Ocorrida no Museu de Arte de São Paulo – Masp, em 1994, a exposição “O Brasil dos Viajantes”, trazia a história do país através de mapas, pinturas, gravuras, aquarelas, tapeçaria, fotografias e objetos diversos. Tudo aquilo que se aprende em bancos escolares e muito mais: Thomas Ender, Frans Post, Albert Eckhout, Adrien Taunay, Eduard Hildebrand, Jean-Baptiste Debret, Johann Moritz Rugendas e tantos outros artistas europeus que para cá vieram ao longo dos séculos e registraram a paisagem, a gente, os hábitos e costumes patriarcais, o regime escravocrata, as atividades econômicas, a flora e a fauna, as maneiras da corte imperial. Todas essas coisas da nossa vida coletiva ficaram ali congeladas, entre cores e formas, para nosso deleite e raciocínio.
Bancada pelo grupo Odebrecht, o projeto seguramente foi caríssimo, pois envolveu 93 artistas entre os séculos 16 e 19, e o empréstimo de 350 obras de cinquenta coleções particulares e institucionais brasileiras e de pelo menos uma dezena de outros países. Projeto caro e trabalhoso. Eu, que adoro exposições, a considero a mais linda que já vi – ao lado de outras cinco ou seis, para situar bem a força de expressão.
Contudo, o que mais me recordo da exposição foi o choque que recebi ao ver os retratos grandiosos de gente da terra realizados por Albert Eckhout no século 17. Índios, negros e mestiços, nus, pouco vestidos ou vestidos e adornados com as roupas dos senhores brancos, posam eretos, com os corpos frontalmente voltados para o pintor, segurando objetos variados que caracterizam o labor específico que cabe a cada qual. A cabeça erguida, o olhar na altura dos olhos de quem observa, a postura digna, tudo aponta para a elevação moral dos personagens, afastando por completo qualquer ranço que indique a degradação física ou moral.
Recordo-me muito bem de ter me surpreendido com a ausência da luz tropical, do sol brilhando na pele, nos trajes, nas coisas, na vegetação. A convenção pictórica – pensei eu na ocasião – falou mais alto do que a observação direta do artista, que acabou representando nossa paisagem com a luz do barroco europeu.
A exposição genial foi concebida e montada por Ana Maria Belluzzo, uma curadora especial.
sobre o autor
Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.