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interview ISSN 2175-6708

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Ao pichar obra de Nuno Ramos na última Bienal de Arte de São Paulo, o pixador Djan Ivson, conhecido como Cripta Djan, chamou a atenção para a ambiguidade de sua forma de expressão, que ronda perigosamente a contravenção e flerta envergonhada com a arte.

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LASSALA, Gustavo; GUERRA, Abilio. Cripta Djan Ivson, profissão pichador. "Pixar é crime num país onde roubar é arte". Entrevista, São Paulo, ano 13, n. 049.04, Vitruvius, mar. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11.049/4281>.


Pintura feita por Djan Ivson Silva na adolescência
Foto divulgação [Arquivo Cripta Djan]


Gustavo Lassala e Abilio Guerra: Como foi a sua infância dentro de sua família, na relação com a vizinhança e com a escola?

Cripta Djan Ivson: Eu tive uma infância muito boa. Cresci numa cidade legal, Barueri, cidade que tinha infraestrutura. Eu morei em lugares piores antes, morei em Itapevi. Com seis anos a gente saiu de Santana, na Zona Norte, e fomos morar em Itapevi. E eu, filho único, criado por mãe solteira e por minhas tias, não tinha uma presença masculina prá me defender, estar do meu lado.

GL/AG: Você nem chegou a conhecer seu pai?

CDI: Conheço meu pai, mas ele sempre foi ausente mesmo, por opção. Quando cheguei em Itapevi, era aquela molecada de rua, molecada mais solta, então eu apanhava muito no começo não sabia que aquilo estava sendo meu amadurecimento na rua. Com nove anos, já era uma criança madura, de se virar na rua sozinho, e não trazer mais problema para casa. Antes eu sempre chegava chorando em casa e minha tia tinha que ir cobrar minhas broncas. Teve uma vez que um senhor, amigo da família, me chamou e falou: “você já é um hominho, aprende a resolver suas coisas”. Então, dali em diante eu comecei a me virar e resolver minhas tretas. Quando mudei para Barueri, já era um moleque maduro, e logo entrei na capoeira e sempre estava envolvido em algum esporte; jogava bem futebol, era goleiro, andava de patins, tive uma infância muito ativa. Eu fazia muita coisa e tudo que o fazia, me destacava. Sempre tive essa facilidade prá me destacar nas coisas e com doze anos eu comecei a pixar.

GL/AG: Quando adolescente, como dividia seu tempo entre estudo, lazer, baladas, futebol?

CDI: Eu tinha uma relação tranquila com a vizinhança até começar a pixar. Depois, virou um pesadelo, eu era o terror da rua. Em 1999, fiz uma festa do Cripta em casa, festa de três anos do Cripta, e pixamos o bairro todo. A vizinhança me processou em ação conjunta. Eu era visto como pixador, era minha figura carimbada no bairro, tá ligado? O pessoal me odiava, o pessoal “zé povinho”, porque sempre fui um moleque que andava com a galera mais velha, uns caras mais prá frente, e foi até por isso que eu comecei a pixar. Eu andava com o grupo de uns caras da rua de casa, os caras eram mais velhos, já pixavam e foi uma consequência. Você está ali, com os cara pixando, aquele negócio de gangue, de turma, já era envolvido nas tretas da quebrada...

Era um moleque que já brigava muito em escola. Eu era conhecido como “porradeiro” mesmo, tá ligado? Já de moleque eu tocava terror geral na escola. Eu tinha até facilidade prá aprender as coisas e tudo, mas chegou uma fase que eu não cabia na escola e foi bem nessa fase da pixação. Então, foi aí que eu comecei a deixar de lado os estudos, porque quando eu comecei a descobrir o que era o movimento mesmo e o que precisava prá estar me destacando, eu comecei a buscar isso, sabe? Desde cedo, entendeu? Tinha essa ambição de ser um pixador conhecido. Primeiro no bairro, depois na região e depois São Paulo, né, mano? Tanto é que com vinte anos eu já era um pixador superconhecido, realizado, muitos caras falavam que eu não precisava pixar mais, entendeu? Porque eu comecei bem cedo mesmo. Em relação a baladas, eu curti muita quermesse, tinha muitos salões que a gente colava, que a galera toda colava, aquela época do underground... Então, eu curtia muito isso aí, cara. Sempre tinha muita quermesse nas quebradas, então, estava sempre envolvido nisso, mas cada vez mais meus rolês estavam ficando direcionados à pixação, entendeu?

GL/AG: Jogou futebol?

CDI: Futebol eu joguei, cheguei a ser federado no GRB, em Barueri, cheguei a disputar o campeonato paulista pré-mirim. Sou corintiano, acompanho, mas não sou fanático, sou um torcedor comum, nada de fanatismo, brigar na rua por causa disso, parar de falar com o amigo porque perdeu o clássico e não aguentou a “zoeira”. Uma coisa normal, saudável.

Pixo feito por Djan na rua da Consolação, São Paulo
Foto Gustavo Lassala

GL/AG: Antes de entrar para a pixação, você pensou em fazer alguma outra coisa da vida? Como você imaginava ganhar seu sustento?

CDI: Na real, eu sempre trabalhei com coisas relacionadas à arte. O primeiro trabalho meu começou em 1998, em Barueri. Era um acordo político entre pixadores e o prefeito, tá ligado? O prefeito de Barueri não aguentava com a gente, então o que ele fez? Ele se uniu a nós, convidou todo mundo prá reunião, começou a fazer show prá nós, uns eventos que teve até uma expressão no hip-hop, que era o Concha Acústica de Barueri. Aí, a gente começou a trabalhar com pintura na cidade, ter alguma instrução de desenho artístico, e eu fiquei oito anos trabalhando com isso. Fiquei um bom tempo, desenvolvi uma técnica legal no desenho; eu sempre desenhei, sempre tive facilidade com desenho. O legal é que a gente aprendeu uma técnica no pincel, no rolinho, mas desenho artístico, não diria nem grafite. Tinham muitos trabalhos com temas de folclore, essas coisas de história da cidade. Era um acordo que a gente fez e começou a trabalhar. Os trabalhos que eram nossos, ninguém pixava mais.

A gente começou a ter um envolvimento político através da pixação. Com treze anos, já estava ali, sentando com o prefeito em gabinete e tal. Inclusive, tem uma cena que, para nós, é inesquecível: no dia da primeira reunião com prefeito, ele chegou, chamou todo mundo e perguntou quais eram as queixas contra a guarda municipal. A mais recente era minha e de um parceiro. Os caras tinham obrigado a gente se espancar a noite toda, um batendo no outro, e a gente era “de menorzão”, tinha treze anos e o mais velho, no máximo, tinha dezessete. A gente tinha o nome do guarda que tinha feito aquilo, falamos para o prefeito e ele ficou indignado. No outro dia, ele nos chamou, eu e o outro parceiro, o Dé, e deixou o emprego do guarda na nossa mão. Foi um “baguio loco”! Ele humilhou o cara, ele deu um esporro no guarda, foi um “baguio de mil grau”. O cara gaguejando e a gente ali, sentado. Ficamos até com dó, tá ligado? Então, o prefeito Gil Arantes foi inteligente; o resultado depois desses oito anos, a pixação em Barueri nunca mais foi a mesma. Na época, ele acabou financiando nosso rolês, tá ligado? A gente se levantou na pixação à custa da prefeitura; a gente era “os caras” que pintava tudo na cidade.

GL/AG: Mas era letra, pixo?

CDI: Não, não, era desenho artístico, pintura com temas artísticos. Tenho fotos, matérias, foi aí que eu comecei a dar entrevista. Minha primeira entrevista foi em 1999, cara, prá Band [TV Bandeirantes]. E já começou a aproximação com a mídia e tal. Desenvolvi uma técnica muito interessante nesses trampos aí, tá ligado?

GL/AG: Hoje em dia, como se diverte, se informa, se comunica com as pessoas, ganha dinheiro?

