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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Este artigo pretende revelar alguns dos fundamentos teóricos do espaço da arquitetura moderna, ao cotejar as teorias espaciais de Adolf Hildebrand e August Schmarsow com os ensaios seminais do artista László Moholy-Nagy e do arquiteto Rudolph Schindler.

english
This article aims to reveal some of the theoretical foundations of space in Modern Architecture, by comparing the spatial theories of Adolf Hildebrand and August Schmarsow with the seminal essays by artist Moholy-Nagy and architect Schindler.

español
Este artículo tiene como objetivo revelar algunos de los fundamentos teóricos del espacio en la Arquitectura Moderna, comparando las teorías espaciales de Adolf Hildebrand y August Schmarsow con los ensayos fundamentales del Moholy-Nagy y el Schindler.


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ROCHA, Mércia Parente; COTRIM, Marcio. As teorias do espaço e a arquitetura moderna. Escritos de Schindler e Moholy-Nagy. Arquitextos, São Paulo, ano 24, n. 295.01, Vitruvius, dez. 2024 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/24.295/9027>.

Este artigo, apresenta algumas das reflexões e possíveis contribuições resultantes da tese de doutoramento Vestígios e nexos da noção de espaço moderno: teoria da visibilidade pura e arquitetura moderna, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós Graduação da Universidade Federal da Paraíba.

A pesquisa tem como objetivo o exame dos fundamentos teóricos da profunda transformação espacial promovida pela arquitetura moderna nas primeiras décadas do século 20, e parte do pressuposto de que esses fundamentos, ao menos parcialmente, estão amparados nas teorias espaciais do século 19, derivadas da vertente estética alemã da visibilidade pura.

Essas teorias, publicadas em 1893, foram elaboradas pelo escultor Adolf Hildebrand (1847-1921) e pelo historiador da arte August Schmarsow (1853-1936), a partir das obras A ideia de espaço e sua expressão na aparência (The Idea of Space and its Expression in the Appearance) e A essência da criação arquitetônica (The Essence of Architectural Creation), respectivamente (1).

Considerando a hipótese de que os vestígios dessas teorias poderiam ser identificados nos escritos sobre o espaço da arquitetura moderna, elaborados por alguns dos protagonistas do movimento moderno, foram selecionados os ensaios seminais, publicados nas primeiras décadas do século 20, pelo arquiteto austríaco Rudolph Michael Schindler (1887-1953) e pelo artista húngaro László Moholy-Nagy (1895-1946). Essas obras, por sua vez, foram escolhidas não apenas por constituírem importantes inserções teóricas sobre o tema, como também pela proximidade de seus autores com o contexto artístico alemão.

Neste artigo, em específico, serão abordados dois dos escritos apresentados na tese: a tradução para o inglês do manifesto de 1912 de Schindler, Arquitetura moderna: um programa (Moderne Architektur: ein programm), publicado em 1934, sob o título Arquitetura espacial (Space Architecture) (2); bem como, a tradução do alemão para o inglês, da obra de 1928 de Moholy-Nagy, Do material à arquitetura (Von Material zu Architektur), publicada em 1930 sob o título A nova visão (The New Vision) (3).

A partir do entendimento de que o espaço, como categoria de análise, possui um papel, se não central, mas, importante em diversos campos do conhecimento, e que o pensamento humano de um determinado contexto cultural e histórico, resulta das relações dialéticas que se estabelecem a partir desses variados âmbitos, forjando, por sua vez, uma ideia hegemônica que passa a influenciar a percepção da sociedade como um todo, realizou-se também na tese, o esforço de compreender, historicamente, as transformações pelas quais o conceito de espaço passou, para além do campo específico da arquitetura.

Esse empreendimento pretendeu perceber, com mais clareza, as possíveis reverberações desse pensamento hegemônico espacial, observando as relações entre arquitetura, cosmologia e filosofia, desde o século 15, momento em que, segundo Argan (4), se instaura a primeira grande fase de representação espacial na arquitetura, ao século 20, quando já na sua segunda fase de determinação espacial, surge a arquitetura moderna.

A breve revisão do processo de transformação do pensamento espacial ocidental nesse período, buscou compreender com mais profundidade, algumas das ideias sobre as quais se desenvolverá também a nova concepção de espaço arquitetônico no século 19, dando origem às suas primeiras teorias espaciais, não para aprofundar esse exame em campos exógenos ou para estabelecer uma relação direta entre distintos âmbitos, mas como forma de perceber possíveis nexos, ou mesmo, o espírito que animou a época.

