Alguém talvez devesse esclarecer melhor o Secretário da Cultura da cidade de São Paulo, Carlos Augusto Calil, sobre preservação do patrimônio cultural e características do instrumento do tombamento (1).
Ao referendar o pedido de tombamento do edifício que abriga o cinema Belas Artes, ele não está, como pode parecer, atuando a favor da continuidade das atividades do cinema Belas Artes, e sim direcionando uma questão do âmbito da política cultural da sua Secretaria para um órgão como o Conpresp que não tem como solucioná-la através do tombamento.
O tombamento é um instrumento de proteção que recai sobre “coisas”, e não sobre “atividades”, no caso incidiria sobre o edifício onde estão as salas, e não sobre as atividades que ali se desenvolvem.
O tombamento não legisla sobre uso. O proprietário teria o direito, assegurado por lei, de alugar seu imóvel tombado para quem bem entendesse desde que o novo uso, comercial ou não, não colocasse o imóvel em risco. Reiterando que o tombamento não resolveria a questão do encerramento das atividades do cinema, está ali nas proximidades o ex-cine Astor, atual Livraria Cultura, que não nos deixa mentir.
O Secretário, grande especialista na área de cinema, sabe melhor do que ninguém, que as salas de cinema , principalmente as de rua, e especialmente aquelas com uma programação como a do Cine Belas Artes, estão fechando porque não se sustentam mais sem patrocínio, não têm mais público que as sustente.
E não se pode exigir do cidadão proprietário que mantenha uma atividade comercial deficitária, nem se essa atividade for cultural. Do poder público sim, se poderia exigir, mas não de um cidadão. Esperaríamos da Secretaria da Cultura gestões objetivas para que esta sala tradicional pudesse continuar funcionado e mantendo a tradição de qualidade da sua programação.
Isto é o que esperamos e desejamos, e que só poderá ser realizado através da efetivação de novos patrocínios de empresas, ou parcerias com os poderes públicos da cultura.
O tombamento do edifício ou das salas onde funciona o cine Belas Artes, significaria desgastar o DPH e o Conpresp, desvirtuar o instrumento do tombamento lhe conferindo ainda um caráter arbitrário e autoritário que não é dele, e, pior, não iria garantir a existência do cinema Belas Artes.
nota
1
SOUSA, Ana Paula. Tombamento do Belas Artes será votado na terça-feira. Folha de S. Paulo, São Paulo, caderno Ilustrada, 13 jan. 2011. Reproduzido em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/859883-tombamento-do-belas-artes-sera-votado-na-terca-feira.shtml
sobre a autora
Cecilia Helena Godoy Rodrigues dos Santos, arquiteta, mestre pela Université de Paris X, doutora pela FAU USP, pós-doutoranda do PROURB FAU UFRJ, com especialização na área de Preservação do Patrimônio Cultural onde atua como consultora técnica, pesquisadora e docente. Professora adjunta e pesquisadora da FAU Mackenzie, tem colaborado com diversas publicações no Brasil e no exterior. Entre outros livros é co-autora de Le Corbusier e o Brasil (Tessela/Projeto, 1987); De Santos a Jundiaí: nos trilhos do café com a São Paulo Railway (Magma, 2005); Marcelo Ferraz, Francisco Fannuci – Brasil Arquitetura" (Cosac Naify, 2005).