Neste simbólico sete de setembro, Emanoel Araujo nos deixou. Na companhia de meu tio-avô, José Neistein, pude cruzar com ele algumas vezes em ambientes de arte, já que eram amigos de longa data. Mas foi só após a passagem de meu tio que quis telefonar a Emanoel, perguntando se ele toparia escrever um texto das memórias que tiveram juntos. Prontamente ele me convidou ao seu atelier para conversarmos.
Aquela foi a hora da estrela, no coração do Bixiga me recebeu com seu cachorrinho em um enorme sobrado geminado, preenchido com sua particular coleção de arte, dessas que mistura com beleza e sensibilidade artes populares, máscaras africanas e obras modernas, suas e de artistas com quem conviveu. Devo ter passado umas duas horas conversando e passeando com ele por ali, ciente a todo momento de meu privilégio em compartilhar a presença com esse grande artista e curador que foi.
Deixo como uma homenagem-mútua dois pequenos excertos de textos: o primeiro de José sobre Emanoel, escrito em 1975 em sua mostra de gravuras no Brazilian-American Cultural Institute — Baci, e o segundo mais recente e ainda inédito, fruto de minha visita a seu atelier, de Emanoel para José, onde ele reconhece que na crítica daquela mostra de xilogravuras, residia a revelação de um caminho de aprofundamento que estaria por vir: “a passagem da gravura para as esculturas”, “sem concessões”.
Emanoel Araújo (1)
“Partindo da experiência figurativa, onde as formas animais e o temário regional da Bahia ocupavam o centro, para chegar à abstração de tipo construtivista, cuja pesquisa o leva a contrapor faixas, impressas em cores geralmente fortes, e zonas brancas, com recursos de relevo e tridimensionalidade, o itinerário de Emanoel Araújo é basicamente o de um xilogravador, que em pouco mais de uma década de exercício profissional transformou-se num dos artistas brasileiros mais representativos, nesta modalidade.
A sensualidade e erotismo iniciais, estampados no plano, sublimaram-se na força e no requinte cromático e formal desenvolvidos no espaço, mais recentemente explorado pela caprichosa montagem de tiras avulsas, impressas, subordinadas a construções rítmicas e expressivos movimentos. Da recatada atmosfera inicial, quase ilustrativa, à grande decoração das estampas monumentais atuais, o caminho foi disciplina, rigor, aprofundamento e inventividade, sem concessões”.
Saudades de José Neistein (2)
“Conheci o Neistein em Washington, nos Estados Unidos da América do Norte, quando ele dirigia o Brazilian-American Cultural Institute, na capital americana. Foi ele o responsável por minha primeira exposição naquele instituto [...]. José Neistein era um homem de fina elegância e erudição, sua voz tinha uma sonoridade solene e didática.
Revendo as fotos da minha exposição, organizada pela sensibilidade de Neistein, aquela geografia da sequência de gravuras planas e com relevo das gravuras de armar, ali ele apontava na direção do que viria acontecer, a passagem da gravura para as esculturas”.
notas
1
NEISTEIN, José [1975]. Feitura das artes. São Paulo, Perspectiva, 1981, p. 97–98.
2
ARAÚJO, Emanoel. Excertos de texto memorial ainda inédito, out. 2021.
sobre o autor
Gabriel Neistein está finalizando a gradauação na FAU-USP. É judeu e paulistano e atualmente reside no bairro do Bom Retiro. Realiza diversas práticas, estudos e ativismos sobre territórios urbanos, memória, projeto arquitetônico e artes visuais. Trabalha com o legado e coleção de artes José Neistein.