Em síntese, observou-se que a fase cosmológica moderna, definida, segundo Abbagnano (5), como aquela compreendida entre o século 15 e a primeira década do século 20, instaurada a partir do desenvolvimento científico do sistema heliocêntrico, desde os trabalhos de matemáticos, físicos e astrônomos, como: Nicolau Copérnico (1473-1543), Johannes Kepler (1571-1630), Galileu Galilei (1564-1642) e, em especial, Isaac Newton (1643-1727), consolida um novo paradigma científico, responsável pela organização mental de espaço e tempo da sociedade moderna ocidental, até pelo menos as primeiras décadas do século 20.

De acordo com Szamosi (6), nessa cosmologia científica, o mundo era formado por objetos permanentes, que se moviam no espaço e no tempo, obedecendo às leis da gravidade e inércia. Nela, não apenas o espaço e o tempo eram absolutos, mas o movimento também. No entanto, enquanto o espaço era inalterável e estático, contendo em si todas as coisas, o tempo era fluente, dinâmico e mensurável, caminhando sempre em direção ao futuro. Assim, as dimensões espaço e tempo foram entendidas a partir da cosmologia moderna, como entidades infinitas, contínuas, absolutas, distintas e independentes entre si, ou de qualquer coisa que existisse no mundo.

Corroborando com Szamosi, Argan (7) afirma que essa fase cosmológica será aquela, na qual se passa de uma concepção ptolomeica, onde se aceita o conceito de mundo revelado através da suprema autoridade espiritual da Igreja, para uma corpenicana, que busca descobrir a realidade no desenvolvimento da experiência individual, onde se rechaça o espaço objetivo a priori, e se busca descobrir a realidade a partir da própria experiência.

Essa também será a estrutura mental de espaço e tempo, na qual se desenvolverá o pensamento espacial do século 17 até as primeiras décadas do 20, não apenas no campo das artes e da arquitetura, mas também nas demais áreas de conhecimento afins ao tema.

No âmbito da arquitetura, o espaço deixa de ser compreendido como uma realidade metafísica, e passa a ser entendido como um requisito inerente à vida humana. Trata-se, conforme Argan (8), da passagem da fase de representação para a de determinação espacial, ou seja, de uma arte sistemática, cujos valores são estabelecidos a priori, para uma concepção metodológica, na qual a realidade é compreendida através do desenvolvimento da experiência individual. O arquiteto renuncia ao entendimento de que está representando um espaço dado, através de formas ou tipos espaciais pré-estabelecidos e revelados pelos arquitetos da antiguidade clássica, passando à compreensão de que o valor espacial é determinado a partir da sua própria criação da forma arquitetônica.

Também no campo filosófico ocorre uma passagem similar, de uma concepção sistemática para uma metodológica, quando serão desenvolvidas entre os séculos 17 e 18, segundo Argan (9), duas correntes de pensamento, o racionalismo de Immanuel Kant (1724-1804) e o empirismo de John Locke (1632-1704), que deram sustento ao movimento iluminista moderno, estendendo a razão como guia e crítica a todas as áreas do conhecimento humano.

Esse pensamento exercerá forte influência sobre o debate artístico que ocorrerá em meados do século 18 e 19, especialmente em solo alemão, quando o clássico e o romântico são teorizados e a filosofia da arte, a estética, se desenvolve a partir do filósofo Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762), substituindo as tratadísticas anteriores da arquitetura, afirmando a autonomia da arte, e promovendo a mudança de paradigma artístico (10).

A estética encontrará amplo desenvolvimento, não apenas a partir de Immanuel Kant, mas também de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), conformando duas abordagens distintas, as correntes formalista e idealista, respectivamente, constituindo-se nas principais referências para o desenvolvimento do pensamento artístico do século 19 (11).

Na arquitetura, por sua vez, o debate, nesse momento, estará vinculado à busca por uma nova expressão artística, em oposição aos revivalismos da época, e, assim como nas artes plásticas, se iniciará em torno das questões da forma, para em seguida deslocar-se para o espaço, guiado através da trilha aberta pelo formalismo kantiano e idealismo hegeliano.

