Ambos, Sosuke Fujimoto e Junya Ishigami fazem parte da nova geração de arquitetos japoneses que, além deles, inclui outros importantes nomes, como Tezuka Architects, Shigeru Ban e Sanaa-Kazuyo Sejima, todos com visões instigantes e inovadoras do espaço e do fenômeno arquitetônicos, e das relações profundas entre arquitetura e cidade. O que destaca os dois primeiros é a inusitada e difícil incursão de pensar a arquitetura a partir do seu início, antes da arquitetura estar solidificada enquanto ciência e arte do construir.
O escritório Sou Fujimoto Architects, localizado em Tóquio, Japão, lançou recentemente o livro Primitive Future, que além de apresentar os principais projetos do grupo, discorre sobre a estimulante e fecunda concepção de futuro primitivo. Esse conceito parte da dicotomia entre a caverna e o ninho, a primeira enquanto concepção criativa e libertadora no espaço e o segundo enquanto exercício funcional e preciso do espaço, e dá corpo a um pensamento arquitetônico que aponta para a solução dessa dicotomia.
Já o jovem e promissor Junya Ishigami ganhou destaque após ser o arquiteto responsável pela obra-instalação do Japão na 11ª Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza de 2009 com seu trabalho Natureza Extrema: paisagem de espaços ambíguos, que traduz seu original pensamento da relação intrínseca entre arquitetura e natureza. Ishigami trabalhou durante anos no escritório de Kazuyo Sejima - SANAA e agora desenvolve seu pensamento em trabalhos audaciosos e instigantes. Suas obras mesclam o universo da arte, design, arquitetura e paisagem, como podemos perceber em Table de 2005, uma mesa com 9,5 metros de largura e apenas 3 milímetros de espessura, em Ballon de 2007, uma instalação de um balão de 14 metros de altura e pesando 1 tonelada que flutua sobre os visitantes e o projeto Kanagawa Institute of Technology em 2008 que contém 305 delgadas colunas dispersas aleatoriamente criando uma leveza e transparência singulares ao edifício.
Arquitetura antes da arquitetura de Sou Fujimoto
A arquitetura de Sou Fujimoto nos transporta para uma experiência do espaço ainda não estratificada, ainda não estabilizada entre os limites da visão de mundo convencional, ainda não dobrada dentro de nós como uma potencialidade que talvez jamais se materialize. Pelo contrário, vivenciamos, de início, o silêncio exuberante e solene que enche o interior da caverna e a virtualidade pura diante de nós. Em seguida, disposições de elementos que são ora piso ora teto, ora ambos, ora alçapão ou clarabóia, mas também ambos. Entre uma linha projetual e a cor branca não há distância, pois é a própria natureza da relação que muda. Não há arquitetura confinada aos limites das suas funções bem conhecidas, pois a percepção ainda sonda as possibilidades da caverna, e a arquitetura ainda terá de esperar séculos para nascer.
Fujimoto apoia-se em seu conceito de futuro primitivo, cuja proposta é de se instaurar, criativamente e projetualmente, no momento antes do surgimento da arquitetura. Sua arquitetura não define uma distinção formal clara entre piso, parede, estrutura, cobertura; nem funcional entre descanso, trabalho, estar, contemplar, permanecer. De certa forma, Fujimoto nos apresenta uma leitura precisa da ambiguidade, instabilidade e fluidez característicos de nossos tempos.
Então, vislumbramos as insinuações de uma alegria inédita, que nos leva para além de tudo o que já havíamos instaurado, consolidado, padronizado. O tempo é o que nos guia nessa jornada, pois a nossa percepção e o nosso corpo, ao atravessarem a caverna com delicadeza e prudência, a modificam, recebendo informações que não estavam esperando. Se há signos, eles são ambíguos, escorregadios, brincalhões, referências provisórias que pontuam os enclaves do espaço indecidível como cantigas de ninar que fizessem jorrar imagens em nuvens mutantes. A cada piscar de olhos, vemos nossa existência refletida em novas nuanças no ambiente à nossa volta, pois, como nossos antepassados rupestres, ainda nos encontramos em estado bruto.
Por outro lado, no caso das suaves gradações da luz ambiente na Wooden Final House, a luz climática que vemos interage com as “metáforas reais” das várias funções arquitetônicas (mesa, piso, cobertura, paredes, portas e janelas) à medida que nos movimentamos em meio a essas estruturas pré-arquitetônicas feitas de blocos de madeira.
A Wooden Final House parte de um módulo básico, um bloco de madeira de 35 centímetros quadrados, que em conjunto fazem a função de estrutura e dos possíveis espaços de comer, sentar, deitar, contemplar, descansar, estudar, etc.
As funções emergem do espaço virtual que fervilha de possibilidades e se “materializam” numa talvez-janela ou talvez-porta, para logo dar lugar a outra concretização criativa provisória ou quase-provisória que a nossa percepção estabiliza em meio a esse espaço germinal.
