Após muito refletir, cheguei à conclusão que meu papel se esgotou nesta etapa de instalação efetiva da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin no campus da USP. Creio que consegui, com a empenhada Vice-Diretora professora Giuliana Ragusa – e uma escassa minoria igualmente brilhante de Professores e uns poucos funcionários dedicados – mudar hábitos, acertar contas, saldar parte das dívidas herdadas, definir um Regimento Interno, restabelecer relações com outras bibliotecas nacionais e internacionais, criar Comitê Acadêmico de alto nível para orientação cultural, científica e também biblioteconômica da Biblioteca. Além do Comitê Acadêmico, contei com a superior competência da curadora e bibliófila Cristina Antunes e da Secretária Cleide Marques.
Não logrei entretanto mudar a mentalidade da maioria dos funcionários que encontrei, herdados da gestão anterior, por falta de educação institucional universitária, inclusive de parte das bibliotecárias. Esforços no sentido de inovação e agilização administrativa esbarraram muitas vezes na máquina burocrática, a despeito da boa disposição da competente Procuradoria da Universidade e da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, à qual a Biblioteca está subordinada, que nos deu todo apoio e liberdade. Da mesma forma, pudemos contar com total apoio do Conselho Deliberativo, que inclui entre seus membros o professor Celso Lafer, que muito nos incentivou e inspirou nesta caminhada. Para esclarecer problemas herdados da gestão anterior, a Reitoria instalou competente sindicância e auditoria, em curso.
Com decisivo apoio dos herdeiros do casal Mindlin, da lúcida Pró-Reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda e de alguns professores e pesquisadores associados, logramos preservar a liberdade e integridade da Biblioteca nesta transição, após seu tormentoso primeiro ano no campus. Enfim, dar-lhe um rumo, inspirados na visão de biblioteca do historiador Robert Darnton, Diretor da Biblioteca de Harvard e autor do importante A questão dos livros, e dos saudosos José e Guita Mindlin, além de Rubens Borba de Morais. E também definir com mais rigor a identidade da Biblioteca Brasiliana e normatizar suas funções. Colocamos a Biblioteca nos trilhos, corrigimos alguns desvios de rota, suspendemos atividades inapropriadas e atalhamos usos indevidos do espaço, além de cuidarmos de sua manutenção e segurança. Estes dois temas são deveras precupantes, dada a escassez de verbas da USP e falta de um corpo especializado de segurança.
Outro problema que demandará atenção é o da ampliação do acervo, fazendo notar que obras raras são caras. Nossas boas relações com o Instituto de Estudos Brasileiros foram aprofundadas, para maior e melhor cooperação no campo da pesquisa.
Quanto à Reitoria, arrastando a pesadíssima herança da gestão Grandino Rodas, não vem tornando claros seus projetos e medidas que visem minorar os efeitos da inflação que castiga duramente os salários. Por seu lado, os movimentos grevistas têm atropelado regras mínimas de boa, educada e justa convivência. Na USP, tampouco tem-se logrado escapar da mediocridade governamental do governo Alckmin no trato dos problemas maiores da instituição universitária; e, não menos grave, a miopia das lideranças corporativas de professores e funcionários no campus, que não entenderam, entre outras coisas, que Bibliotecas não devem participar de greves, e sim ficar abertas, civilizadamente! Infelizmente, bibliotecárias que deveriam zelar por elas abdicaram de sua missão, com poucas exceções.
Na greve atual, embora seja um direito consagrado, não se tem aproveitado o momento para a discussão de uma verdadeira e aguardada Reforma Universitária. De todo modo, não é terceirizando as punições – método que o Reitor atual pretende, ao ordenar que Diretores cortem o ponto dos funcionários grevistas – que os impasses se resolverão. O problema é muito maior, e angustiante para quem trabalhou em tempos melhores, sobretudo nas gestões dos Reitores José Goldemberg e Jacques Marcovitch. As atuais lideranças, sejam da Reitoria, dos professores e dos funcionários, sem ideias claras sobre a Reforma, não levarão a USP a nenhum lugar. E a BBM por certo sofrerá os efeitos do grave impasse que vive a universidade.
O problema é que, na atualidade, após tantas iniciativas absurdas e gastos monumentais da gestão anterior, alguma justificativa razoável deveria ter sido dada aos funcionários e professores. Ou seja, algum horizonte que permitisse otimismo, ainda que moderado. Pois uma certa competência de parcela silenciosa de nossos funcionários vem sendo desprezada, sem mais; e o corpo docente da melhor universidade do País mereceria sem dúvida ser ouvido com mais atenção. Nesse quadro, delegar aos Diretores de Faculdade e chefes de Departamentos a responsabilidade por medidas punitivas aos funcionários (ainda que possa haver razões “burocráticas” para tanto) revela insensibilidade, sobretudo num contexto e num clima universitário tenso em que o planejamento da Reitoria não acena com melhores horizontes…Terceirizar as punições não é a solução. E o governo do Estado está silente, como sempre.
Missão cumprida
Enfim, considero cumprida minha missão à frente da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Em nosso mandato de transição, a Brasiliana Mindlin alcançou sua “velocidade cruzeiro” no mar revolto do Butantã, e já agora, passada a “novidade”, merece mais atenção e consideração de todos. Se à Reitoria cabe um papel elevado para tirar a instituição do impasse, espera-se das lideranças dos professores maior responsabilidade e mais presença efetiva. E, dos funcionários, sobretudo das bibliotecárias, uma urgente atualização – sobretudo de seus métodos grosseiros e por vezes brutais de ação, intoleráveis em instituições que cuidam precisamente de… Educação. Afinal, “uma Biblioteca é uma Biblioteca”.
A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin fica em muito boas mãos!
sobre o autor
Carlos Guilherme Mota é historiador, professor emérito da USP e autor de Ideologia da Cultura Brasileira e de História do Brasil (em co-autoria com Adriana Lopez). É professor do programa de pós-graduação da FAU Mackenzie.