Desse modo, surge na Alemanha duas vertentes teóricas vinculadas a esse debate artístico, passando a estabelecer caminhos ora discordantes, ora congruentes. A primeira, idealista, desenvolvida a partir do arqueólogo Karl Bötticher (1806-1889), mas, especialmente, do arquiteto e crítico de arte Gottfried Semper (1803-1879), de onde surgirá a noção de recinto espacial, conformando o entendimento de espaço arquitetônico de grande parte dos arquitetos proto-modernos do início do século 20, dentre eles Adolf Loos (1870-1933) (12).

A segunda, a formalista teoria da visibilidade pura, consolidada como a escola dominante do período, e desenvolvida a partir da noção de que a forma e o espaço equivalem a construções mentais, correspondendo mais à uma propriedade, com as quais organizamos os objetos da percepção, do que, propriamente, uma realidade exterior; construindo seus fundamentos a partir dos padrões de visualidade em desenvolvimento na filosofia, na fisiologia e na psicologia; mas também na capacidade expressiva da arte, na forma pura em si mesma e não nos seus aspectos representacionais (13).

Essa abordagem formalista, foi enriquecida a partir dos filósofos e literatos românticos, August Wilhelm Schlegel (1767-1845), Friedrich Schiller (1759-1805) e Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), a partir das pesquisas derivadas, especialmente, da biologia, alicerçado no entendimento de que o prazer estético deriva da capacidade humana de reconhecer nas obras de arte, as sensações vividas pelos sujeitos, através de seus corpos.

Esse entendimento dará origem ao conceito de empatia desenvolvido pelo filósofo dessa vertente da Visibilidade Pura, Robert Vischer (1847-1933), tornando-se fundamental para o desenvolvimento das teorias espaciais da arquitetura de Hildebrand e, em especial, de Schmarsow, quando a empatia, antes relacionada à forma, será deslocada para o espaço (15).

Outro conceito da vertente formalista, anterior às teorias espaciais, mas igualmente fundamental ao seu desenvolvimento, foi aquele denominado visibilidade pura, criado pelo teórico e crítico de arte Conrad Fiedler (1841-1895) (16), que, também como a noção de empatia, alcançará uma nova abordagem a partir da concepção espacial de Hildebrand e Schmarsow.

De qualquer modo, é importante informar que a teoria da visibilidade pura, absorveu, de acordo com Mallgrave e Ikonomou (17), um importante aporte intelectual da vertente idealista de Semper, que se encontra claramente manifesto em alguns dos ensaios dos teóricos formalistas analisados, evidenciando que, apesar das divergências, há convergências significativas, conformando um caminho híbrido, onde estão fundamentadas as novas teorias espaciais, que, no entendimento da tese, reverberaram ao menos até as primeiras décadas do século 20. No entanto é importante reafirmar que, apesar de tais cruzamentos teóricos, a noção de recinto espacial, derivada de Semper, estará definitivamente superada a partir de Hildebrand e, fundamentalmente, de Schmarsow.

Enfim, uma vez sintetizados os precedentes teóricos a partir dos quais as teorias espaciais puderam ser conformadas, como maneira de não se perder de vista o horizonte de pensamento humano que corrobora para o surgimento desse entendimento espacial, cabe a partir de então, explicitar os principais preceitos das teorias de Hildebrand e Schmarsow, para, em seguida, cotejá-los com o exame realizado nos escritos de Schindler e Moholy-Nagy, e informar algumas das principais conclusões a que a tese chega.

Para Hildebrand, que tinha com sua teoria o propósito de desenvolver parâmetros lógicos para orientar a produção artística, apoiado nos conhecimentos da fisiologia e da psicologia da percepção e, portanto, nos conceitos de visibilidade e de empatia, a noção de espaço desenvolve-se, conforme resume Forty (18), “como meio de falar sobre movimento, em termos da experiência corporal cinética do sujeito”, cuja expressão deveria constituir a preocupação principal das obras de arte.

