Conversei uma única vez com Charles Cosac. Era 1998 ou 1999, e a jovem Cosac & Naify – era com essa grafia que a editora se apresentava publicamente – estava instalada no edifício Esther, na Praça da República, centro novo de São Paulo. Ele me recebeu muito bem, contou um pouco a história de sua vida e de sua editora, ouviu com atenção sobre o projeto do livro Rino Levi, arquitetura e cidade, que eu estava elaborando com Renato Anelli. No final da conversa, com muita sinceridade, afirmou seu interesse em publicar nosso livro, mas que só o faria depois de lançar a edição sobre Paulo Mendes da Rocha, também em produção, e que tudo dependeria da captação de recursos, pois o livro que tínhamos concebido seria caríssimo. Diante da possibilidade da demora e dificuldades, e com um trabalho acumulado de anos, me decidi pela abertura de uma editora para lançar o livro, aventura que vivenciei com Silvana Romano Santos. Como prognosticara Charles Cosac, o livro ficou muito caro e não foi nada simples conseguir patrocínio.
Quando finalmente a produção do nosso livro se iniciou, tínhamos três outros sobre a mesa servindo de referências: Lina Bo Bardi, organizado por Marcelo Ferraz e publicado pelo Instituto Bardi; Oswaldo A. Bratke, de Hugo Segawa e Guilherme Mazza Dourado, publicado por Vicente Wissenbach; e Jorge Machado Moreira, organizado por Jorge Czajkowski, com texto de Roberto Conduru e publicado pelo Centro de Arquitetura e Urbanismo da Prefeitura do Rio de Janeiro. Contudo, se são estes maravilhosos livros que nos inspiraram na realização de nossa opera prima lançada em 2001, foram os livros da Cosac Naify que nos serviram de guia ao longo dos anos.
A coleção Espaços da Arte Brasileira, dirigida por Rodrigo Naves e que reuniu livros excelentes sobre arquitetos e artistas plásticos – a lista é grande, mas dentre os títulos estão Flávio de Carvalho, Joaquim Guedes, Lúcio Costa, Burle Marx, Sérgio Camargo, Marc Ferrez, Vital Brazil, Vilanova Artigas, Goeldi... –, foi um marco editorial pelo perfeccionismo no projeto gráfico, na seleção de autores e artistas homenageados, na revisão de texto, na abrangência e no próprio conceito da coleção, que aproximava áreas irmãs, naquele momento distanciadas.
O livro de Paulo Mendes da Rocha, quando finalmente saiu, foi um bálsamo para todos aqueles que apreciavam a obra do nosso arquiteto maior, naquele momento ainda em fase de reconhecimento internacional. São muitos e muitos os livros de extrema relevância no conteúdo e nas características editoriais, que elevaram os livros nas áreas de arte e arquitetura a uma altura jamais alcançada em nosso país e que foram merecidamente reconhecidos com diversos Jabutis e outros prêmios importantes.
A relação que tive com vários dos editores (gerais e setoriais) da Cosac Naify ao longo dos anos sempre foi muito boa, como ocorreu com os que ocupam ou ocuparam recentemente os cargos, casos de Florencia Ferrari, Elaine Ramos e Miguel Del Castillo. Com alguns deles – Augusto Massi, Betito Martins e Cristina Fino em especial –, sedimentou-se uma relação de confiança e mútua admiração. Para mim, foi uma enorme satisfação ver na exposição Calder no Brasil, curadoria de Roberta Saraiva, a presença destacada de uma foto cedida pela Romano Guerra Editora para o livro-catálogo publicado pela Cosac Naify. Um pequeno gesto de nossa parte quando comparado com a série de gentilezas dos editores da Cosac ao longo dos anos, tanto nos facilitando acesso a revisores e outros serviços especializados, como nos disponibilizando informações e material gráfico para publicação. Assim, é possível dizer que a excelência editorial buscada pelo dono se expressava na gentileza dos seus principais funcionários, que viam em nosso trabalho um esforço em construir a área, dentro de nossa pequena escala de interferência.
Quando os sócios Charles Cosac e Michael Naify tornam pública a decisão de fechar as portas da editora, não posso deixar de expressar meu pesar, pois o Brasil fica mais pobre em uma das áreas em que é mais carente, a cultura. Do ponto de vista pessoal, é como se um amigo mais velho, que admiramos e que nos serve de referência constante, nos tivesse abandonado. Mas é bom lembrar que o fim da Cosac Naify não significa sua morte, pois, como costumo dizer para aqueles que trabalham na realização dos nossos livros, “nós, os homens, morremos, mas os bons livros são eternos”.
sobre o autor
Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.