CDI: Basicamente, a pixação ta ligada a quase tudo na minha vida: diversão, ganhar dinheiro... Não diretamente a ganhar dinheiro, porque, hoje em dia, eu não conto com a renda dos vídeos, tá ligado? É muito pequena, só que o tema da pixação me levou a alguns determinados aspectos, como aquele roteiro ali [roteiro para filme que ele escreveu e vendeu para o publicitário e produtor Cláudio Borelli]. Aquele roteiro é o último grande projeto que eu tô envolvido e onde realmente tô ganhando dinheiro. A única coisa que eu ganhei dinheiro mesmo foi com esse projeto, que é um trabalho em que eu escrevi uma história e roteirizei um projeto, com o tema ligado à pichação. Mas, diretamente eu ainda não ganhei nada, porque não vendi nada da pixação. Teve um lance em Paris que, lógico, fui lá representar o movimento e ganhei cachê como qualquer outro artista que participa de um evento ou funcionário que trabalha, entendeu? Eu não tenho essa ambição de falar “não, a gente vai viver de pixação”, o que eu tô fazendo mesmo é tudo de coração, pelo movimento. Porque acabou me abrindo algumas portas, trouxe uma discussão interessante, eu comecei a ler algumas coisas, a pensar mais nesse lado político que o movimento tem, explorar isso. Até prá nossa vida, levar isso em diante para o resto da vida, sabe? Então, diretamente, tá tudo ligado, meio por diversão, porque eu não curto colar em balada, tá ligado? Curto colar em point, festa de pixador, entendeu? E nas minhas amizades, são todos pixadores. Então, eu curto ir às casas dos meus amigos pixadores, eu vou com a minha família prá casa de alguns amigos porque a gente é uma família. Têm as uniões, inclusive faço parte da união que chama Os Mais Fortes.

GL/AG: Que vocês chamam de grifes?

CDI: Isso, são as grifes. Os Mais Fortes é uma família e vai um prá casa do outro, tem aquele lance mesmo, todo ano a gente faz festa, tá ligado? E todo mundo se reúne e estamos sempre juntos. Independente da pixação, a gente criou um vínculo de amizade, de família. Tem cara que a família dele é a pixação, mano, ele não tem uma família ou às vezes não tem o prestígio e visibilidade na família, entendeu? Então, cara, basicamente toda minha fonte de lazer, de tudo, tá relacionado à pixação. Mas ganhar dinheiro diretamente é uma coisa que ainda não consegui e não pretendo também. O que veio aí foram coisas que acabaram acontecendo, foram consequências. O vídeo mesmo, muita gente acha que o Djan explora a pixação, alguns caras do movimento acham isso, mas eu só não dou esses vídeos, cara, porque ninguém bancou a tiragem, minha vontade era chegar no point e distribuir isso, tá ligado? Seria muito mais interessante. Tem um custo, tudo tem um custo prá fazer e, às vezes, você tem que recuperar pelo menos o que você investiu. Você troca figurinha e ainda sai no “preju” porque venda é uma coisa que é muito incerta também.

GL/AG: Quais são as coisas mais importantes hoje na sua vida?

CDI: Cara, em primeiro lugar minha família: minha mulher, meu filho, minha mãe e minha tia, o pessoal que mora aqui junto e que a gente corre junto e, depois disso, cara, é a pixação, entendeu? Depois da minha família, minha prioridade é a pixação. É o que move minha vida, tá ligado? É onde eu encontro minhas amizades; meus contatos vieram através disso. Hoje em dia, eu tenho contato com pessoas importantes, vários produtores, jornalistas, pessoas da arte também, é uma coisa que move minha vida, eu respiro pixação, cara. São 24 por 48 horas, não tem jeito. E agora tô até fazendo exibição, apresentando filme em faculdade e promovendo debate, coisa que, pela minha formação, eu nunca imaginaria, tá ligado? Acabou acontecendo e, hoje em dia, tenho até uma consistência para chegar e encarar uma discussão e não estar por fora, porque é complicado, eu vejo a galera do pixo, cara, eles não têm... Quando eu falo que a pixação é o que tem de mais puro e verdadeiro no momento da arte contemporânea é porque os outros artistas, qual a intenção dos caras? Os caras já nascem para o mercado. O pixador nem pretensão de ser artista ele tem, ele quer ser pixador. Ele não sabe a dimensão da importância que o trabalho dele tem, como ele é subversivo! Ele não tem apego a nada, não tem pretensão financeira; pelo contrário, o cara só se fode, sofre preconceito da família, da polícia, da sociedade, entendeu?

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