A partir desse entendimento, e dos preceitos da teoria de Hildebrand, elencados na tese, aqueles considerados mais significativos para o propósito deste artigo são: 1. O atributo essencial do espaço é a continuidade; 2. O espaço como continuum corresponde a uma extensão tridimensional, mas também à atividade cinestésica da nossa imaginação; 3. O espaço, ao mesmo tempo que conecta as formas e as define como volumes individuais, sem perder a unidade do todo, é também definido por elas; 4. A principal preocupação da arte é evocar a ideia de espaço contínuo, através da criação de uma estrutura cinestésica, que ao organizar as formas ou objetos individuais, sugiram um volume espacial total, em consonância com nossa ideia mental de espaço; 5. A arquitetura é o exemplo direto dessa criação artística, na medida que o movimento, nesse caso, não é mera sugestão, mas a própria experiencia do sujeito ao caminhar; 6. Para a arquitetura, a forma é espaço.

Por sua vez, no que se refere à obra de Schmarsow, que tinha como objetivo defender uma nova abordagem historiográfica para a arquitetura, como crítica e alternativa à produção revivalista da época, o espaço, assim como descreve Forty (19), “forneceu uma resposta para a pergunta sobre o que nas obras de arquitetura estimulava a percepção estética”. Schmarsow irá revelar, a partir da sua nova metodologia, denominada explicação genética, que cria, fundamentalmente, vinculada ao conceito de empatia, a estrutura perceptiva que atua na relação entre sujeito e espaço arquitetônico.

Assim, os principais preceitos da teoria de Schmarsow, podem ser sumarizados como: 1. O espaço é o elemento atemporal da arquitetura; 2. A expressividade espacial da arquitetura deriva da noção intuída de espaço tridimensional, desenvolvida pelo sujeito, em decorrência da experiência sensorial vivenciada por todo o seu corpo; 3. A parte da psiquê na qual se desenvolve a imaginação espacial é análoga àquela onde se origina o pensamento matemático, e, embora os processos sejam inseparáveis, são também distintos: a primeira em abstração e a segunda transformando intuição em formas tangíveis; 4. A partir de tais processos, a imaginação espacial desenvolve um sistema ordenador, constituindo o aparato a partir do qual o mundo passa a ser enxergado, revelando a tendência natural das criações humanas para o traçado e as formas regulares; 5. Todas as criações espaciais decorrem da existência dessa noção intuída de espaço e são organizadas, instintivamente, a partir dos meridianos do próprio corpo do sujeito; 6. A coordenada dominante desse sistema axial, será aquela correspondente ao corpo ereto, ou seja, ao eixo vertical, que não opera fisicamente, mas, idealmente, como a projeção ou manifestação do sujeito; 7. Mesmo que o eixo vertical se estenda sem limites, a configuração do espaço não deixará de existir, já que sua delimitação é estabelecida pelos fechamentos laterais em entorno do sujeito; 8. A expressividade espacial é determinada pelo movimento real do sujeito, pela direção livre do corpo para frente e auxiliado pela visão, a partir do qual, relações dimensionais são definidas, especialmente, a ideia de extensão ou de profundidade espacial; 9. A criação espacial da arquitetura se estende ao espaço exterior das edificações, nas mais diversas construções humanas.

Após confrontar os preceitos acima elencados, com o exame dos dois escritos de Schindler e Moholy-Nagy, mencionados neste artigo, foi possível perceber a reverberação de alguns desses fundamentos nas noções espaciais de ambos, que, mesmo derivadas de experiências individuais distintas, são de certa maneira congruentes. Algumas dessas confluências serão sucintamente indicadas a seguir.

Uma primeira aproximação, refere-se à própria perspectiva de desmaterialização da arquitetura, que se apresenta nessas teorias do século 19, quando os aspectos espaciais assumem preponderância sobre a forma e a matéria. Essa concepção, não apenas é reafirmada por Schindler e Moholy-Nagy, mas também ganha uma nova dimensão em ambos.

Para Schindler, a própria razão do seu manifesto, está na defesa daquilo que considera o novo meio da arquitetura, o espaço. Ou seja, na ideia da arquitetura a partir do entendimento de que suas qualidades essenciais, devem residir, fundamentalmente, na questão espacial e não nos seus aspectos formais ou materiais, à qual deveriam submeter-se. Essa ênfase dada por Schindler ao espaço, vai conduzir não apenas o escrito em questão, mas todo o esforço teórico e prático do arquiteto durante sua vida profissional.

