, geralmente situado próximo à casa comum para se integrarem com vizinhos imediatos e do entorno. Estes pontos desempenham a função de centralização de atividades na comunidade, enquanto que a rua sem elementos comuns direciona os moradores para pontos de encontro diferentes. Para ilustrar as colocações anteriores, a figura a seguir apresenta a implantação de um projeto hipotético de um cohousing localizada em Pium RN e seus elementos caracterizadores, como rua central destinada a pedestres, estacionamento localizado fora da área comunitária, presença de extensas áreas verdes e a conservação da cobertura vegetal existente, instalações comuns – casa comum, praça, horta comunitária e centro holístico -, e UVPs com suas fachadas principais direcionadas para a rua (18).
No cohousing, os espaços de transição (ou semi-privados) entre o público e o privado são fundamentais, e podem ser traduzidos espacialmente como jardins, alpendres, dentre outros. A figura a seguir ilustra como se dá a relação entre o espaço comunitário e privado dentro do habitat cohousing hipotético em Pium RN.
Com relação ao tamanho médio de um cohousing, segundo Scotthanson & Scotthanson (19), a quantidade de unidades habitacionais nesse tipo de comunidade deve variar de no mínimo 10 e no máximo de 35 a 40 UVPs. Se a comunidade é muito pequena, dependendo das especificidades de seus moradores, pode enfrentar problemas financeiros e de manutenção, enquanto que se o conjunto habitacional for muito grande, ele poderá perder o senso de comunidade, onde os moradores não se conhecem.
No que diz respeito aos usos, cohousing não precisa ser exclusivamente residencial, podendo apresentar, muitas vezes, áreas comerciais e de serviços, proporcionando possibilidades de trabalhos e horários flexíveis aos seus residentes (20). Esta adição de outras atividades ou locais de encontro na comunidade, oferecem dinamicidade à área além de mais uma possibilidade de interação com a sua vizinhança. Como exemplo de comunidade cohousing de uso misto, tem-se a Swan’s Market Cohousing localizada na cidade de Oakland, Estados Unidos (21).
Diante dos pontos analisados em experiências nas comunidades cohousing citadas anteriormente, e a partir dos principais teóricos sobre o tema, Scotthanson & Scotthanson (22), afirmam que:
“O movimento voltado para comunidade é a chave para a sustentabilidade. Conhecer nossos vizinhos, sentir que somos parte de algo que nos importamos e que se importa com nós – estes são elementos para a reconstrução da sustentabilidade atualmente” (23).
O início dessa forma de morar
Como explicado anteriormente, a primeira tentativa de uma comunidade cohousing surgiu no começo da década de 1970, na Dinamarca quando Jan Gudmand-Høyer, um dos precursores do movimento, e outros amigos começaram a idealizar um modo de morar que acomodasse as suas necessidades sociais básicas. Desde de então, cohousing vem sofrendo alterações até os dias atuais. Os autores, assim como os precursores do movimento, não deixam claro quando e quanto tempo durou cada geração, pois cada país viveu essas fases em períodos diferentes e muitas vezes, com características próprias do lugar na qual o habitat estava inserido (24). Porém, de acordo com Scotthanson & Scotthanson (25), pode-se identificar quatro gerações distintas, são essas:
Primeira geração cohousing
Os primeiros exemplares de cohousing possuíam as UVPs e a casa comum do mesmo tamanho com aproximadamente 140m². Os primeiros moradores ainda estavam receosos sobre esse novo modo de morar, se eles se beneficiariam ou não das instalações comuns e com qual frequência esses equipamentos seriam usados. As UVPs pertencentes da primeira geração permaneceram grandes caso a ideia de comunidade não funcionasse. São exemplos de projetos dessa época o Cohousing Saettedammen e Skråplanet, ambas localizadas na pequena cidade de Jonstrup, Dinamarca. De acordo com os autores, o tamanho médio das UVPs das comunidades cohousing atualmente chega a ser metade da área do mesmo equipamento nas primeiras experiências.
Segunda geração cohousing
A segunda geração é caracterizada pelo aumento da casa comum e a diminuição das UVPs, à medida que as pessoas adquiriam mais confiança no novo habitat. As unidades privadas diminuíram aproximadamente um terço de seu tamanho original, de 140m² passaram a ter em média 90m², enquanto que a casa comum cresceu extraordinariamente seu tamanho para uma média de 460m². É durante esse período que a rua central é definida, assim como a casa comum ganha mais importância na comunidade, a sua localização centralizada e sua relação com as UVPs tornam-se complementares. São exemplos dessa geração a Trudeslund Cohousing localizada na cidade de Birkerød, Dinamarca e Winslow Cohousing situada na cidade de Bainbridge Island, Estados Unidos.
