A crônica política brasileira, com os sazonalmente indignados editoriais de Folhas, Estadões e Globos, é uma espécie de teatro de sombras chinês: serve para fascinar as crianças enquanto esconde a habilidade de quem movimenta os palitos.
Bolsonaro gostaria de “dar um golpe” para perpetuar sua família e seus apaniguados, civis e militares, no aparato de estado até, eventualmente, se livrar dos 30 mil esquerdistas que a gloriosa de 64 deixou vivos? Difícil achar quem pense que não.
Essa é a melhor alternativa de que dispõem aqueles que, mesmo não compondo a familícia ou o rol imediato de apaniguados, trabalharam ativamente, nos bastidores ou nem tanto, pela sua eleição? Difícil achar quem pense que sim.
E qual é então, a alternativa melhor que o genocida racista e homofóbico? É aqui que vale lembrar a sabedoria do companheiro do Zorro, que de tonto só tinha o nome: Melhor para quem, cara-pálida?
Enquanto as pesquisas de opinião não forem proibidas, a resposta, considerada a prudência do representante dos povos originários, é: para a maioria dos eleitores a melhor alternativa é aquela em que já queria ter votado em 2018.
Mas ao contrário dos patrões dos indignados sazonais, a maioria dos eleitores não manda no país. Não tem maioria no Congresso, não chega aos extratos superiores das Forças Armadas nem da magistratura. E para tristeza daqueles que, fazendo parte dessa maioria, chegaram a acreditar em Bolsonaro, não tem salário nem para alimentar sua família, quanto mais para comprar uma arma de vários salários mínimos.
Por isso os indignados sazonais continuam buscando uma alternativa que possa ser chamada de democrática para, mais uma vez, negar o pressuposto básico da democracia: a entrega do poder ao escolhido pela maioria.
Terceiras, quartas ou quintas vias; semi-presidencialismo ou outro tipo de parlamentarismo envergonhado; distritões montados com a grana do “orçamento paralelo”; ameaças seguidas de desmentidos seguidos de ameaças das Forças Armadas, tudo vale, exceto dizer com clareza que haverá eleições, que elas serão livres, seguirão as regras do jogo e o resultado será respeitado.
Tudo vale pela simples e boa razão de que o projeto do pessoal da grana alta, aqueles que tem nos limpinhos da imprensa seus sócios e operadores do teatrinho de sombras, já assumiu há tempos que o antigo país chamado Brasil lhes dá mais lucro convertido num fazendão exportador de soja, minério e madeira ilegal. Em que se vendam mais SUVs que carros populares. Em que mais da metade da população passe fome, esporádica ou sistêmica. Em que os velhos sejam tratados como peso morto e os jovens aceitem que só haverá futuro para os poucos que “merecerem”.
O problema deles é encontrar algum simulacro de democracia que garanta a continuidade desse projeto. O nosso é garantir que as eleições ocorram, que sejam livres e que o eleito seja empossado e lhe seja permitido governar.
sobre o autor
Carlos Alberto Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.