A categoria Urbanidade da área de Arquitetura no âmbito da premiação da APCA visa destacar as contribuições que introduziram novas questões para a qualidade da cidade.
O premiado de 2015, o arquiteto Marcos Boldarini, tem uma trajetória de 15 anos consagrada ao enfrentamento dos problemas de áreas complexas como os assentamentos precários, e aos conjuntos habitacionais de interesse social, garantindo qualidade urbana e social à cidade. Representante do Brasil na XII Bienal Internacional de Veneza, em 2010, já teve seus trabalhos expostos nas Bienais Internacionais de Arquitetura de Roterdã (2009 e 2012), de Quito (2010) e de São Paulo (2011).
Dotado de acurada sensibilidade na identificação dos aspectos culturais e sociais das pré-existências materiais, especialmente da autoconstrução, bem como da dinâmica urbana das ocupações espontâneas, que constituem significativa porcentagem da área metropolitana, Boldarini tem atendido à demanda habitacional com propostas ao mesmo tempo arquitetonicamente inovadoras e culturalmente respeitosas.
Prover áreas de risco e de degradação ambiental com infraestrutura básica, com acessibilidade para pedestres e veículos, com áreas de lazer e recreação, com o mínimo de interferência no modo de vida da comunidade, exige habilidade, estudo e determinação que Boldarini tem demonstrado em sua atuação profissional. A persistência nesses projetos e a dialética estabelecida entre a prática e a reflexão têm permitido ao arquiteto um aprofundamento das ideias e aos moradores uma maior conscientização dos problemas enfrentados, contribuindo para importantes conquistas sociais e urbanas.
São dezenas de projetos em diversas áreas da região metropolitana de São Paulo: Paraisópolis, Parelheiros, Jaguaré, Jaraguá, Jabaquara (1), Grajaú e de outros municípios: São Bernardo do Campo, Cubatão, Ilha Comprida, Suzano entre outros, que sem alarde Boldarini vem transformando e garantindo uma melhoria na qualidade de milhares de pessoas.
Além de conjuntos habitacionais, com unidades com o melhor aproveitamento do espaço, térreos com áreas que permitem o lazer e a convivência social, os projetos de Boldarin têm buscado romper as fronteiras territoriais, inibir a segregação social, integrando as áreas informais na cidade oficial para constituir um só tecido urbano. Para tanto assume cada projeto como um desafio da cidade ao qual se insere, criando ligações, cruzamentos e diálogos entre os assentamentos precários e a cidade. O Cantinho do Céu (2), por exemplo, é uma intervenção que envolve três loteamentos irregulares Residencial dos Lagos, Cantinho do Céu e Gaivotas, para a implantação de 7 km de parque na beira da represa Billings, para usufruto da população e que diz respeito também à crise hídrica paulistana, um problema que abrange não só a cidade mas o estado de São Paulo. Ou na Favela Nova Jaguaré, onde o desnível de 35m de altura foi adequado à área de esportes e lazer, que pode ser desfrutada por qualquer um.
Tais intervenções podem muitas vezes passar desapercebidas aos olhos daqueles que não convivem cotidianamente com esses problemas, mas para os moradores e para cidade são substanciais. Há muito se tem a consciência de que resolver o problema habitacional está muito além da unidade habitacional, trata-se de um programa mais amplo de gestão da cidade.
A atuação de Boldarini não se restringe, portanto, às milhares de unidades habitacionais que projetou, per si, uma grande contribuição, mas abrange as cidades e as pessoas que nelas vivem.
notas
NE – Este texto é desenvolvimento da justificativa de premiação presente na Ata de Premiação APCA 2015, assinada pelos críticos de arquitetura filiados à Associação Paulista de Críticos de Arte. Os prêmios outorgados nas sete categorias – Homenagem pelo conjunto da obra, Espaço público, Urbanidade: Obra de arquitetura no exterior, Obra de arquitetura no Brasil, Patrimônio cultural e Memória – foram selecionados por unanimidade ou maioria a partir de critérios discutidos coletivamente. A responsabilidade de redação final coube a um determinado crítico, mas os argumentos foram discutidos coletivamente pelos críticos de arquitetura Abilio Guerra, Fernando Serapião, Guilherme Wisnik, Maria Isabel Villac, Mônica Junqueira de Camargo, Nadia Somekh e Renato Anelli. A lista dos artigos referentes aos sete prêmios da Arquitetura é a seguinte:
SOMEKH, Nadia. Pedro Paulo de Melo Saraiva, sensibilidade e precisão. Premio APCA 2016, categoria “Conjunto da obra”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 17, n. 101.01, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5920>.
ANELLI, Renato. Recuperação do Masp: Heitor Martins (presidente), Adriano Pedrosa (curador), Martin Corullon e Gustavo Cedroni (arquitet. Premio APCA 2016, categoria “Patrimônio cultural”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 17, n. 101.02, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5924>.
WISNIK, Guilherme. Vilanova Artigas, 100 anos: conjunto de iniciativas coordenadas por Rosa Artigas. Prêmio APCA 2015, categoria “Memória”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 17, n. 101.03, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5933>.
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Conjunto de projetos sociais em São Paulo elaborados por Boldarini Arquitetos Associados. Prêmio APCA 2015, categoria “Urbanidade”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 17, n. 101.04, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5936>.
VILLAC, Maria Isabel. Museu dos Coches em Lisboa, de Paulo Mendes da Rocha, MMBB Arquitetos e Bak Gordon Arquitectos. Premio APCA 2015, categoria “Obra de arquitetura no exterior”, modalidade “Arquitetura e Urbanismo. Drops, São Paulo, ano 17, n. 101.06, Vitruvius, mar. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5960>.
No prelo:
GUERRA, Abilio. Parques Sabesp em São Paulo, de Levisky Arquitetos. Premio APCA 2015, categoria “Espaço público”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo".
SERAPIAO, Fernando. Galeria Cláudia Andujar em Inhotim, de Arquitetos Associados. Premio APCA 2015, categoria “Obra de arquitetura no Brasil”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo".
1
PORTAL VITRUVIUS. Residencial Corruíras. Projetos, São Paulo, ano 16, n. 181.01, Vitruvius, jan. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/16.181/5879>.
2
ALVIM, Angélica Benatti. Direito à cidade e ao ambiente na metrópole contemporânea. O projeto “Cantinho do Céu” na represa Billings, São Paulo. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 135.03, Vitruvius, jul. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.135/4015>.
sobre a autora
Mônica Junqueira de Camargo, arquiteta, professora associada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo na área de história da arquitetura contemporânea, ex-editora-chefe da Pós – Revista do Programa de Pós-graduação da FAU-USP, ex-conselheira do Conpresp.