Por outro lado, o aspecto da “desmaterialização” da arquitetura em Moholy-Nagy (20), ganhará novos contornos operacionais, a partir das possibilidades da luz exploradas pelo artista no teatro, quando ao manipular esse recurso, percebeu que limites espaciais podem ser alterados ou mesmo criados, unicamente através desse elemento. Para o artista, as próximas gerações, poderiam alcançar uma radical “desmaterialização” da arquitetura, através do desenvolvimento de novas tecnologias construtivas, “quando a arquitetura de vidro e ar comprimido se desenvolver”.

Para além desse tema, o entendimento de Schindler e Moholy-Nagy do espaço como um continuum, remete também a um preceito fundamental de ambas teorias espaciais. No caso de Moholy-Nagy, em especial, a criação espacial resultaria de um recorte desse espaço, que é compreendido como contínuo e ilimitado. Assim, a tarefa do arquiteto estaria na organização de formas, que, mesmo fragmentadas, estabelecessem relações apoiadas em leis ou ideias cinestésicas do espaço, de maneira a criar conexões e evocar a ideia de espaço total e contínuo, lembrando, claramente, a maneira como Hildebrand, na sua teoria, se refere à criação artística.

 

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Também é importante reafirmar, o fato de que tais propriedades espaciais revelam uma consonância com o pensamento cosmológico moderno do período, ou seja, do espaço como uma entidade contínua e infinita, contendo em si todas as coisas, como comentado anteriormente. Essa relação entre ambas dimensões, inclusive, já havia sido reportada por Schmarsow, quando afirma, na sua obra, que a trajetória do espaço arquitetônico é parte integrante da história das cosmovisões, pensamento com o qual também corrobora Moholy-Nagy.

Essa perspectiva do espaço como uma extensão tridimensional contínua e ilimitada, é ainda reforçada, tanto em Moholy-Nagy, quanto em Schindler, através da defesa da livre articulação espacial, em oposição à noção de recinto espacial ou de “caixa”, integrando não só os espaços interiores, mas também estes com os exteriores.

Por sua vez, a noção de empatia desenvolvida nas teorias de Hildebrand e Schmarsow, é outro aspecto também presente nas obras de Schindler e de Moholy-Nagy. Há em ambos o entendimento de que a consciência espacial é uma experiencia humana, resultante de uma sensibilidade biológica e do seu desenvolvimento fisiológico, que, passa a ser experimentada como uma extensão do próprio corpo do sujeito, através não apenas da visão, mas também a partir de todos os sentidos humanos em ação e em movimento.

Especialmente em Schindler, essa expressividade espacial da arquitetura, alcançada através da presença do próprio sujeito e desenvolvida em decorrência de toda a experiência sensorial que corporalmente vivenciou, estará, inevitavelmente, imbuída da cultura de onde é originário. Mostrando-se, nesse ponto, muito devedor do racionalismo orgânico de Frank Loyd Wright (1867-1959), com quem trabalhou de 1917 à 1923. Por sua vez, essa abordagem de Wright, de acordo com Forty (21), deriva da noção de forma orgânica ou forma viva, recuperada pelo arquiteto Louis Sullivan (1856-1924), dos formalistas românticos, citados acima.

Os preceitos espaciais decorrentes dessa tradição teórica, que adquiriu um potente entendimento espacial em Wright, também são perceptíveis nas obras residenciais de autoria de Schindler produzidas desde 1921, como no caso da Kings Road, construída em Hollywood, nos Estados Unidos. Nela, estão presentes aspectos como: continuidade espacial, integração entre o interior e um exterior específico, e resulta de uma criação espacial derivada da escala humana e da busca por se tornar uma extensão de um sujeito determinado.

 

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Na obra de Moholgy-Nagy, por sua vez, a noção de empatia de Schmarsow é percebida, especialmente, quando o artista descreve as três abordagens espaciais, que considera relevantes para a arquitetura moderna, exemplificando-as a partir de seus expoentes:

1. Cada lado perfurado; flutuando horizontalmente (Wright);

2. Do mesmo modo, aberto na direção vertical; a interpenetração ocorre não apenas lateralmente, mas também para cima e para baixo, por exemplo: a ponte de um navio, a obra de Gropius, Corbusier, Oud, Mies van der Rohe e os jovens arquitetos;

3. A planta baixa superior é diferente da inferior; células espaciais estão suspensas no teto (22).

Na descrição que faz dessas abordagens, sobretudo na maneira como se refere às direções espaciais, Moholy-Nagy, parece reverberar a noção de criação espacial de Schmarsow, desde dentro, animada pelo próprio corpo do sujeito como seu eixo central, que opera não fisicamente, mas idealmente como sua representação, tornando-se a razão final da organização do espaço.

Para exemplificar tais abordagens, o artista cita, no caso da primeira, a obra da Casa Robie de Wright, e para a segunda, além de se reportar novamente à obra já citada da Casa La Roche de Corbusier, complementa-a com uma imagem da fachada da Bauhaus em Dessau, de Walter Gropius, onde se percebe, claramente, a integração interior-exterior presente nos vários pavimentos, possibilitada pelas vedações em grandes panos de vidro.

 

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Também ao finalizarem seus escritos, Schindler e Moholy-Nagy, estabelecem aproximações com as teorias espaciais de Hildebrand e Shmarsow.

Moholy-Nagy (23) afirma que a arquitetura não deve ser compreendida “como um recinto fixo, como um arranjo inalterável de cômodos, mas como um componente orgânico do viver, como uma criação no domínio da experiência espacial”. Assim, para o artista, a realização completa da arquitetura apenas ocorreria quando houvesse a compreensão de que uma de suas funções mais importantes é a ordenação humana no espaço, tornando-o articulado. E assim como Schmarsow, Moholy-Nagy enfatiza a concepção da arquitetura como a arte da criação espacial, onde o homem emprega sua imaginação, estendendo suas organizações espaciais a todas as construções humanas, sem, contudo, opor-se ao espaço contínuo e ilimitado.

Corroborando com Moholy-Nagy, Schindler, por sua vez, ao concluir seu manifesto, afirma que a tarefa da arquitetura moderna consiste em criar “formas espaciais”, a partir desse novo meio, — o espaço — expressivamente tão rico e ilimitado quanto quaisquer outros existentes na arte, como o som, a cor e as massas. Para o arquiteto, as experiências desenvolvidas através de suas obras deveriam, necessariamente, buscar “desenvolver uma nova linguagem, um vocabulário e uma sintaxe do espaço” (24).

Assim, é possível concluir que, ao analisar as obras de Schindler e Moholy-Nagy, há importantes indícios de que o ideário espacial da arquitetura moderna, no que se refere aos seus aspectos teóricos, encontra parte de seus fundamentos nas teorias espaciais do século 19, como uma deriva da vertente formalista da visibilidade pura.

Também é importante mencionar que os caminhos teóricos trilhados por Schindler e Moholy-Nagy, por mais que encontrem congruências, também podem ser identificados a partir de suas aproximações com duas correntes racionalistas distintas. Schindler, muito claramente vincula-se ao racionalismo orgânico, ou seja, ao viés formalista animado pela perspectiva romântica, que se estende desde a noção de forma viva de Goethe, à metodologia genética de Schmarsow, e que, no arquiteto, se explicita a partir da sua defesa por uma arquitetura, que, definida em função da escala humana, tome a natureza como pressuposto, integrando-se à mesma.

Por outro lado, a condução teórica de Moholy-Nagy, parece também encontrar vínculos com a corrente do racionalismo formal de Corbusier ou mesmo com aquela vinculada ao neoplasticismo, do qual participou como artista, mas não permaneceu. Ambos racionalismos buscam assentar-se em uma perspectiva universal, a partir de bases científicas, derivadas da matemática e da geometria. Neles, a arquitetura e a natureza são tratadas de maneira equivalente, onde a natureza não se configura como um pressuposto, como para os racionalistas orgânicos.

É, portanto, possível identificar vestígios e nexos das teorias espaciais do século 19 nas bases teóricas que informam a profunda transformação espacial promovida pela Arquitetura Moderna. Porém, certamente não se pode reduzir a sua complexidade produtiva à uma única fonte fornecedora de seus fundamentos. Uma vasta análise dos escritos realizados por outros protagonistas do movimento moderno se faria necessária. E, para além desta ampla cobertura analítica, a própria produção da arquitetura moderna, no embate das diversas questões que a envolvem, também construiu princípios teóricos. Revelando-se assim, um traço próprio das vanguardas do movimento moderno, traço esse que funda o seu caráter singular: a circularidade entre criação e teorização. Nesta estrutura circular que se estabelece entre obra e teoria, evidencia-se que não há uma relação servil da primeira em relação a segunda. Assim, dialética em sua estrutura produtiva, parte da inédita teoria da espacialidade criada pela arquitetura moderna, também pode ser fruto da sua própria experimentação prática.

notas

NE — Este artigo foi originalmente apresentado no evento 15º Seminário Docomomo Brasil, ocorrido em São Paulo de 17 de outubro de 2023 a 21 de outubro de 2023.

