Na segunda semana de junho, entre os dias 8, 9 e 10, aconteceu, em Fortaleza, um dos mais importantes eventos brasileiros de arquitetura dos últimos anos: o "Fórum Jovens Arquitetos Latino-Americanos - uma inserção numa realidade periférica". A organização, a cargo de um grupo de novíssimos arquitetos cearenses, teve a brilhante ideia de reunir 11 jovens arquitetos da América do Sul para discutir, através da produção dos seus escritórios, um recorte da nova arquitetura latino-americana. O perfil dos palestrantes envolvia uma ligação com a academia através da docência, a participação e o destaque em concursos públicos de projeto e premiações, além de uma produção que ainda não estivesse consagrada pela mídia especializada.
O auditório da Fábrica de Negócios completamente lotado denotava o enorme interesse dos arquitetos e estudantes em conhecer como a nova geração de profissionais incorpora, em sua prática projetual, o discurso teórico fundamentado em uma identidade latino- americana.
O professor Fernando Lara destacou, em sua vídeo-conferência de abertura, que a América Latina sempre foi um campo de experimentações para a Europa e que isso resultou em diversos processos de "transculturação"; ou seja, o impacto entres duas culturas gerando novos padrões para ambas; e ressaltou que, de certa forma, esse processo contribuiu para forjar a diversidade cultural do nosso continente.
Lara afirmou que a aproximação entre os arquitetos latino-americanos é recente e que há algumas décadas atrás a relação da arquitetura com o exterior se dava principalmente com a Europa e os EUA.
Esse momento histórico, em que a arquitetura latino-americana desperta para suas particularidades geográficas e procura afirmar uma identidade própria sem perder de vista a contextualização global, é extremamente rico e complexo.
Nesse sentido, o Fórum Jovens Arquitetos Latino-Americanos foi extremamente bem sucedido porque conseguiu confrontar modos de pensar o espaço construído tão díspares e tão afins. Em síntese, fica evidente na exposição dos trabalhos de todos os escritórios que, em última instância, o contexto geográfico, em todas as suas variáveis, é sempre quem dita a forma de espacialização e a morfologia arquitetônica.
Na abertura do FJAL, o arquiteto Álvaro Puntoni faz um breve passeio pela selva de pedra chamada São Paulo para contextualizar sua obra carregada da tectonicidade do concreto em que a busca pela construção de espaços vazios talvez seja uma súplica implícita por um espaço de convivência tão caro numa cidade super adensada.
Na segunda palestra o Al Borde, representado por Pascual Gangotena e David Barragan sensibilizaram a audiência com uma prática que aproxima a pesquisa acadêmica das necessidades da população menos favorecida e geralmente excluída do acesso aos espaços construídos com qualidade e dignidade. Para o Al Borde, o importante é fazer as perguntas certas para "resolver os problemas da maneira mais básica, fundamental e simples possível". A simplicidade da sua obra despertou-nos um sentimento do poder transformador da arquitetura.
No segundo dia, o início da tarde foi dedicado às apresentações do Studio Paralelo (Brasil) e do MAAM (Uruguai) que desenvolvem um trabalho colaborativo apoiado das tecnologias de comunicação e informação com foco nos processos de configuração morfológica dos projetos. As afinidades entre os dois escritórios já lhes renderam a conquista de diversas premiações em concursos, a exemplo da sede do CREA-PB em Campina Grande.
A participação do paulista Yuri Vital foi pontuada com projetos que buscam valorizar o paradoxo entre o peso e a leveza da arquitetura.
Ancorada na tradição da escola paulista de Artigas e Mendes da Rocha, a obra de Vital explora um repertório mínimo de materiais, como o concreto, o aço, o vidro e os cobogós, apresentados sempre que possível em seu aspecto natural. Fernando Lara destaca a importância da "Box House" como paradigma de qualidade em arquitetura de baixo custo e faz uma provocação quando contesta, em seu vídeo de abertura do Fjal, a aplicação do acabamento em reboco sobre os blocos de concreto.
A última palestra da quinta-feira foi a do escritório 7S34W, representados por mim (Oliveira Júnior) e Davi de Lima. A exposição enfatizou a estreita relação entre a geografia e a identidade arquitetônica local pautadas nas reflexões teóricas de Rossi, Lamas e nas recomendações do "Roteiro para construir no Nordeste", de autoria do arquiteto pernambucano Armando de Holanda. As obras e projetos desenvolvidos predominantemente em concreto, em madeira ou em aço representaram um recorte cronológico e tectônico da produção do 7S34W e denotaram a versatilidade da produção dos arquitetos. Nas palavras de Fernando Lara as obras de Oliveira Júnior representam “uma arquitetura brava, uma arquitetura forte. Lê o que tá se passando no mundo e traduz em materialidade, em tectonicidade pra construtividade” local sem se render a ela.
