Na reunião ordinária do Conselho Municipal de Política Urbana (Compur) realizada no dia 25 de abril de 2013, no Centro de Arquitetura e Urbanismo, em Botafogo, o tema foi o comportamento do licenciamento dos novos empreendimentos, os aspectos do mercado imobiliário e o desenvolvimento urbano da cidade.
Tenho acompanhado de perto as ações e os impactos do mercado imobiliário sobre a cidade, em especial da Área de Planejamento 4, onde resido e, nos últimos anos, tem correspondido a área com maior índice de licenciamentos do Rio de Janeiro. Especificamente no que se refere à Freguesia, bairro cinco vezes menor que a Barra da Tijuca, que tem despertado o interesse imobiliário desde 2005. E, em março de 2013, sozinho, representou 1/6 (40.534 m2) dos licenciamentos de toda a cidade (249.870 m2 e 159 bairros), como se pode verificar no link.
De acordo com a apresentação da Gerente de Informações Urbanísticas da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), a evolução dos licenciamentos na cidade, nos últimos oito anos, assumiu uma curva ascendente, coincidindo com a aprovação do Projeto de Estruturação Urbana da Taquara no final de 2004. Desde então, outras leis como a dos hotéis, PEUs das Vargens e Penha, Operação Urbana do Porto Maravilha e Área de Especial Interesse Urbanístico da Avenida Brasil, o Plano Diretor; juntamente com a indicação do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Pan-americanos, das Olímpiadas e da Copa do Mundo têm contribuído para o crescimento exponencial do número de metros quadrados licenciados, saltando da casa dos 2 milhões de metros quadrados em 2003 para 5 milhões de m2 em 2013.
A maior parte dos dados apresentados na reunião corresponde ao ano de 2012 e primeiro trimestre de 2013, constatando a expansão horizontal da cidade em direção a Zona Oeste (Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Campo Grande, Vargens). Os licenciamentos estão ocorrendo, em sua maioria, nas Áreas de Planejamento - APs 4 e 5, onde existe maior número de terrenos vagos. Ou seja, áreas verdes de grandes lotes que correspondiam aos sítios e chácaras. Na AP-3, os novos licenciamentos correspondem às áreas de galpões vazios e, ainda, na área portuária, decorrente do Programa da Prefeitura “Porto Maravilha”, também está havendo demolições.
Outro eixo de aumento de novos licenciamentos são os novos corredores viários que estão sendo implantados na cidade (Transoeste, Transcarioca, Transolímpica e Transbrasil). Para os urbanistas, que estudam a história da cidade e sua dinâmica urbana, não é uma novidade e sim uma constatação, pois historicamente isso já vem sendo observado desde a origem das cidades em geral. No caso do Rio de Janeiro, a questão ambiental deve ser considerada, uma vez que algumas dessas vias estão abrindo clareiras e acesso em áreas ambientalmente importantes como Guaratiba e Maciço da Pedra Branca.
Outro dado a destacar refere-se aos licenciamentos do Programa Minha Casa Minha Vida que corresponderam a três milhões de metros quadrados, no período de 2009 a 2011, predominantemente na AP-5, área com baixo índice de infraestrutura. O elevado volume de licenciamentos nesta área induziu a Secretaria ao estabelecimento de um perímetro onde devem ser priorizados, denominada de mancha prioritária. Fora deste perímetro, os novos licenciamentos estão temporariamente suspensos.
Esse procedimento interessa a outras áreas da cidade, a exemplo da Freguesia, que vem sendo negativamente impactada e onde a infraestrutura existente não tem dado conta dos novos empreendimentos. O aumento do volume de tráfego, a impermeabilização do solo, os déficits no saneamento, no abastecimento de água e na energia, além das inúmeras perdas ambientais de vegetação e da biodiversidade remanescente da Mata Atlântica têm transformado radicalmente a qualidade de vida local.