1
Na pesquisa foi utilizada a tradução para o inglês de tais ensaios, com introdução e tradução realizadas por Harry Francis Mallgrave e Eleftherios Ikonomou. Os dados de publicação dos textos originais em alemão são encontrados, após cada tradução, nas notas da obra: MALLGRAVE, Harry Francis; IKONOMOU, Eleftherios. Empathy, Form and Space: Problems of German Aesthetics 1873-1893. Santa Mônica, Getty Center for the History of Art and Humanities, 1994.

2
SCHINDLER, Rudolph Michael. Space Architecture, 1937. In MARCH, Lionel; SHEINE, Judith (org.). R.M SCHINDLER: Composition and Construction. Londres, Academy Editions; Ernst & Sohn, 1995.

3
Na pesquisa foi utilizada a quarta revisão da edição de 1928, acrescida do resumo sobre o artista: MOHOLY-NAGY, László. The New Vision and Abstract of an Artistic. Nova York, Wittenborn, Schultz, Inc., 1947.

4
ARGAN, Giulio Carlo. El concepto del espacio desde el Barroco a nuestros dias. Buenos Aires, Ediciones Nueva Visión,1973.

5
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo, Marins Fontes, 2000.

6
SZAMOZI, Géza. Tempo & Espaço: as dimensões gêmeas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1988.

7
ARGAN, Giulio Carlo. El concepto del espacio desde el Barroco a nuestros dias (op. cit.).

8
Idem, ibidem.

9
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.

10
Idem, ibidem.

11
ABBAGNANO, Nicola. Op. cit.

12
FORTY, Adrian. Words and Buildings: a Vocabulary of Modern Architecture. New York, Thames & Hudson, 2012; PAYET, Pere Hereu. Teoria de l'arquitectura: l'ordre i l'ornament. Barcelona, UPC, 2000.

13
MALLGRAVE, Harry Francis; IKONOMOU, Eleftherios. Op. cit.

14
VISCHER, Robert. On the Optical Sense of Form: A Contribution to Aesthetics. In MALLGRAVE, Harry Francis; IKONOMOU, Eleftherios. Op. cit.

15
FORTY, Adrian. Op. cit.

16
FIEDLER, Conrad. Observations on the Nature and History of Architecture. In MALLGRAVE, Harry Francis; IKONOMOU, Eleftherios. Op. cit.

17
MALLGRAVE, Harry Francis; IKONOMOU, Eleftherios. Op. cit.

18
FORTY, Adrian. Op. cit., p. 262. Tradução dos autores.

19
Idem, ibidem.

20
MOHOLY-NAGY, László. Op. cit., p. 64. Tradução dos autores.

21
FORTY, Adrian. Op. cit.

22
MOHOLY-NAGY, László. Op. cit., p. 62. Tradução dos autores.

23
Idem, ibidem, p. 60. Tradução dos autores.

24
SCHINDLER, Rudolph Michael. Op. cit., p. 55. Tradução dos autores.

sobre os autores

Mércia Parente Rocha é doutora pelo Programa de Pós Graduação da UFPB (2023) com a tese Vestígios e nexos da noção de espaço moderno: teoria da visibilidade pura e arquitetura moderna, sob orientação do professor doutor Márcio Cotrim, e mestre pela mesma instituição (2011), cuja dissertação, desenvolvida sob a orientação da professora doutora Nelci Tinem, foi premiada com menção honrosa em 2012 pela Anparq.

Márcio Cotrim Cunha é doutor pela Universitat Politècnica de Catalunya (2008) e mestre pela mesma instituição (2002), professor da Faculdade de Arquitetura e do Programa de Pós-Graduação da UFBA, colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFPB e autor dos livros, Vilanova Artigas: casas paulistas (2017) e Arquitecturas de lo Cotidiano: La Obra de Ribas Arquitectos 1960-2007 (2008).

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