Eduardo Pasquinelli: Qual a sua história acadêmica e como foi o caminho até montar o seu próprio escritório em Barcelona?
Willy Müller: Estudei na FAU da Universidad Nacional de La Plata, na Argentina. Logo depois fui para a Espanha fazer doutorado em Arquitetura, na Escola Técnica Superior de Arquitetura de Barcelona, a ETSAB, na “Universidad de Barcelona”. No início, trabalhei no escritório do arquiteto japonês Arata Isozaki, no desenvolvimento do projeto do “Palau de Sant Jordi” e, posteriormente, com o arquiteto catalão Emílio Donato. Foi uma experiência importante para a minha formação profissional e que serviu como base para montar meu próprio escritório, em 1996.
EP: Barcelona é hoje uma das cidades mais expoentes do mundo. O que contribuiu para alcançar esse status?
Barcelona é uma cidade que inventa acontecimentos: a Exposição internacional de 1929, com o famoso Pavilhão de Mies van der Rohe, as Olimpíadas de 1992 e o Fórum Mundial das Culturas, em 2004. A cidade se coloca como centro do conhecimento e, ao mesmo tempo, se preocupa com a qualidade de vida de seus cidadãos. Esse é um dos motivos que fazem dessa cidade uma referência mundial. Nós, que vivemos e trabalhamos nela, nos sentimos especialmente orgulhosos, mas não devemos nos descuidar: as cidades que serão importantes no futuro não serão construídas na base de golpes de efeito, mas, sim, na concentração de inteligência, infra-estruturas e conhecimento.
EP: Como a cidade se estruturou para essa nova realidade?
WM: Nos últimos anos, a cidade de Barcelona sofreu um processo de transformação ordenada, um planejamento que direciona o desenvolvimento em três estágios complementares. Primeiramente, nos anos 80, com a recuperação da democracia, com base no que chamamos de micro-urbanismo, ou seja, pequenas intervenções pontuais em áreas degradadas, como a criação de praças e áreas públicas que trouxeram a valorização espacial daqueles espaços e contribuíram para o crescimento da auto-estima geral do povo catalão. Foi um processo semelhante ao “Acupuntura Urbana”, do Jaime Lerner. Num segundo momento, ocorreram grandes intervenções, garantindo a mobilidade de todo o conjunto urbano. Foram criados cinturões de circulação e inúmeras intervenções de grande porte na infra-estrutura urbana, tais como a revitalização do Porto, uma área de forte caráter turístico e de lazer, e o anel rodoviário. O modelo de convívio entre as áreas portuárias e residenciais é outro fator primordial nesse momento e que se torna factível quando as áreas de logística são altamente condensadas. Atualmente, está ocorrendo o deslocamento das atividades industriais produtivas para outras regiões. Algumas indústrias pesadas, altamente poluentes, estão saindo e dando lugares às de alta tecnologia, como é o caso da Samsung. Assim, a cidade não mais fica dividida em área residencial e área industrial. Esse processo possibilita a inserção de atividades não poluentes e de alta tecnologia (atividades industriais inteligentes) nas regiões residenciais, como é o caso do @22. Com menos poluição, essas indústrias e residências podem dividir o mesmo espaço. A terminologia indica uma zona industrial inteligente. Esse é o caminho adotado até agora. A partir desta última grande transformação urbana, cabe pensar quais serão os próximos passos. Necessariamente, deverá ser abandonada a idéia de cidade que estimula a isenção de impostos, ou seja, uma certa visão “colecionadora” da arquitetura da cidade, para concentramos em uma transformação segura e sustentável, sem produtos publicitários expoentes. Barcelona pode exportar sua inteligência, seu próprio know how, e ser ponto de saída em vez de destino de outras experiências. Esse é o caminho, mais longo, mas consistente e constante, e que contará com todo o apoio dos arquitetos e urbanistas.
EP: Qual a importância da Área Metropolitana de Barcelona, a Mancomunitat de Municipis, nesse contexto?
WM: A Região Metropolitana ocorreu de forma espontânea, quase voluntária: a necessidade de melhor gerir o território levou a uma integração entre os municípios. O planejamento e a potencialização de cada município dentro desse macro-contexto foi fundamental para o embasamento e a importância da cidade no âmbito internacional. A cidade funciona como um todo, a difusão do foco de atuação e crescimento tende à estagnação, e a Região Metropolitana de Barcelona, integrada por vários municípios, soube administrar o território como um todo. Esse é um grande exemplo, que, sempre que tenho oportunidade, explico no Brasil, já que um dos grandes problemas das cidades brasileiras é administrar e gerar projetos que envolvam vários municípios. É fundamental insistir na importância desses órgãos, já que depende deles a necessidade de solucionar, sem traumas, os grandes projetos logísticos brasileiros. Isso requer um equilíbrio entre todos os atores do processo, incluindo prefeituras, governos estaduais e federal, mas sempre de forma coerente com o dinamismo da economia brasileira, fortalecendo a relação das empresas públicas e privadas.
EP: Desde 1998, você faz parte do Grupo Metápolis. Quem são os intregrantes e quais são as diretrizes do trabalho?
WM: Somos três sócios fundadores: além de mim, temos a contribuição do Vicente Guallart e do Manoel Gausa, colegas e amigos. O grupo Metápolis foi criado em 1998, fruto de um momento da cidade de Barcelona, entre o êxito dos Jogos Olímpicos e a indefinição de um novo evento internacional, como o Fórum Mundial da Cultura. Desde a sua criação, temos participado ativamente de todos os debates sobre o estado atual da profissão, princípio que, até agora, seis anos depois da criação do grupo, continua presente e atual. Os arquitetos que seguem o caminho das grandes universidades obsoletas já não têm, no meu ponto de vista, inserção adequada na sociedade, apesar da enorme resistência dos diretores dessas escolas contra qualquer transformação. A Escola de Barcelona, antiga referência da grande geração de arquitetos dos anos 80, não se exclui a essa situação. Nós temos buscado, de forma aberta e sempre como work in progress, explicar essas profundas transformações que fazem com que a sociedade avance na mudança do seu sistema e que nós, que trabalhamos construindo o mundo físico, devemos compreender. É o caso, como define muito bem Guallart, de uma mudança no sistema operacional. Para tanto, criamos, espontaneamente, como sociedade civil, o Grupo Metápolis.
EP: Em que momento nasceu o Instituit D’arquitectura Avançada de Catalunya, o Iaac?
WM: O Iaac surgiu com um convite do governo catalão ao Grupo Metápolis, para desenvolvermos o projeto Hiper Catalunya, uma pesquisa territorial promovendo um cenário futuro. Foram desenvolvidos 20 projetos concretos para o território catalão, apontando uma nova visão de como enfrentar esse tipo de problema complexo. A dimensão do projeto evidenciou a necessidade de criar estruturas de investigação mais consistentes, mas a base do Iaac é a do próprio Grupo Metápolis, que, desde o ano 2000, desenvolve, em sociedade com a Fundación Politécnica de Catalunya, um curso de pós-graduação e, em breve, terá um mestrado. Nesse curso, foram desenvolvidos projetos muito importantes, como o Media House Project, um desenvolvimento de uma moradia inteligente, pensada e construída na Catalunha, em parceria com o conceituado “media Lab” do MIT. Acaba de ser editado, com prólogo do prefeito de Barcelona, um livro que reúne todo o processo projetual. No momento, estamos em uma nova fase, em que os sócios que colaboram conosco estarão mais envolvidos com a fase de pesquisa. Não é fácil a tarefa de pôr em execução organismos como esse, criados pela sociedade civil para a pesquisa. Sempre significam riscos que temos que assumir, entre os quais temos que contar com os ataques dos críticos instalados na inércia universitária, aterrorizados por qualquer caminho que não seja aquele que eles dominam. Mas essas situações não fazem mais do que confirmar a necessidade real, para que surjam grupos como o Metápolis.
EP: Falando de Arquitetura, o conceito de projetar caminha para a multidisciplinaridade?
WM: Sem dúvida. E mais, outras profissões estão projetando com maior capacidade e influência do que a nossa. Os biólogos, por exemplo, estão desenhando um modo lógico e sustentável das cidades. Portanto, devemos nos integrar urgentemente nesse processo multidisciplinar, para pesquisar e construir. Essa dinâmica faz com que os arquitetos saiam de sua inércia cultural, e isso é um fato significativo do estado atual da profissão. O termo território, algo que há pouco tempo nem se cogitava, é hoje compartilhado por economistas, geógrafos, biólogos, ecólogos, engenheiros e arquitetos, o que vem a ser uma novidade. O território é hoje um espaço de negociação das aspirações sociais, econômicas, culturais, com todos os agentes implicados.
EP: A produção arquitetônica do seu escritório está fundamentada basicamente em conceito, escala e tecnologia da construção. Quais os seus projetos que melhor atingiram esse objetivo?
WM: A produção do meu escritório está fundamentada no conceito estrutural, no sentido mais amplo do termo: estruturas, infra-estruturas e estruturas aparentes. Evidentemente, dedicamos muito do nosso tempo a pesquisar para a construção, porque esse é o nosso único objetivo, mas com uma condição a que nos propusemos desde o início: construir “com” a indústria, até conseguir “uma” indústria da construção. Nesse momento, estamos trabalhando em vários projetos com escalas diferentes, desde o projeto do Nuevo Mercado de las Flores en Barcelona, um edifício de 30 mil m2, até o projeto Pile Tower, para moradias e equipamentos, em Valencia, onde vamos tentar aplicar toda a experiência no desenho de estruturas industrializadas. Por outro lado, acabamos de apresentar, no livro HyperCatalunya, nossas idéias para a reordenação estratégica do Porto de Barcelona. Também estamos trabalhando na produção em série de residências unifamiliares ecológicas, as MEBSS (modular ecological bioclimatical and sustentable spaces).