A arquitetura de Fujimoto é esse paradoxal estado arcaico futurista, que, em devir constante, une as duas pontas da história da arquitetura, e nos leva a repensar nossos modos convencionais de experimentar as cidades, suas casas e o espaço urbano, as re-existências que incessantemente se recopiam entre os limites do conhecido, do demasiadamente conhecido e, por extensão, da própria arquitetura contemporânea.
Junya Ishigami e a natureza sutil do espaço
A obra Junya Ishigami, apesar de pouco conhecida e divulgada pela mídia, contém uma qualidade inesperada e criativa para a arquitetura nos dias atuais, ligando-se a algumas questões levantadas por Fujimoto. No pavilhão japonês da Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza, Ishigami nos transporta para uma outra natureza primitiva do homem com a natureza. Se para Fujimoto o primitivo e o futuro estão ligados conceitualmente ao nos instalarmos antes da arquitetura surgir, para Ishigami há um outro foco dessa relação, pois o que se instala é uma ambiguidade espacial e conceitual entre o homem, a artificialidade e a natureza. Ora vegetação, ora edifício, ora dentro, ora sala, ora estrutura, ora vegetação... o projeto instala-se na incerteza das funções e formas. Essa primordial relação entre universo espacial construído e o delicado e belo tratamento da paisagem foram obtidas pelo trabalho em conjunto com o botânico Hideaki Ohba.
Os limites não ficam claros nem nas relações entre o que é externo e interno, pois natureza e construção são o mesmo, participam de uma mesma matéria informe e enigmática. São as gradações entre diversas escalas que interessam para Ishigami, além da relação gradativa entre natureza e edifício que os torna indistinguíveis entre si.
Os processos de representação de Ishigami também nos chamam a atenção pela delicada e afetiva rede de associações entre a natureza e o homem. Desenhos pequeninos, rabiscados como de uma criança, plantas, flores e árvores misturados às pessoas, aqui também não há distinção ou hierarquia, pois para Ishigami, tanto o homem, o edifício e a planta estão num mesmo patamar de importância.
Em seu projeto Small Island, Ishigami nos conduz para um exercício profundo de seu pensamento, propondo um urbanismo sem ruas, apenas ilhas de formas diversas, minúsculas, grandes, ovais, disformes; cada uma com tipos de vegetações e habitações diferenciadas, misturadas a ponto de serem um só e único ambiente arquitetural. O que prevalece aqui não é tanto a ausência das referências de loteamento e circulação por vias, mas sim a do imbrincamento estético e ético entre o homem e o ambiente, propondo outros modos de morar.
E no projeto T-House, o arquiteto projeta o mesmo sentido de ambiguidade espacial, mas numa típica habitação de dimensões pequenas. Para Ishigami, o projeto seria como estar numa pequena floresta, rica em sua diversidade paisagística, e o morador estaria totalmente imerso nesse ambiente. Podemos perceber suas intenções levadas quase às últimas consequências entre arquitetura e a natureza, pois as funções tais como quarto, banheiro, espaço de jantar ficam soltos em edifícios separados no terreno, interligados apenas pelas gradações e densidades de plantas, flores e texturas.
Obviamente que ainda é prematuro afirmar a importância da obra e pensamento destes promissores arquitetos para o mundo da arquitetura. Em um mundo cuja palavra de ordem é a obsolescência, resta sim, um conjunto de inovadoras ideias para um pensamento ético e estético na arquitetura que compreende a natureza fugidia e ambígua do mundo contemporâneo.
links de interesse
Site arquiteto Sou Fujimoto. http://www.sou-fujimoto.com
Site arquiteto Junya Ishigami. http://www.jnyi.jp
maquetes
Wooden House
Christiani Garcia Gardini, Marília Vilela Pupim, Rafaela Caris Perinelli e Yoná Beltran BrandãoN House
Danielle Cantoia, Jéssica Pascoalato, Rodolfo Murasse
imagens
Todas as imagens são das maquetes das casas e são de autoria de André Teruya Eichemberg.
referências bibliográficas
FUJIMOTO, Sou. Primitive Future. Contemporary Architects Concepts Series, vol 1. Inax Publishing, 2008.
Revista 2G, n. 50. Sou Fujimoto, 2009.
ISHIGAMI, Junya. Small Images. Contemporary Architects Concepts Series, vol 2. Inax Publishing, 2009.
sobre os autores
André Teruya Eichemberg. Arquiteto e Urbanista formado pela Unesp, Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Votuporanga.
Maria Júlia Barbieri. Arquiteta e Urbanista formado pela Unesp, Mestrado em Comunicação Midiática pela UNESP-Bauru, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Votuporanga.
André Teruya Eichemberg e Maria Julia Barbieri Eichemberg, Votuporanga SP Brasil