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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Ana Rosa de Oliveira entrevista o engenheiro-arquiteto Carlos Delphim, que se dedica à restauração de jardins históricos e se declara jardineiro de nascimento e arquiteto da paisagem

english
Ana Rosa de Oliveira interview the engineer-architect Carlos Delphim, who is dedicated to the restoration of historic gardens and considers himself as a natural born gardener and a landscape architect

español
Ana Rosa de Oliveira entrevista al ingeniero- arquitecto Carlos Delphim, que se dedica a la restauración de jardines históricos y se declara jardinero de nacimiento y arquitecto del paisaje

how to quote

OLIVEIRA, Ana Rosa de. Carlos Fernando de Moura Delphim. Entrevista, São Paulo, ano 04, n. 016.01, Vitruvius, out. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/04.016/3334>.


Museu M. Procópio, Juiz de Fora, 1863. Parque restaurado por Carlos Fernando de Moura Delphim

Ana Rosa de Oliveira: Fale um pouco sobre a sua formação, da sua trajetória até a restauração de jardins.

Carlos Fernando de Moura Delphim: Desde que me entendo por gente eu já mexia com plantas. Uma vez desapareci de casa, mal tinha aprendido a andar, fui encontrado sentado no meio da rua, brincando com umas flores de flamboyant caídas sobre o chão. Minha avó e minha mãe sempre fizeram jardins, os jardineiros preparavam tudo mas elas mesmas plantavam.

Eu tinha um padrinho que ficou tão entusiasmado quando o Juscelino Kubitscheck ganhou as eleições que parou de trabalhar e vivia na sua horta plantando tudo que era verdura e legume. Com os restos das plantas, fazia composto orgânico. Ele fazia um composto para cada planta. Usava, para um, só pés de milho velhos, para outro, pés e cascas de vagens de feijão, para outro, velhos tomateiros. Cada composto era separado segundo a planta que o constituía.

Tudo que ele plantava dava enorme e sadio, com sabores até hoje não igualados. Ele era nosso vizinho e ensinou-me a plantar milho em nosso quintal. Plantios agrícolas não eram exatamente minha vocação mas plantei assim mesmo. Tive de preparar a terra, peneirando-a e misturando ao canteiro, semear os grãos dourados e aguardar. Tive de seguir todos os passos senão ele não me ensinava. Depois de germinar, aguardei, aguardei, aguardei e nada ... O tempo passava muito devagar quando eu era criança. Achei que algo estava errado e resolvi arrancar os pequenos pés de milho, pensando que as espigas estivessem enterradas. Foi minha primeira aula: quando desconsideramos as exigências da natureza, perdemos tudo.

Na adolescência, com um primo, modificamos os jardins antigos da casa. Fizemos um desenho de óbvia inspiração burle-marxiana. Damas-entre-verdes foram substituídas por antúrios; goivos por alpínias; roseiras por monsteras; heliotrópios por Musas coccineas. Foi um sucesso, mas lá se fora um íntegro e autêntico jardim brasileiro de transição do século XIX para o XX.

Quando fui estudar arquitetura em Belo Horizonte e alguém perguntava: Onde fica a casa de Fulano? Eu respondia: Segue esta rua até achar uma casa com um pé de jasmim, vira à esquerda, é uma casa com canteiros forrados de violeta. Ninguém entendia muito bem, mas essas eram minhas referências usuais. Minha ligação com os jardins foi sempre uma vocação.

Um dia, uma colega da Escola de Arquitetura contou-me que minhas professoras solteironas tinham ficado muito bem impressionadas comigo porque ele lhes havia dito que eu sabia de cor o nome de todas as flores. Realmente, eu sabia mas era o nome vulgar.

Mais tarde aprendi o nome de muitas outras plantas, só que passei a saber também o nome científico, tudo sem o menor esforço, sem precisar decorar. Bastava-me ver a foto ou desenho de uma planta e ler o nome para sabê-lo para sempre.

Antes disto, sem qualquer esforço, eu podia guardar o nome e a obra de qualquer pintor, identificava qualquer quadro, sabia a diferença entre um Braque e um Picasso, entre Sisley e Seurat. Distinguia qualquer pintura do Trecento ou do Quatrocento sabia se uma pintura era de Duccio, Cimabue, Simone Martini, Giotto, Fra Angelico, Cavallini, se era de Pollaiuolo, do Perugino, de da Vinci, Mantegna, Bellini; entendia de Guardi ou Canaletto. Conhecia toda obra de van der Weiden, van Eick, Dürer, Altdorfer e muitos nomes menos conhecidos.

Quando, após formado, comecei a dedicar-me mais e mais às plantas, fui me esquecendo do nome dos pintores, via um quadro e não me lembrava de quem era. Não poderia ter cultivado, no Brasil, minha paixão pela arte. Para isto teria de morar em Paris ou Florença onde poderia ver as grandes obras. Preferi então dedicar-me às plantas, sobretudo às flores, tesouro inextinguível no Brasil.

Mesmo tendo estudado urbanismo e paisagismo, o que sei de melhor aprendi em livros. Já tive mania de comprar livros sobre plantas, flores, árvores, tudo. Aprendi viajando, visitando hortos, tendo amigos com quem discutir sobre plantas, jardins e paisagens. Em outros países, até no Oriente, vejo plantas que identifico sem nunca ter visto antes, só por tê-la visto en passant em livros.

Sou mais jardineiro que paisagista. Há arquitetos de exterior que se dizem paisagistas mas não sabem lidar com plantas. Sou mais jardineiro que arquiteto. Nasci jardineiro e me fiz arquiteto da paisagem. Não entendo como se pode projetar um jardim em planta baixa, ninguém vê um jardim em planta baixa, você anda sob as árvores, cheira os perfumes, sente as luzes, toca a relva, os troncos, tudo menos olhá-lo por cima. Nem quando passa de avião porque as copas ocultam os mistérios da paisagem.

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