O burburinho do começo do ano acerca das artes plásticas em Paris estava voltado para a inauguração da Fondation Louis Vuitton, museu de artes plásticas contemporânea e design, projetado pelo arquiteto Frank Gehry. Mesmo antes de visitar o museu é impossível não ser contaminado pelas referências de Gehry, pois assim como aconteceu com o museu Guggenheim em Bilbao, a obra em Paris está em um contexto parecido, ou seja, ela também é um elemento de promoção da cidade. Imaginamos que a bailarina que levanta o vestido para que o espectador adentre a Cinemateca Francesa, segundo as palavras de Gehry, já anunciava no projeto de 1993 os rumos arquiteturais que ele pretendia.
Mesmo em uma tarde fria de inverno no Jardin d’Acclimatation com a temperatura beirando o zero grau, uma fila enorme se estendia em uma das fachadas do museu, o que é bem comum em uma cidade onde a cultura e a promoção de galerias e exposições de arte fazem parte do cotidiano, porém a abertura deste museu específico possuía o diferencial da arquitetura, que normalmente na França é abrigada em edifícios históricos. Frank Gehry desta vez trabalha com os materiais mais translúcidos, placas cimentícias e a parte estrutural (aparente) são vigas em madeira laminada colada. Materiais e cores que lembram algo relativo ao mar com suas velas e cascos. A monumentalidade como em outras obras de Gehry nunca está em seu tamanho, mas sim nos recursos disponibilizados para construir uma obra arquitetônica, um modelo que agrega o máximo de valor por M2, seja pelo valor material, tecnologia ou design. Neste sentido a Fondation acorda plenamente com o ideal da marca de bolsas Louis Vuitton que agrega imenso valor a um simples artefato se tornando objeto de luxo. Muitas críticas dos franceses vieram por esse viés – com esse dinheiro, construir somente esse museu, mas ele é muito pequeno para tal recurso implantado.
Ao entrar no prédio é instantâneo o sentimento de medo, como se aquela monumentalidade ali estivesse para nos colocar em nosso devido lugar de sozinhos e pequenos, humanos. Na vitrine da loja, onde entre catálogos de arte e souvenirs, éramos afrontados por uma bolsa da marca, com o preço na etiqueta que dizia trinta mil euros. Afinal, percebemos que não era para este o programa que tínhamos nos empenhado a alcançar. Contact (contato) do artista dinamarquês Olafur Eliasson, é o nome da exposição inaugural do prédio, que projetada especialmente para o espaço, promoveu uma experiência sensorial diferente em relação à inicialmente sentida. Os grandes olhos instalados entre as paredes de concreto por toda a exposição nos transportavam para um caleidoscópio de descobrimento de arestas pelas quais em outras situações dentro prédio, poderíamos nem passar perto. O jogo de luzes, sombras, água e movimento, já que há muito espaços a percorrer, nos fazem sentir mais uma vez o tamanho grandioso da Fundação Louis Vuitton sobre nós. Mais à frente, em Inside the Horizon, muitas pessoas tiram fotografias nos espelhos que espalham o amarelo, aquecendo um pouco toda a água que corria pela queda das escadas, pequeno lago anterior e curso d’água na sequência. Se há algo que não faltava ali era originalidade, dos artistas e dos que se empenhavam em marcar-se usuários das obras de arte. Ao sair da instalação, alguns amigos disseram que precisavam voltar (1).
Decidimos antes conhecer a coleção permanente e o terraço. Lá chegando, no ponto mais alto que se iluminava naquele momento, nos perdíamos em um jogo de escadas e terraços entre vidros, plantas e obras de arte. Subimos ao topo, para olhar Paris ainda mais de cima. Ao cair da noite, apresenta-se o jogo de luz do pôr do sol e lá, mais adiante, escondida atrás de alguma asa do prédio, desponta o farol da Torre Eiffel. Sim, a Fondation é tão grande que até a Torre Eiffel pode ser quase es(condida)quecida ali.
Na coleção permanente de arte contemporânea, súbito reconhecemos Nam June Paik, com TV Rodin, que desvia a ação do pensador da Porta do Inferno para um ato narcísistico inquieto face à sua própria identidade, capturada infinitamente pela câmera de vídeo. O primeiro videoartista, e japonês, já criticava em 1962 as artimanhas da indústria cultural na busca pelo controle das massas. Os espelhos reconfortantes no amarelo gelado do imaginado horizonte, naquele subsolo preenchido por galerias de arte, confirmam e recriam tal estado da arte, que sim, reexperimentamos ao fim do passeio, mas com um olhar desta vez ainda mais instigado de sua potência crítica: em meio à tantas câmeras que capturavam à qualquer custo a presença dos corpos junto ao museu há um contato experimental ou alienante?
Realmente é pouco provável não se impressionar com a obra (prédio e instalações), visto toda sua opulência e astúcia, porém para os franceses é muito difícil engolir o modelo (americano?) do rico benfeitor. Bernard Arnault, dono da marca Louis Vuitton, um dos principais investidores do projeto, já foi investigado por sonegação de impostos e já disse pretender mudar de nacionalidade para pagar menos impostos. Ouve-se claramente por parte da mídia e espectadores que a Fondation é um marketing da cidade. Como também, ouve-se que isso é importante para aumentar a atratividade cultural de Paris. Já esta última afirmação pode ser considerada como um tiro no pé no modelo de gestão das cidades, visto que a cidade assume o seu caráter de competição e promoção econômica através da cultura, sacralizando ainda mais o modelo de planejamento estratégico que enaltece e amplia os tentáculos do capitalismo especulativo financeiro sobre os tecidos urbanos.
notas
NA – Primeiramente é preciso afirmar o caráter político deste texto, que não se trata de uma simples narrativa, mas sim uma abordagem crítica da arquitetura. Sim, a arquitetura também é toda a política e todos os conflitos sociais e econômicos que cercam uma obra construída, e isso não há como se descolar. Tratar a arquitetura como uma simples obra estética ou funcional é uma ilusão, pois a própria estética é cercada de aspectos políticos acerca da visão de mundo do arquiteto. O maior esforço da filosofia dita pós-estruturalista é cercar estes conceitos para que não funcionem deslocados ou capturados por intenções obscuras, portanto os conceitos e palavras sempre serão um campo aberto para a discussão, e nunca serão uma palavra de ordem como em um discurso técnico. O termo “em meio” presente no título desse artigo vem mostrar esse processo da formação de uma arquitetura e do espaço que vai muito além de um projeto, passando por decisões políticas, sociais, econômicas e principalmente decisões privadas.
1
Website da exposição <www.fondationlouisvuitton.fr>.
sobre os autores
Lutero Pröscholdt Almeida é arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Espírito Santo (2007). Atualmente é doutorando pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, FAPESB/ Ecole Nationale Supérieure d'Architecture, La Villette, CAPES e pesquisa o espaço urbano como um campo partilhado.
Milene Migliano Gonzaga é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia é integrante do Laboratório Urbano no qual é participante da pesquisa Cronologia do Urbanismo e do Grupo de Pesquisa Internacional do CNRS, Ambiances en traduction. Atualmente é bolsista PDSE no Laboratório Antropologia/ Arquitetura na Ecole Nationale Supérieure d'Architecture de Paris La Villette, na França, bolsista CAPES na situação e FAPESB no Brasil. Desenvolve o projeto de tese intitulado A cidade e o comum: a dimensão política das narrativas tecidas nos/entre os espaços urbanos e a internet em Belo Horizonte.