Marilena Chaui é a mais nova professora emérita da Universidade de São Paulo – USP (1). Conheci-a inicialmente através de seus livros sobre cultura popular e ideologia, quando era ainda aluno de graduação em arquitetura na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e pesquisava umas lindas casas de madeira nas favelas do Pina. Em 1989, durante a campanha presidencial, ouvi-a falar pela primeira vez ao vivo, ainda no Recife, no meio de um público completamente magnetizado por sua figura e sua voz.
Dois anos depois cheguei a São Paulo para o mestrado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU USP, e não resisti em voltar aos bancos da graduação em Filosofia. Lá tive alguns dos melhores professores de toda a minha vida e por certo Marilena é uma delas. Com ela acompanhei um seminário de questões contemporâneas e cursei três disciplinas: um curso magistral de filosofia medieval, quando lemos a Consolação da filosofia, de Boécio, e a perturbadora História de minhas calamidades, de Abelardo; com ela também pela primeira vez tomei contato com a obra de Spinoza. Que cursos exemplares, e ao mesmo tempo emocionantes sobre a Ética e o Tratado teológico político!
Vídeo José Lira
Até hoje o meu único artigo sobre filosofia foi por ela publicado nos Cadernos Espinosanos, sobre um certo grau zero do connatus na Ética, ou antes, sobre a cessação desta potência inalienável de agir, de pensar, de sentir no homem. Mestra na sala de aula, mestra fora dela, lembro-me de sua atenção àquela pequena pesquisa, e de sua resistência à ideia ali contida. Porque, como bem notou o professor Sergio Cardoso em sua saudação a Marilena esta tarde, nela a filosofia, e não só a de Spinoza, é sempre uma paixão alegre de agir e de pensar o mundo, no mundo, para o mundo, desejo de liberdade, e de liberdade; reflexão e sentido permanente de atualidade. Especialmente em tempos sombrios como os de hoje no Brasil, e tenebrosos para a educação, a cultura, a política e a universidade.
Conceder-lhe hoje, no aniversário do Ato Institucional no5 – AI-5, um título como este é também um manifesto em defesa do ensino público, da cidadania cultural, da crítica da burocracia e da censura, contra uma universidade de resultados, servil, amedrontada. Sintomaticamente nem o Sr. Magnífico reitor da USP, o Sr. Marco Antonio Zago, nem seu vice, nosso futuro reitor, estavam presentes. Seja como for, a celebração foi de uma energia comparável a da homenageada. Parabéns, professora! Você honra o que a USP produziu de melhor para o Brasil nesses seus oitenta anos de existência!
nota
1
Marilena Chaui recebeu o título de Professora Emérita na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH USP no dia 13 de dezembro de 2017, às 14h.
sobre o autor
José Tavares Correia de Lira é arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
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