Para cada tempo, um modo de morar, e a cada modo de morar, uma nova extravagância. Há algum tempo todos queriam viver em um apartamento com dependência para empregada em um prédio com playground, salão de festas ou piscina. Atualmente, seria um luxo poder contar com um home-office, home cinema... Acompanhamos a indústria imobiliária idealizar novas manias cotidianas, novas necessidades de morar e desta forma, novos espaços nas casas e apartamentos, ou na área comum dos edifícios a fim de incrementar o preço dos seus produtos, nossa habitação. A varanda gourmet parece ser hoje, a queridinha dos publicitários da construção imobiliária e mesmo os que não tem o costume de cozinhar parecem orgulhosos por possuir um forno para pizza ou churrasqueira neste espaço nascido principalmente como solução de conforto térmico e que antes abrigava no máximo uma rede de balançar.
Na escala urbana, a criação de centros culturais tornou-se moda entre os gestores. Não como uma necessidade inovadora, mas como esta solução recorrente quando se trata de projetos de reabilitação de centros degradados. Assim como as varandas, os centros culturais existiam antes e possuíam uma função mais simples que a dada nos dias de hoje. Seu papel nos chamados planos estratégicos para cidades, vem se redefinindo, e mais do que a função prática de abrigar e incentivar a cultura, estes se tornaram motivo de notáveis projetos arquitetônicos, com o objetivo de “colocar tal cidade no mapa da cultura” e já multiplicam suas singularidades mundo afora.
A bolha dos centros culturais
Na Espanha, este fenômeno cresceu em uma proporção tão grande que já foi abordado por dois documentários de TV (1) e chega a ser apontado como um dos agravadores da crise econômica instalada no país. Com o projeto do Museu Guggenheim de Bilbao, Frank Gehry desenvolveu de maneira exitosa um edifício que simbolizava não só ousadia arquitetônica, mas uma transformação para metrópole pela maneira como se inseriu em sua malha urbana, tornando-se mais que um centro cultural, uma referência para uma nova cidade. Entorpecidos pelo exitoso museu desenhado para as margens do rio de Bilbao, os espanhóis decidiram replicar esta solução generalizadamente como um negócio para atração de turistas e a partir de então, cada cidade desejava para si um Guggenheim.
Os chamados arquitetos-estrela, talvez nunca tenham precisado usar tanto o castellano. Peter Einsenman desenhou a interminável Ciudad de la Cultura na Galícia, Ciudad de la Cultura que também foi concebida para Valência, desta vez projetada por Santiago Calatrava. O desejo de ganhar com o turismo Os gastos com estes “contenedores” culturais foi tão grande para suas cidades que o conteúdo para eles ficou em segundo plano. Bibliotecas vazias e museus onde a arte não consegue sobressair frente a arquitetura já chegam a ser piada para os espanhóis indignados com os planos estratégicos utilizados por seus governos. Após se verem falidos e sem condições de terminar alguns destes projetos, os governos têm que se preocupar também, com a cara manutenção das mega estruturas criadas. Como dizia o título do documentário espanhol Si acabó la fiesta para eles. Mas não falta muito que este fenômeno chegue ao Brasil.
Botequins e mictórios
A Cidade da Música do Rio de Janeiro foi indício custoso de que o Brasil entraria na rota dos caros centros culturais como centro de planos estratégicos. Com projeto do francês Christian de Portzamparc a obra foi protagonista de diversos escândalos envolvendo corrupção do governo do Rio. Quatorze milhões a mais do que o previsto no orçamento e quatro anos depois da previsão de conclusão a Cidade da Música e ainda não começou a funcionar.
Os grandes eventos a serem realizados em nosso país são um alerta para construção de um sem fim megaestruturas a serem postas na conta das nossas cidades. A tentativa de aplicação do modelo “centro cultural” de maneira quase arbitrária, a tal modo que o próprio conceito de centro cultural fica esquecido. Há pouco tempo o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, em entrevista a revista AU criticou a concepção de mais e mais centros culturais para revitalização dos centros urbanos. Para ele, o que as nossas cidades precisam é de “casas, botequins, escolas e mictórios” (2). Sua visão parece ainda mais coerente quando ele evidencia que a própria cidade já é em si, um centro cultural.
Os centros culturais em si, são equipamentos importantes para manutenção da vida social das cidades. No entanto, não podemos limitar a cultura aos “contenedores”, ou pensar que esta fica encerrada em edifícios. Meio a tantos problemas de habitação, transportes e saúde encontrados nas cidades, não se revela racional a construção de mega estruturas futuristas a fim de abrigar museus de acervos inventados enquanto diversas outras formas de manifestações culturais seguem sem apoio. Podemos assistir nos próximos anos, a um repetição de um episódio urbanístico/arquitetônico que já deu exemplos de fracasso.
A preocupação social da arquitetura, evidenciada durante o movimento moderno, vem sendo substituída na arquitetura contemporânea por um desejo de monumentalidade vazio, preocupações exclusivamente formais, aliadas ao descaso com o conteúdo a ser abrigado. O funcionalismo, que já foi apontado por Einsenman como motivo do fracasso do modernismo, merece voltar a ser visto como um potencial solucionador, não singular, já que a bolha dos centros culturais, acaba de deixar de ser um problema arquitetônico, agora, ele é um problema da nossa economia também.
notas
1
Archivos Tema: Se acabó la fiesta. [Documentário-vídeo]. Produção de Gonzalo Rohrer, direção de Yolanda García Villaluenga. Madrid, RTVE, 2011. 56 min. color. son
2
ROCHA, Paulo Mendes da. Sem papas na língua. Entrevista a Ledy Valporto Leal.AU – Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, ago. 2010, n. 197.
sobre a autora
Adrielly Carneiro é graduanda de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal da Bahia e membro do grupo de pesquisa Visões Urbanas.