O consagrado 11 de setembro, como passou para a história a tragédia que abateu o mundo em 2001 com o ataque aéreo às Torres Gêmeas nos Estados Unidos, registra o marco final da vida do grande filósofo marxista Marshall Berman, também estadunidense.
Uma nova ferramenta do facebook, que rememora as postagens de usuários àqueles que desejarem, notificou-me acerca de um lamento que expressei, sensibilizada diante da baixa repercussão que a sua morte em 2013 teve no Brasil. Eu sentia por não ter dedicado uma modesta homenagem que fosse ao rito de seu apartamento da materialidade vital, principal objeto de estudo do grande crítico da modernidade.
Àquela data, o fato levou-me à estante a refolhear e reler as tantas notas de punho que deixei registradas das leituras do livro do autor de Tudo o que é sólido desmancha no ar (1). Trata-se de um de meus livros que causam prazer abrir por sabê-los fartamente rabiscados diante de provocações suscitadas pela leitura e, neste caso, com densa reverberação sobre a minha formação profissional.
O título desta que é a obra mais conhecida de Berman faz alusão a uma frase do Manifesto Comunista e sua abordagem dedica-se a uma crítica da modernidade através da reconstituição de análises diversas de autores contemporâneos ao lançamento em 1948 da obra de Karl Marx e Friedrich Engels – desde o Fausto de Goethe, passeando pelos poemas em prosa de Baudelaire e pela ficção de Dostoiévski às vanguardas artísticas do século 20.
Sob meus olhos, a notícia da morte, cuja fonte já nem lembro, dizia que Marshall Berman classificava o "Mestre das Curvas" como um "déspota da modernidade". A deferência dirigia-se ao arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, alvo de muitas das críticas que elaborou. Parece ser mesmo inegável que a arquitetura conquistou a marca pública da inacessibilidade social em sua manifestação moderna...
O escritor morreu sem tempo para preocupar-se com despedidas ou sofrer... como imagino acontecer às pessoas que se vão instantaneamente. Em rápida busca na web por eventuais biografias, vi que se confirma a informação de que um ataque cardíaco fulminante o levou em 11 de setembro de 2013, 72 anos após seu nascimento em 1940.
A partir de então, em sua nova condição, Berman pode (ou não) ter constatado eventuais encontros com afetos e desafetos, como Marc, seu filho falecido aos cinco anos de vida, em 1980, enquanto ele escrevia Tudo que é sólido desmancha no ar, cuja memória reverenciou com a dedicatória da difícil empreitada intelectual em momento de tão grande abalo emocional. Uma dureza que jamais esqueci ao notá-la na primeira leitura que fiz do livro.
Muito cedo, Marshall Berman transmutou-se da solidez material a meras partículas de ar, conforme acreditava, assim como seu mestre Karl Marx a quem dedicou uma vida inteira de estudos, se dar com a morte, mero fim da vida, uma representação do nada, da falta de sentido, um niilismo, ouso interpretar, como se fora o ar um elemento intangível da natureza.
Minha sólida utopia da vida segue gratificada com as influências recebidas da cética visão de mundo de Marshall Berman, enlevada que sempre fui com a cara amistosa de “maluco beleza” daquele professor de Ciência Política e de Urbanismo da Universidade de Nova Iorque, cuja produção intelectual não limitava aos ambientes acadêmicos, escrevendo colunas semanais para jornais populares como o The New York Times.
nota
1
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. A aventura da modernidade. São Paulo, Companhia das Letras, 1986.
sobre a autora
Rossana Honorato é arquiteta urbanista e professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPB.