Felipe Contier: O que um arquiteto-urbanista precisa saber sobre fundações, impermeabilização e compactação do solo para evitar desastres técnicos e ambientais na hora de projetar?
Álvaro Rodrigues dos Santos: De um modo geral me parece que a maioria de nossos arquitetos ainda, infelizmente, acha que suas responsabilidades técnicas somente se relacionam com a parte aérea das edificações. E assim são muito comuns os projetos de prancheta que desconhecem a natureza dos terrenos onde vão ser implantados, sua geologia, seu relevo, seu comportamento geotécnico, e jogam para a engenharia a tresloucada responsabilidade de adaptar a natureza ao seu burocrático projeto (haja terraplenagem...) ao invés de, criativamente adaptar seu projeto à natureza.
O fato é que os conceitos orientadores de como vão se dar as relações de um determinado empreendimento com o meio natural com o qual interfere são definidos primeira e originalmente nas concepções arquitetônicas que lhe são propostas. É essa concepção arquitetônica, determinante da disposição espacial e do ajuste do empreendimento ao terreno e suas características fisiográficas, que também influenciará, por decorrência conceitual, a escolha dos procedimentos construtivos e as futuras regras de operação e manutenção; todos esses, elementos essenciais nas inter-relações com o meio natural.
Ou seja, será a concepção arquitetônica de partida que determinará o êxito ou o fracasso do empreendimento naquilo que se refere às suas relações com o ambiente geológico-geotécnico, ou de uma forma mais ampla, naquilo que se refere à sua sustentabilidade ambiental. Do que pode se concluir que será essa concepção arquitetônica que, na maioria dos casos, definirá o êxito ou o fracasso financeiro e funcional do empreendimento.
FC: No caso de ocupações em terrenos acidentados, quais os recursos técnicos com que os arquitetos podem contar para adequar seu projeto sem recorrer à soluções caras e pesadas, muitas vezes indisponíveis em terrenos afastados?
ARS: Obviamente há soluções arquitetônicas mais adequadas a cada tipo de edificação considerado, seja uma grande empresa, seja um edifício de apartamentos, seja um conjunto habitacional para baixa renda, etc. Mas de uma maneira geral deve-se trabalhar com uma estratégia guia de não se promover grandes cortes no terreno. O corte é o fator desestabilizador mais notável em um terreno acidentado. Ao mesmo tempo que implica em uma grande movimentação de terra e sua exposição a processos erosivos de superfície. Nesses termos eu convidaria nossos arquitetos, por exemplo, a recuperarem o histórico uso, para esses casos, das lages lançadas sobre pilotis (ou colunas). Entendo que expedientes criativos dessa natureza darão base a projetos de muito maior êxito técnico e estético em relevos acidentados.
Claro, lembrando que terrenos com declividade muito acentuada, acima de algo como 57%, 30º, sumariamente não devem ser ocupados, independentemente da concepção arquitetônica que se escolha para tanto.
FC: A utilização de técnicas simples, como a pintura a cal no tratamento de encostas, não parece um contrasenso em tempos de desenvolvimentismo e tecnicismo? Porque muitas técnicas como esta, simples e baratas, não constam no repertório de arquitetos, engenheiros e suas escolas?
ARS: Nessa questão as coisas se passam como se a engenharia brasileira (engenharia, arquitetura, geologia, agronomia) tivesse passado a associar o conceito de obras simples, ou, em um sentido mais abrangente, de soluções simples com a imagem de tecnologias ultrapassadas e/ou ineficientes. Esse fenômeno técnico certamente tem alguma associação com a lógica empresarial de auferição de lucros máximos, para a qual obras mais sofisticadas e de maior porte melhor se prestam.
Obviamente, não se trata de se pretender ingenuamente que obras tecnologicamente complexas possam ser em qualquer situação substituídas por obras simples, ambas evidentemente têm seu lugar e hora. E, diga-se de passagem, podem e devem conviver em um mesmo empreendimento. No entanto, o fato real é que pela perda da memória decorrente da falta de devido registro bibliográfico e pelo já falecimento de quase toda última geração de engenheiros e mestres de obra que dominaram, em grande parte empiricamente, o uso de obras simples no país, assim como pelo desprezo com que hoje escolas de engenharia tratam a questão, ou simplesmente não a tratam, a engenharia brasileira está na prática deixando progressivamente de contar com a possibilidade real de ter essa alternativa como solução de tantos de seus problemas, mesmo nas situações (e são inúmeras) em que ela, a obra simples, constitua a alternativa de engenharia mais adequada técnica e economicamente para a solução pretendida.