Há um ano o nosso querido Pedro Paulo de Melo Saraiva embarcava para o cruzeiro definitivo. Alguns dias depois, seu filho Pedro me chama para dizer algumas palavras na missa de sétimo dia. Lisonja tremenda. Respirei fundo, anotei e encarei.
As linhas estão abaixo e na íntegra. Para falar na igreja tive que suprimir a forma como ele tratava os amigos.
* * *
Valeu, Papito! Comentei agora com o Pedro como você permaneceu com a gente nesse ano que passou. Sua presença, com o perdão do trocadilho, é concreta.
Tenho uma teoria particular que manda a gente não se tornar amigo dos nossos ídolos. É a equação expectativa x realidade.
Mas a vida reserva presentes e um dos que ganhei foi descobrir a amizade do Papito antes de saber tudo o que ele significava.
A poucas quadras daqui, onde a Cidade Jardim começa, havia o Pandoro, e um dia fui lá encontrar os amigos e à mesa estava o Papito. Conversa vai, uísque vem, e dia após dia fui me encontrando completamente seduzido por aquela figura elegante, que igual a tudo o que é de fato elegante a gente não percebe no ato, só depois.
Fomos descobrindo afinidades. O mar, o litoral norte, mangueiras enxertadas, coquinho, espada... Echarpes nunca lavadas. Algo simplesmente genial como dois ferrinhos torcidos que caídos de qualquer maneira ao chão param um automóvel. O desgosto com casinhas nas saídas do Metro. Ele dizia: “Se a escada termina na rua, no primeiro degrau já é a rua”.
Na varanda do Ilha das Flores a gente olhava a praça em frente, com os carros clássicos estacionados. Comentei que, por mim, seriam só árvores e um buraco para o Metrô. E ele: “Você quer viver em Paris, não é, demônio?”
Um dia, ou noite, falando sobre arquitetura, ele citava com naturalidade os colegas mais conhecidos dos leigos como eu: “O Oscar é foda, o Paulinho é craque”. Aquilo me intrigou e fui estudar o Papito. Descobri que era fã dele.
Então era tarde. A amizade já estava completamente revelada. Me restou reconhecer o privilégio que era para um moleque como eu poder ser amigo de uma figura tão vasta.
No dia dos pais o Pedro publicou uma foto deles dizendo que superariam mais essa. Enviei mensagem perguntando o que havia e soube que o Papito estava internado.
Na segunda-feira fui ao Santa Catarina fazer uma visita. Levei uma seleta de contos do Scott Fitzgerald – que por sinal comprei na Ilhabela – para deixar fazendo companhia durante a internação. Tudo no Scott Fitzgerald me lembrava o Papito. O homem, a obra. Mas nesse livro notadamente há uma história em que ele se materializa já no título: Love At Night. Um príncipe Russo exilado, uma Princesinha Americana, iates, a Riviera Francesa. E também por conta da viagem que ele, o Paulo Mendes da Rocha e o Fabio Penteado fizeram à Rússia e terminaram na costa da Itália. A foto dos três está na abertura do livro que ele autografou com o Museu da Casa Brasileira repleto de amigos outro dia (1).
É claro que a gente vai sentir muita falta do Papito. Mas a receita que tem me ajudado nesta última semana e que eu ouso compartilhar com vocês é pensar na vida extraordinária que ele teve. Vida invejável.
A dor da falta será imensa, mas nada perto do privilégio de ter convivido com o Pedro Paulo de Melo Saraiva e poder lembrar dele.
notas
NE – Publicação original: COUTINHO, Léo. Presença concreta – um ano sem Pedro Paulo de Melo Saraiva. Blog do Léo Coutinho, 16 ago. 2017 <www.blogdoleocoutinho.com.br/index.php/2017/08/16/presenca-concreta-um-ano-sem-pedro-paulo-de-melo-saraiva>.
1
ESPALLARGAS GIMENEZ, Luis. Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto. São Paulo, Romano Guerra, 2016.
sobre o autor
Léo Coutinho é escritor, jornalista e membro do Conselho Participativo Municipal na Subprefeitura de Pinheiros.