A falta de compatibilidade entre os licenciamentos e a capacidade de suporte das infraestruturas urbanas foi levantada por diversos representantes da sociedade civil presentes na plenária ao se referirem à ineficiência dos transportes (representante do sindicato dos geólogos), à falta de capacidade de esgotamento sanitário em diversas áreas da cidade (representante da Amaf e da Amab) e a ausência de serviços públicos nas áreas onde os empreendimentos do Minha Casa Minha Vida estão sendo licenciados (representante da FAM-Rio). Outro assunto levantado pela sociedade civil foi a necessidade urgente de regulamentação da Lei sobre a exigência do Relatório de Impacto à Vizinhança a ser exigido aos novos empreendimentos em fase de licenciamento (representante do Senge).
Em vários momentos da reunião foi destacada a dificuldade da SMU, pela demora na análise de dados relativos ao licenciamento decorrente da falta de informatização e digitalização das informações e ainda, ao déficit de pessoal da Secretaria, fato que também dificulta a fiscalização nas ruas. A boa notícia foi a informação de que a SMU, em parceria com a Fazenda, o IPP e o Iplan-Rio estão desenvolvendo um sistema de gerenciamento dos dados para georeferenciamento de licenças e atos de fiscalização, o que trará maior clareza e transparência aos processos.
O representante da Asbea (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura) queixou-se da morosidade dos licenciamentos. A Secretária justificou informando que o processo já está bem mais ágil e transparente e que, apesar das exigências e das instâncias de licenciamento terem aumentado e de ainda não estar informatizado, os processos tramitam mais rapidamente que em São Paulo.
Um comentário do representante do Sinduscon-RJ (Sindicato das Indústrias da Construção Civil) causou-me certa estranheza, apesar de já ter escutado a mesma fala em outra reunião na sede desse sindicato, realizada no dia 21 de janeiro, quando a recém-empossada Secretária de Urbanismo foi apresentar os planos para a sua gestão. Em minhas incursões nos estudos antropológicos, aprendi, sob a batuta do Professor Gilberto Velho, que na antropologia o pesquisador/etnógrafo deve estranhar o objeto de estudo quando este pertence a uma cultura diferente da sua. Pois bem, estranhei o comentário feito pelo representante do Sinduscon quando informou que o mesmo sindicato haveria aparelhado a Secretaria de Meio Ambiente com computadores por meio de convênio (1) e que isso havia agilizado o processo de licenciamento. Por ter ouvido a mesma fala pela segunda vez, em um contexto semelhante, fiquei me questionando: estaria ele ventilando a possibilidade de que o mesmo poderia ser feito naquela secretaria? Qual o teor do convênio? Seria um só ou haveria outros? Essa contribuição não comprometeria a neutralidade dos licenciamentos ambientais e urbanísticos da cidade? Essa condição não implicaria em troca de favores, deixando os técnicos constrangidos em impor condicionantes e ajustes de condutas ao licenciamento? O que você acha caro leitor? O setor privado da construção civil pode patrocinar treinamentos e equipamentos para a agilização dos licenciamentos ambiental ou urbanístico? No meu entender, essas relações deveriam ser evitadas de modo a garantir a imparcialidade e a defesa do bem comum. Claro que os treinamentos são bem vindos, mas talvez fosse mais indicado um financiamento ou o patrocínio de um banco federal como o BNDES ou a Caixa Econômica Federal, ou até mesmo a criação de uma universidade corporativa... Confesso que saí da reunião com esta pulga atrás da orelha... Estaria a raposa tomando conta da galinha dos ovos de ouro?
notas
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Até o momento a única referência encontrada na internet sobre convênio entre o Sinduscon e a Secretaria de Meio Ambiente não faz referência a computadores conforme citado na Reunião do Compur. No diário oficial do município, nada foi encontrado. Foi localizada apenas uma ata da Comissão de Meio Ambiente do Sinduscon que se refere também ao licenciamento ambiental “comentando sobre o Projeto Sinergia, fruto do convênio celebrado com o Sinduscon-Rio objetivando a otimização dos procedimentos de licenciamento ambiental”, conforme links a seguir: http://www.sinduscon-rio.com.br/ata_csma.pdf e http://www.sinduscon-rio.com.br/palestras/resumo.pdf
sobre a autora
Gisela Santana, arquiteta e urbanista, mestre em Desenvolvimento Urbano, doutora em Psicologia Social e autora do livro Marketing da “sustentabilidade” habitacional.