Desde as grandes obras realizadas no Rio durante os governos Carlos Lacerda e Negrão de Lima, na década de 1960, não se assistia a tantas intervenções urbanas acontecendo ao mesmo tempo. O fato de a cidade ter sido eleita para sediar as Olimpíadas de 2016 foi fundamental para alavancar esse conjunto de realizações. Não obstante o otimismo quanto ao sucesso a ser alcançado por ocasião do evento, paira no ar uma expectativa em relação ao legado que essas obras deixarão para a cidade e para a sua população.
Este aspecto poderia ter sido contemplado previamente se o projeto da nossa candidatura tivesse a transparência desejada. Infelizmente, o caráter sigiloso que pautou a formulação da proposta impediu que as soluções apresentadas fossem amplamente discutidas e avaliadas, sobretudo pelo viés urbanístico.
Se os equipamentos olímpicos ficassem concentrados na região portuária, certamente, os benefícios para a cidade, para a Região Metropolitana e para o grande contingente de pessoas que se desloca diariamente dos subúrbios e municípios vizinhos para o Centro teriam sido bem mais proveitosos. Mas, para aquela área já havia sido prevista uma operação urbana consorciada concedendo a um consórcio de empreiteiras a responsabilidade pela sua reurbanização e gestão por um período de 15 anos, com recursos repassados pela Caixa Econômica Federal.
Independentemente dos bons resultados que as obras do “Porto Maravilha” começam a apresentar, não há como deixar de manifestar certa preocupação com o impacto que os mega empreendimentos imobiliários planejados para aquela localidade irão provocar no restante da área central da cidade. Haverá demanda suficiente para absorver a imensa oferta de imóveis comerciais e empresariais idealizados para o local? Ou, para compensar, será estimulada a transferência de instituições e empresas instaladas no antigo Centro, como é o caso do Banco Central e de algumas empresas privadas?
Vemos ainda, como agravante, a possibilidade de esvaziamento de alguns prédios na área central da cidade que são hoje ocupados pela Petrobrás e por empresas coligadas em virtude da crise recessiva em que ela se encontra. Acrescente-se a este fato a notícia divulgada recentemente na imprensa de que a Vale estaria transferindo alguns dos seus setores para a Barra da Tijuca.
Fica então a pergunta: será que em meio à atual perspectiva de recessão teremos investidores nacionais e estrangeiros interessados em ocupar os mega empreendimentos imobiliários previstos no projeto do “Porto Maravilha”? Ou será que no final das contas veremos a Caixa Econômica segurando o “mico” até que a situação econômica melhore? Neste momento de incerteza, não há lugar para pragmatismos de resultados imediatos que menosprezam a reflexão e um modelo de planejamento mais consistente e transparente para os destinos da cidade.
Na contramão da tendência mundial, o Rio optou por concentrar na Barra da Tijuca a maioria dos seus equipamentos olímpicos e para lá direcionar os principais investimentos públicos em infraestrutura urbana, especialmente o BRT. Esta opção vem incentivando a formação de uma nova centralidade e a consolidação de um novo eldorado urbano para os empreendedores imobiliários, à custa de investimentos públicos e do esvaziamento de outros bairros da cidade. Será que é essa a lógica de desenvolvimento urbano que se deseja para o Rio?
Nesse momento, qualquer descuido poderá comprometer de forma irreversível o desenvolvimento futuro da cidade. As benfeitorias que estão sendo realizadas no centro histórico e no seu entorno não serão suficientes, por si só, para conter a expansão desenfreada em direção à Barra da Tijuca e seus arredores. Não custa lembrar que um centro esvaziado representa a negação da vida cívica em uma cidade. Mas, como se pode perceber, o jogo já foi jogado. Agora só resta pagar para ver o seu resultado.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.
nota
NE
Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. O Jogo jogado. O Globo, Rio de Janeiro, 14 mar. 2015.