Terceira geração cohousing
A principal característica dessa fase é o crescimento extraordinário do tamanho da casa comum, ao passo que as UVPs diminuem, passando a medir 70m² a 75m² de área, acomodando somente o necessário para a privacidade e necessidades pessoais dos moradores. A casa comum e as UVPs são colocadas juntas em um único edifício, conectado por uma claraboia de vidro. A casa comum cumpre papel fundamental nesse tipo de habitat e mais instalações especificas são adicionadas ao seu programa de necessidades. Como exemplo, tem-se a WindSong Cohousing Community, Vancouver, Canadá.
Quarta geração cohousing
Essa geração é caracterizada pelos aglomerados habitacionais da segunda e da terceira geração juntos inseridos numa vizinhança ou vila maior, podendo até mesmo incluir áreas comerciais e de serviço. Um exemplo desse modelo é a Eco-Village Ithaca (26), localizada no estado de Nova York, Estados Unidos. A vila possui uma área de quase 71 hectares, composta por três vizinhanças cohousings: Frog Neighborhood, Song Neighborhood e Tree Neighborhood, esta última ainda em construção. Quando a Tree Neighbourhood estiver totalmente construída, a população da vila será composta por um total de 160 adultos e 80 crianças, distribuídas em quase 100 UVPs espalhadas pelas vizinhanças. A Eco-Village Ithaca atualmente é considerada uma das maiores comunidades cohousings do mundo.
O processo participativo na construção do sonho coletivo
“A participação é inerente à natureza social do homem”, afirma Bordenave (27), completando que esse instrumento não somente auxilia na resolução de problemas, como também pode ser considerado o caminho natural do homem para se expressar, realizar e afirma-se a si mesmo e aos outros. A negação da necessidade de participação, para o autor, seria a mutilação do homem social, que deixa de exercer seu potencial pleno na sociedade. Para Nunes (28), o ato de participar deve ser uma atitude voluntária, contínua e de longa duração. Portanto, é através do método participativo que se desperta o interesse das pessoas para a solidariedade coletiva, desenvolvendo o sentimento de pertencimento a um grupo maior do que aquele que se têm relações diretas. Na democracia participativa, as decisões coletivas são descentralizadas, assim, todos os indivíduos têm a oportunidade de aprender habilidades participativas e atuar de maneira eficaz nas tomadas de decisões que os afetam (29).
Como explicitado anteriormente, no habitat cohousing o processo participativo é continuo, o qual se inicia desde da sua concepção, ao estabelecer a ligação entre os seus moradores, e depois dessa fase, durante a vida social dentro do habitat construído. Segundo os autores McCamant e Durrett (30), durante essa etapa inicial, o grupo deve entrar em consenso com as suas principais decisões e objetivos sobre os caminhos projetuais do novo habitat, os quais devem ser claros no momento em que outros profissionais entram em cena, como arquitetos, urbanistas e engenheiros. Essa fase do processo de participação de um cohousing leva em torno de 4 a 5 meses sendo finalizado quando o partido urbanístico e arquitetônico é definido. No Trabalho “Cohousing, uma alternativa de habitat coletivo” (31) foi realizada uma simulação do processo participativo seguindo a lógica projetual sugerida pelos autores McCamant e Durrett.
Para garantir a eficácia dessa fase inicial, o programa de necessidades deve ser definido na seguinte ordem: implantação, a casa comum e por último, o programa das UVPs. Para os autores, o programa de necessidades do ambiente comunitário deve ser considerado primeiro, pois o seu planejamento além de se relacionar com o toda a vizinhança, está intrinsicamente ligado com que tipo de habitat os futuros moradores procuram. É nessa primeira parte que se determina o custo do futuro cohousing, o tipo e o número de UVPs, a quantidade de vagas para estacionamento, acessibilidade, entre outros aspectos. Após essa fase, o programa de necessidades das unidades habitacionais deve ser definido, pois uma vez o grupo conhecendo as suas possibilidades na área externa e as características da casa comum, eles serão capazes de entender como essas áreas se relacionarão com as suas UVPs e mais confortáveis com a possibilidade de espaços privados menores (32).