A primeira apresentação do último dia do FJAL foi do Rua Arquitetos. Pedro Évora e Pedro Rivera trouxeram para o Fórum "flashes" da sua experiência urbanística na cidade do Rio de Janeiro. Com um trabalho ora centrado nas questões sociais e periféricas e, outras vezes, na efemeridade dos eventos urbanos. Atentos à complexidade dos fatos sociais, o Rua Arquitetos olha a cidade como faria Ole Bauman quando ressaltou no 19º CBA, ano passado no Recife: "onde há uma necessidade, há uma oportunidade". Com o jeito "malandro" do bom carioca, os Pedros deixaram seu recado no FJAL de que "quem sabe faz a hora não espera acontecer" (Vandré).
Uma das características fortes no trabalho apresentado pelo colombiano Frederico Mesa, do Plan B, foi o processo de investigação morfológica a partir da variabilidade de uma unidade formal pré-definida que tem na obra do Orquídeograma seu exemplar mais bem sucedido. Os projetos do Plan B, mesmo diante de um claro rigor racional, modular e construtivo, procuram explorar a dinamicidade morfológica espacial e volumétrica em detrimento de uma organização arquitetônica cartesiana.
A penúltima conferência do Fjal foi brilhantemente conduzida por Alexandre Brasil e Bruno Santa Cecília dos Arquitetos Associados. O grupo contextualizou sua formação em meio à rebeldia mineira dos "pós-modernistas" Éolo Maia, Jô Vaconcelos e Sylvio de Podestá de um lado, e as referências modernistas "clássicas" cariocas e paulistas do outro. As principais obras apresentadas estão em Minas Gerais orbitam em torno da capital Belo Horizonte.
A relação dos arquitetos com a academia é explícita tanto na postura crítica e conceitual das intervenções, como na maneira didática de explanar suas ideias. O destaque, sem sombra de dúvidas, foi para o conjunto arquitetônico do Inhotim, onde hierarquicamente a natureza se sobrepõe à arquitetura e fica clara a intenção dos arquitetos em mimetizar a construção com a paisagem para minimizar o impacto visual.
O fechamento do Fórum Jovens Arquitetos Latino-Americanos ficou sob a responsabilidade do chileno Sebastián Irarrázaval que iniciou com um breve panorama sobre as condições políticas, econômicas e sociais que forjaram o sucesso da arquitetura contemporânea chilena, enfatizando a ascensão de uma nova elite que buscou afirmar-se por meio da construção de novos signos e edifícios que representassem seus ideais e a diferenciassem da classe dominante anterior.
A seleção das obras foi comentada através de vídeos que tinha a clara intenção de revelar a arquitetura como um "organismo vivo" e a dinamicidade na apropriação dos espaços pelos seus usuários. Para Irarrázaval importa mais a materialidade na arquitetura que sua relação com o lugar e as tradições locais.
Sebástian Irarrázaval encerrou o Fjal deixando no ar uma provocação de que o abandono das tradições é um ponto fundamental para a construção de uma nova arquitetura.
Após três dias de intenso intercâmbio cultural e arquitetônico, fica a certeza de que todos saíram ganhando deste fórum. Durante esse período, a imprensa cearense difundiu maciçamente o evento e realizou diversos debates sobre o papel dos arquitetos e urbanistas, das universidades e do poder público na qualificação dos espaços urbanos e o impacto direto sobre a vida dos cidadãos.
O sentimento entre os participantes é o de que se leva na bagagem muito mais do que se trouxe para compartilhar, afinal ‘o todo é maior que a soma das partes’.
Fica a esperança de que os conhecimentos compartilhados sejam multiplicados e que a semente lançada no Fjal seja replicada em outras partes do país e da América Latina.
À imprensa especializada cabe o papel de fazer reverberar o conteúdo geral do Fórum Jovens Arquitetos Latino-Americanos para que sejam agregados outros nomes e outras possibilidades à discussão de uma ou de várias identidades arquitetônicas latino-americanas.
sobre o autor
Oliveira Júnior é arquiteto e urbanista. Graduado pela Universidade Federal da Paraíba e mestre em Engenharia Urbana pela mesma instituição. Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê, nas disciplinas de Projeto Arquitetônico e Desenho Urbano. Diretor do escritório 7S34W Studio, onde desenvolve projetos de arquitetura e de desenho urbano.