O ano de 2015 marcou o centenário de nascimento de João Batista Vilanova Artigas, arquiteto nascido no Paraná e radicado em São Paulo, conhecido como o mestre da chamada “Escola Paulista” de arquitetura.
Falecido em 1985, pouco antes de completar 70 anos de idade, Artigas não teve, em vida, um reconhecimento à altura da importância seminal de sua obra e da influência de suas fortes posições políticas, ideológicas e pedagógicas.
Ainda que, hoje, a figura de Vilanova Artigas seja amplamente reconhecida e admirada nos círculos culturais e acadêmicos, o árduo trabalho de guarda, documentação, preservação e disponibilização pública do seu precioso acervo está a cargo apenas da biblioteca da FAU USP e da família. Rosa Artigas, historiadora e filha do arquiteto, vem tendo, nesse sentido, um papel fundamental na organização e publicização desse material. Assim, o projeto “Vilanova Artigas, 100 anos” é o resultado de um admirável esforço pessoal seu, em parceria com Marco e Laura Artigas, netos do arquiteto, e com o apoio fundamental do Itaú Cultural, que realizou a “Ocupação Vilanova Artigas”, combinando uma exposição a palestras, encontros, e visitas a obras do arquiteto na cidade.
Organizada em três núcleos: Arquiteto, Educador e Homem Público, a exposição, curada por Rosa Artigas e Álvaro Razuk, ainda que pequena, trouxe a um público amplo desenhos, plantas e manuscritos originais do arquiteto, bem como um precioso material de vídeo, em que Artigas aparece falando sobre os sentidos de sua obra, em meio a assuntos cotidianos e histórias pessoais. Os vídeos, em especial, constituem o material mais surpreendente entre todos, expondo a verve ímpar do arquiteto, com sua dicção própria, e sua alternância abrupta entre um tom colérico e irascível, por um lado, e a doçura e o bom humor, por outro.
Mas se a exposição é um suporte efêmero, as iniciativas do centenário do arquiteto se perenizaram em forma de livros e de filme, com o lançamento dos livros Vilanova Artigas e A mão livre do vovô (ambos pela Editora Terceiro Nome), e do filme-documentário Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz, dirigido por Laura Artigas e Pedro Gorski. Ainda que estruturado em uma forma tradicional, o filme tem a virtude de contar para o grande público – com momentos de grande poesia e emoção – a história desse grande personagem da história brasileira recente, explorando também o precioso acervo de vídeo gravado com o próprio arquiteto, tal como referido acima.
Em uma passagem memorável gravada em 1978, presente no filme, o arquiteto explica sua intenção ao projetar o edifício da FAU. Em suas palavras, afirma ter buscado a simplicidade total, sem a menor concessão a nenhum barroquismo, criando uma entrada que é um peristilo clássico, como um templo grego sem porta. Raciocínio que termina com uma frase lapidar, que até hoje arrepia todos aqueles que se sentem desconfortáveis no prédio: “Só entram deuses na FAU. Lá não tem frio nem calor!”
No momento em que o edifício da FAU foi finalmente recuperado, com a realização das indispensáveis obras em sua cobertura, essa frase de Artigas volta a ganhar força. E se a FAU é de fato um templo profano da mais alta magnitude, Artigas é o seu “criador” em todos os sentidos. Não do ponto de vista divino, mas de uma poesia materialista, terrena, e, no entanto, inefável.
notas
NE – Este texto é desenvolvimento da justificativa de premiação presente na Ata de Premiação APCA 2015, assinada pelos críticos de arquitetura filiados à Associação Paulista de Críticos de Arte. Os prêmios outorgados nas sete categorias – Homenagem pelo conjunto da obra, Espaço público, Urbanidade: Obra de arquitetura no exterior, Obra de arquitetura no Brasil, Patrimônio cultural e Memória – foram selecionados por unanimidade ou maioria a partir de critérios discutidos coletivamente. A responsabilidade de redação final coube a um determinado crítico, mas os argumentos foram discutidos coletivamente pelos críticos de arquitetura Abilio Guerra, Fernando Serapião, Guilherme Wisnik, Maria Isabel Villac, Mônica Junqueira de Camargo, Nadia Somekh e Renato Anelli. A lista dos artigos referentes aos sete prêmios da Arquitetura é a seguinte:
SOMEKH, Nadia. Pedro Paulo de Melo Saraiva, sensibilidade e precisão. Premio APCA 2016, categoria “Conjunto da obra”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 17, n. 101.01, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5920>.
ANELLI, Renato. Recuperação do Masp: Heitor Martins (presidente), Adriano Pedrosa (curador), Martin Corullon e Gustavo Cedroni (arquitet. Premio APCA 2016, categoria “Patrimônio cultural”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 17, n. 101.02, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5924>.
WISNIK, Guilherme. Vilanova Artigas, 100 anos: conjunto de iniciativas coordenadas por Rosa Artigas. Prêmio APCA 2015, categoria “Memória”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 17, n. 101.03, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5933>.
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Conjunto de projetos sociais em São Paulo elaborados por Boldarini Arquitetos Associados. Prêmio APCA 2015, categoria “Urbanidade”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 17, n. 101.04, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5936>.
VILLAC, Maria Isabel. Museu dos Coches em Lisboa, de Paulo Mendes da Rocha, MMBB Arquitetos e Bak Gordon Arquitectos. Premio APCA 2015, categoria “Obra de arquitetura no exterior”, modalidade “Arquitetura e Urbanismo. Drops, São Paulo, ano 17, n. 101.06, Vitruvius, mar. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5960>.
No prelo:
GUERRA, Abilio. Parques Sabesp em São Paulo, de Levisky Arquitetos. Premio APCA 2015, categoria “Espaço público”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo".
SERAPIAO, Fernando. Galeria Cláudia Andujar em Inhotim, de Arquitetos Associados. Premio APCA 2015, categoria “Obra de arquitetura no Brasil”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo".
sobre o autor
Guilherme Wisnik é arquiteto, crítico e curador. Autor de Lucio Costa (Cosac Naify, 2001) e Estado crítico (Publifolha, 2009), é professor da FAUUSP, e foi o curador geral da 10a Bienal de Arquitetura de São Paulo (2013).