Cohousing no Brasil
Apesar de nenhum exemplar de cohousing ainda ter sido construído no Brasil, há várias propostas em andamento. Uma delas é a Vila ConViver (33), localizada em Campinas/SP, com capacidade para 66 moradores e inauguração prevista para 2020. O novo habitat é considerado o primeiro da tipologia destinado a idosos, conhecido como Senior Cohousing, desenvolvida pela associação de professores da Unicamp para docentes que tinham interesse em morar coletivamente nessa fase da vida. A partir de vários autores sobre a temática cohousing, se constata que este modelo é uma alternativa a institucionalização e ao isolamento do idoso no Brasil, pois este possui total poder de decisão sobre o seu cotidiano, morando coletivamente com um grupo de pessoas que compartilham da mesma fase da vida, e em uma comunidade construída por eles mesmos de acordo com as suas necessidades.
Um outro projeto cohousing no País localiza-se em Piracicaba/SP, a sete quilômetros do centro da cidade. O autor do projeto arquitetônico é Rodrigo Munhoz, do escritório Guaxo Projetos Sustentáveis. O seu público alvo se resume a sete famílias com perfis diferentes, de jovens solteiros a casais com filhos de diferentes idades. Em 2015, este projeto estava orçado em aproximadamente 1,1 milhões de reais. Sua proposta prevê sete apartamentos de 50 metros quadrados cada, além de áreas comuns como a casa comum, piscina, estacionamento e bicicletário. Em entrevista ao site 50emais (34), o autor, considera que um dos grandes desafios na construção do habitat cohousing são as dificuldades encontradas na legislação brasileira, sobretudo em relação às possiblidades de financiamentos, formas de construção e à propriedade coletiva de terrenos. O arquiteto ainda comenta sobre a importância da participação de algum tipo de investidor para a viabilização da construção desse tipo de empreendimento no Brasil. O movimento Cohousing Brasil dirigido pela arquiteta e urbanista Lilian Lubochinski, age a partir de uma página no Facebook, “Cohousing Brasil Co-Lares” (35), divulgando esta forma de habitat. Dentre outras ações, faz parte um projeto de cohousing na Granja Viana, região localizada a 25 km da capital paulista.
É importante enfatizar que, cohousing não deve ser confundido com outras formas de morar coletivas que crescem principalmente no meio urbano no Brasil, tais como co-living, pensionato e republicas, que possuem configurações diferentes da tipologia cohousing: são habitats em que cada morador tem sua área privada, geralmente o quarto, dentro de uma casa ou um apartamento compartilhado, e tem como áreas comuns a cozinha, jardim, sala de estar entre outros ambientes. Quanto a tradicional república ou pensionato, é geralmente formada por pessoas que precisam dividir as despesas e se trata de um estilo de vida passageiro, sem a convivência colaborativa do cohousing.
Considerações finais
Este trabalho foi resultado de um estudo sobre formas alternativas de morar que foi iniciado em 2014. Foi interessante resgatar esse conhecimento, e perceber que a tipologia em seu conceito mais intrínseco se trata de valores antigos que se perderam no modo de morar contemporâneo. Apesar dos exemplos de cohousing citados seguirem uma lógica social e características projetuais parecidas, todo habitat é também único, pois carrega a identidade e as necessidades especificas do seu grupo. A análise das fases de sua tipologia foi imprescindível para maior compreensão de como funciona uma comunidade colaborativa: ao passo que os futuros moradores ganham confiança no novo habitat, o espaço privado diminui à medida que as áreas comuns aumentam.
Desde que o estudo começou percebe-se uma tendência que o cohousing atenda às necessidades principalmente do público da te idade, como o exemplo do Cohousing ConViver. No Brasil, algumas pessoas ainda comparam cohousing com os pequenos condomínios, vilas ou cortiços, porém esquecem que a sua tipologia, compartilha também, do processo participativo como ponto chave para o sucesso do vínculo inicial entre os moradores, característica não necessariamente encontrada em outras formas de morar coletivas. Dessa forma, cohousing não é somente uma maneira de como construir ou uma alternativa de economizar. É uma filosofia de vida que incorpora na sua vida cotidiana de seus seguidores, a auto-gestão, a festa, os laços de comunidade, sem se alienarem entre si, ao buscarem relações cotidianas com suas vizinhanças, o que pode levar seus moradores a se apropriarem de seus habitats que, nestes casos se tornariam o que Lefebvre (1991) qualifica de habitar.
notas
1
McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Creating Cohousing: Building sustainable communities. Grabriola Island, New Society Publishers, 2011.
