Terminada a Olimpíada, o que avança no país é a inversão de seu lema e a desfaçatez dos “nossos” agentes políticos. É verdade que, a rigor, deveríamos agradecer por isso, deixando a reclamação apenas para quem gostaria de continuar sendo enganado.
Curioso ver um comentarista da Globo chamar o sr. Milton Ribeiro de “desministro” da educação. O improvável leitor contumaz lembrará que uso com frequência esse neologismo, mas confesso que não esperava ouvi-lo na boca de um daqueles disciplinados porta-vozes da família Marinho.
É verdade que foi merecido. Dando continuidade, apesar de sua postura low profile, ao mesmo empenho destrutivo de seus antecessores falastrões e histriônicos, ele mostra que a mediocridade ressentida contra o saber e a crítica ainda tem vários recordes a serem batidos.
Depois de indicar para a Capes, órgão de avaliação e fomento da pós-graduação, uma senhora cujas credenciais acadêmicas se resumem à propriedade da escola em que o desministro fez seu doutoramento, ele se superou ao indicar como diretora de avaliação do órgão, um ainda mais obscuro personagem, oriundo da mesma escola, que não tem sequer o doutorado.
Mas o sr. Milton Ribeiro parece se inspirar às avessas naqueles heróis olímpicos que não se satisfazem com a medalha e querem quebrar vários recordes na mesma semana.
Em curta fala à TV Brasil, o desministro começou por dizer com todas as letras que “a universidade deve ser para poucos”, confessando candidamente o que sabemos ser o objetivo do desgoverno que nos assola: asfixiar politicamente e financeiramente e diminuir o acesso à universidade pública no país.
Para sustentar seu “argumento” precisou falsificar dados de comparação com a Alemanha, mas os juízes da prova (a nossa grande imprensa livre) não pareceram se incomodar com isso.
Na sequência ainda deixou claro que sua relação com os reitores é política e não acadêmica, ao afirmar que reitor “não pode ser esquerdista, lulista”.
E para garantir o pódio ainda conseguiu afirmar que era justo que os filhinhos de papai ficassem com a metade das vagas da universidade “porque são os pais dos filhinhos de papai que pagam impostos e sustentam a universidade pública”. Nenhum dos juízes achou necessário lembrar que o único consenso sobre o sistema tributário brasileiro é a sua pornográfica regressividade. Quem financia a universidade, assim como todo o investimento do Estado, é quem menos se beneficia dele.
Darci Ribeiro já havia escancarado que a crise da educação brasileira “não é crise, é projeto”. Podemos agregar que isso vem de longa data, mas certamente nunca foi assumida com tão olímpica desfaçatez.
E nada poderia ser mais claro na guerra simbólica do que a disposição de vender o edifício marco da educação moderna no Brasil.
Mas tudo isso é competição de badminton (nas quebradas, peteca) perto do futebolão da Praça dos Três Poderes. E o debate sobre as possibilidades de um golpe se parece com aquelas mesas redondas em que discute se foi pênalti ou não o pênalti já marcado.
Discutir se haverá golpe ou não só interessa a quem quer fingir que ele ainda não foi dado.
sobre o autor
Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.