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drops ISSN 2175-6716

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Descartando a alternativa de reverenciar a tradição arquitetônica nipônica, o governo japonês optou por Kengo Kuma, arquiteto explicitamente comercial para dar a cara da Japan House em São Paulo. A face do fast-japan, sem tempo para cerimônias milenares.

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RODRIGUES, Felipe SS. O Japão desconhecido pelos japoneses. Japan House e a arquitetura de Kengo Kuma em São Paulo. Drops, São Paulo, ano 18, n. 119.04, Vitruvius, ago. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.119/6652>.



A construção de edifícios culturais em São Paulo, sabemos, é lenta. E a crítica de arquitetura parece, mesmo assim, não acompanhar. O crítico, justamente, é aquele que faz o objeto  palatável ao leigo, e relaciona os aspectos teóricos e históricos da disciplina com o produto do contemporâneo. Se considerada que a figura do crítico não seja inexistente, por outro lado, acredita-se, logo que este ganha maturidade, passa a integrar as seletas rodas dos financiadores culturais objetos de sua análise – e da caneta em riste, passa ao tilintar dos espumantes, aos sorrisos largos e risadas altas. Amigos, amigos, negócios à parte, cá entre nós, ninguém resiste a um bom, bom, lobby. Mas se a resenha no jornal tem sido cada vez mais doce e de Arquitetura mesmo, já quase não se fala, resta-nos casualmente ponderar a demasiada histeria jornalística – que acrítica – cega e ensurdece ao imperito.

A iniciativa da Japan House – do governo japonês junto aos empresários nipônicos locais – é inquestionavelmente, uma das boas notícias deste ano. A empreitada foi amplamente divulgada  nas mídias, e a propaganda foi tamanha que merece até uma olhada mais a fundo na Arquitetura apresentada, enquanto aguardamos a figura do crítico – um Paul Goldberger, ou até mais fresca, de um Oliver Wainwright.

À primeira vista, a intervenção de Kengo Kuma, autor do projeto, é modesta – uma cortina de réguas de madeira e uma composição de elementos vazados – nem cobogó, tal como foi equivocadamente apresentado, nem muxarabi. A inteligência da proposta fica latente ao criar, a partir da estrutura acoplada, um recinto diante de uma praça que a memória não se recorda existir, e a partir da fachada existente, prolongar e estabelecer o ambiente de transição necessário entre o interior e exterior. Menos sensata que a proposta é a estratégia discursiva em que se apoia a nada modesta, narrativa do arquiteto; artesões japoneses importados e cobogós made in brazil parecem uma velha receita de mixagem regionalista do século passado; como se ainda fosse possível nacionalizar uma solução em pleno século 21. A Arup (a mais conhecida empresa multinacional de engenharia) fechou sua filial paulistana neste mesmo ano, mas pelo menos cinco carpinteiros e dez marceneiros do quarteirão se prontificaram a chupar quantos picolés fossem necessários para executar a empreitada. Enquanto isso, sob as madeiras e módulos de concreto batizados de cogobós brasileiríssimos, muita tinta preta foi gasta para ocultar caixas de passagem e conduletes metálicos; por efeito do olhar rápido de um brasileiro que atenta para o afamado e meticuloso trabalho japonês à estampar sua fotogenia esquemática.

Pós-pós-modernista, seu passado não condena – mesmo com o edifício M2 em Tóquio de 1991, feito para esquecer –, mas o presente não deixa dúvidas, Kuma-san continua a fazer arquitetura por partes: a parede, o piso, o teto, e a fachada. Fachadista por excelência, a difícil tarefa de encapar o ordinário edifício soou natural ao arquiteto; e assim o fez, mais uma vez. Se a feitura da fachada, quando analisada por completo, confunde com a efemeridade de um showroom da CasaCor, não se pode dizer o mesmo dos painéis de beleza e experimentação raras, do artesão japonês Yasuo Kobayashi; uma espécie de tela de galinheiro banhada em papel picado em meio aquoso. O sucesso da experiência foi tão grande que a solução foi aplicada, além dos painéis e tetos previstos – com a euforia de um estudante em feira de ciências que ostenta a façanha de sua invenção – também sobre paredes brancas, teto do elevador e em qualquer outro cantinho que coubesse. Os painéis de Kobayashi são os interiores, e a criatividade interna começa e termina em seu trabalho.

Toto só no banheiro. Surpreendentes são os banheiros patrocinados pela Toto – a fabricante japonesa de latrinas hightech – dos maravilhosos vasos sanitários, autolimpantes que piscam e cantam; uma lástima que o patrocínio não tenha se estendido aos bebedouros na saída dos lavatórios que em muito lembram o da escola estadual mais próxima. Anticlímax para o visitante sensível e para o arquiteto experiente, que sabem – o bebedouro de 700 reais pouco afetou o ostentado orçamento de 100 milhões de reais, mas foi suficiente para cometer uma gafe amadora à experiência espacial integral e ratificar a pouca atenção aos detalhes, presente em todas as peças expostas que não no edifício.

A arquitetura de Kengo Kuma é explicitamente comercial – como categoria não como injúria – e acompanha o ritmo do maior arquiteto jet-setter do Japão, mesmo sem Pritzker nem nada. É a face do fast-japan, sem tempo para cerimônias milenares ou tirar os sapatos antes de entrar em casa. Encabulado diante de uma plateia de estudantes de Harvard sobre a polêmica do estádio de Tóquio, no Brasil – onde se habla português, e com sorte, não se lê inglês – o arquiteto se mostrou desinibido ao apontar que a decisão de enterrar o projeto da vencedora Zaha Hadid tenha sido decisão da população e não parte de um lobby liderado por ele, Toyo Ito e outros, onde, ele, Toyo Ito e outros, reapresentaram novos esquemas de arquitetura, com o seu projeto vencedor. O próprio jornal local Japan Times, identificou japanese-ness como um dos ingredientes da arquitetura de Kuma – ou seja, o descolamento de uma imagem própria que faz com que sua identidade seja colocada em segundo plano para comunicar aquilo que outro é capaz de depreender com facilidade. O departamento de marketing da Camper, Starbucks e agora, Japan House souberam selecionar o arquiteto japonês que se amolda bem às movimentações do capital ocidental das artes. Resta-nos saber se o fazem conscientes, ou se simplesmente desconhecem a cultura do Japão que estão a oferecer.

sobre o autor

Felipe SS Rodrigues é arquiteto e mestrando (FAU Mackenzie, 2017) com estudos complementares na New Jersey Institute of Technology (2012) e no Pratt Institute em Nova Iorque (2013). Colaborou com o arquiteto Isay Weinfeld (2011) e com Rem Koolhaas no OMA de Roterdão (2013).

 

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