2
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana do mundo moderno. São Paulo, Ática, 1991.
3
SCOTTHANSON, Chris; SCOTTHANSON, Kelly. The Cohousing Handbook: Building a place for community. Gabriola Island, New Society Publishers, 2004, p. I.
4
BEZERRA, Jéssica Bittencourt. Cohousing, uma alternativa de habitat coletivo. Monografia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015, p. 17.
5
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido, sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2004.
6
TRAMONTANO, Marcelo. Paris-São Paulo-Tokyo: novos modos de vida, novos espaços de morar. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 1998.
7
McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Op. cit.
8
McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Apud BEZERRA, Jéssica Bittencourt. Op. cit., p. 21.
9
CHRISTIAN, Diana Leafe. Creating a life Together: Practical Tools to grow Ecovillages and Intentional Communities. Grabriola Island, Canada: New Society Publishers, 2003, p. XVI.
10
ANDERSEN, Hans. Apud McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Op. cit., p. 24.
11
McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Op.cit., p. 39.
12
Cf. The Fellowship for Intentional Communities (FIC). Disponível em: ic.org/. Acesso: agosto, 2015.
13
McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Op.cit., p. 25; SCOTTHANSON, Chris; SCOTTHANSON, Kelly. Op.cit., p. 3.
14
BORDALO, Ana. Estruturas de habitação de vida em comunidade vocacionadas para as necessidades da pessoa idosa e o caso das aldeias-lar em Portugal. Tese (Doutorado em Arquitetura). Universidade de Lisboa, Lisboa, 2014, p. 119.
15
SCOTTHANSON, Chris; SCOTTHANSON, Kelly. Op.cit., p. 4.
16
McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Op.cit., p. 252.
17
Idem, Ibidem, p. 255.
18
BEZERRA, Jéssica Bittencourt. Op.cit. Parte II e Parte III.
19
SCOTTHANSON, Chris; SCOTTHANSON, Kelly. Op.cit., p. 3.
20
McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Op. cit.
21
Cf. Swan’s Market Cohousing, disponível em: <swansway.com>. Acesso: outubro, 2015.
22
SCOTTHANSON, Chris; SCOTTHANSON, Kelly. Op. cit, passim.
23
Tradução livre de: “The movement back to community is the key to sustainability in Western culture. Knowing our neighbors, feeling like we belong, being a part of something that we care about and that cares about us — these are the elements of rebuilding sustainability in the world around us. This is acting locally”. SCOTTHANSON, Chris; SCOTTHANSON, Kelly. Op. cit., p. I.
24
BEZERRA, Jéssica Bittencourt. Op. cit., p. 34.
25
SCOTTHANSON, Chris; SCOTTHANSON, Kelly. Op. cit, p.128.
26
Eco-Village Ithaca, disponível em: <ecovillageithaca.org>. Acesso em maio de 2018.
27
BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é participação? 8ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Coleção Primeiros Passos; 95), passim.
28
NUNES, Débora. Pedagogia da participação: trabalhando com comunidades / Débora Nunes; tradução Ciro Sales; Salvador: Unesco/Quarteto, 2002.
29
SANOFF, Henry. Community participation methods in Design and planning. Canadá: John Wiley & Sons, Inc., 2000.
30
McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Op.cit., p. 235.
31
BEZERRA, Jéssica Bittencourt. Op. cit.
32
McCAMANT, Kathryn; DURRETT, Charles. Op. cit, p. 239.
33
Vila ConViver, disponível em: <adunicamp.org.br>. Acesso em maio de 2018.
34
Entrevista com Rodrigo Munhoz, disponível em: <50emais.com.br/40591-2>. Acesso em maio de 2018.
35
Cohousing Brasil Co-Lares grupo no Facebook. Disponível em: <facebook.com/CohousingBrasil>. Acesso em maio de 2018.
sobre as autoras
Jessica Bittencourt Bezerra é Arquiteta e Urbanista pela UFRN com graduação sanduíche na University of Manitoba (Canadá). Atualmente é aluna de mestrado do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da UFRN. Autora do Trabalho Final de Graduação “Cohousing – uma alternativa de habitat coletivo” (2015), que deu origem a este artigo.
Amadja Henrique Borges é professora Doutora em Arquitetura e Urbanismo do Departamento de Arquitetura (DARQ) e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da UFRN – Co-autora enquanto orientadora deste artigo e do trabalho Final de Graduação desta autora.