Roberto Boettger e Olivia Marra: Qual foi a motivação para esse projeto?
Angelo Bucci: O projeto surgiu do convite para nossa participação na exposição Panorama 33, curada por Lisette Lagnado em 2013 no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Além dos artistas, foram sete escritórios de arquitetura convidados, a responder sobre como seria um futuro desejável para o MAM, na sua relação com a cidade e o Parque. Em geral, trabalhamos com demandas específicas de projetos para construção, não era bem esse o caso, pois aqui trata-se sobretudo de um projeto teórico.
Mas o Ciro Miguel e a Juliana Braga se entusiasmaram muito com o convite e decidimos seguir em frente para responder ao desafio proposto pela Lisette. Afinal, reflexões similares a esta são constantes nas nossas conversas sobre a cidade de São Paulo e também sobre o Parque do Ibirapuera que nos convida a considerar algumas experiências arquitetônicas, tais como: 1) escalar a Oca como toda criança planeja; 2) explorar o trecho de túnel rodoviário sob o parque (o braço para a 23 de Maio sentido centro) que nunca foi aberto aos carros; 3) notar que a altura do obelisco coincide com o diâmetro da Oca; 4) imaginar um negativo do obelisco, como um poço cavado no chão; 5) inverter a forma da Oca como uma calota impressa na superfície do parque e assim por diante.
Além disso, os edifícios do Parque nos oferecem parâmetros de medidas; todos sabemos o pavilhão da Bienal mede 250 x 50m; o Museu Afro e seu edifício gêmeo 150x35m; a Oca com 70m de diâmetro. Enfim, considerando sobre o convite da Lisette, conversando através de croquis sobre o contexto do parque a partir deste tipo de consideração, a gente se dá conta que os edifícios de Oscar Niemeyer para o Parque estão ordenadas com grande rigor geométrico, por isso todos eles podem ser contidos por um quadrado: eis que isso poderia ser o próprio Museu! Há um interesse especial nessa relação, inclusive pela singularidade do seu contexto: um museu que tem na coleção permanente os edifícios de Niemeyer e jardins de Burle Marx! Não é pouco. Tal projeto não seria possível noutro lugar senão o Parque do Ibirapuera em São Paulo.
RB&OM: Como vocês chegaram a definir a medida do quadrado? Há alguma relação com os objetos que este emoldura?
AB: Sim, existe uma relação direta. O quadrado tem 750 metros de lado. A medida está dada pelo desenho de Niemeyer e é suficiente para emoldurar o conjunto. Cada face é formada por um edifício com seção quadrada de 10 metros, elevado do solo por 11 colunas, portanto são 10 vãos de 75 metros. Cada uma das colunas é um canteiro de obra, assim seriam 44 canteiros simultâneos O vão, 75m, é vencido por uma treliça metálica. Portanto, seriam 88 treliças que poderiam ser fabricadas no Brasil inteiro. Além de oportuno na sua relação com o Parque e com a cidade, este museu tem um estratégia clara e conveniente para sua construção.
RB&OM: É interessante como um projeto essencialmente conceitual é pensado de maneira bastante tangível.
AB: Mas esse é essencialmente o nosso modo de pensar sobre arquitetura. Não há como ser diferente e, portanto, o mesmo raciocínio conduz a maneira de desenhar e de iniciar qualquer discussão – por mais teórica que se possa parecer. Se fosse para ser realizado, esse projeto pode ser construído em 6 meses!
RB&OM: O museu se estenderia para além do Parque Ibirapuera?
AB: Sim. Aliás o museu é um grande tema no contexto de São Paulo. Justamente no Parque, há obras de Oscar Niemeyer e de Roberto Burle Marx como uma espécie de diálogo da cidade paulista com a arquitetura carioca. O Ibirapuera foi construído em 1954 para celebrar os 400 anos da cidade, abrigando exposições de indústria e de arte. Originalmente, sua área era muito maior do que é hoje. Mas ela foi gradualmente invadida por outras construções, enquanto que outras áreas foram doadas.
Portanto, a pergunta sobre o futuro do MAM embutia uma polêmica de arquitetura importante para São Paulo. Foi muito oportuno colocá-la na 33° edição da Panorama, que começou no próprio Museu em 1969. Inclusive, naquele momento da história, este já passava por uma crise administrativa. Com sede inaugurada no edifício dos Diários Associados, no centro de São Paulo, o acervo havia sido dissolvido e transferido para a USP. Em 1969, o MAM ressurge para sediar a primeira Panorama. A mostra foi feita no pavilhão construído dez anos antes por Lina Bo Bardi, sob a marquise do Ibirapuera. Originalmente erguido para a exposição “Bahia”, na 5° Bienal de Arte de São Paulo, o pavilhão tinha até então, digo desde o final da exposição Bahia, servido como depósito para a Fundação.
Sua permanência e depois sua ampliação foi motivo de controvérsia entre Lina Bo Bardi e Oscar Niemeyer, com troca de cartas nos jornais na década de 1970. Finalmente, ambos entraram num consenso. Mas a questão sobre a liberação da marquise nunca foi de fato resolvida.
Desse modo, este projeto que apresentamos por ocasião da 33º Panorama dialoga com essa discussão ao propor o novo MAM dentro e, ao mesmo tempo, fora do Parque.
RB&OM: Você poderia falar sobre a planta?
AB: Gosto de pensar que esta planta quadrada foi desenhada por Oscar Niemeyer. O que fizemos foi desenhá-la com a máxima precisão sobre a topografia do parque. Com este desenhos em mãos visitamos o Parque para fazer as fotos destas fotomontagens feitas pelo Ciro Miguel para a apresentação do projeto. Naquela visita, eu era uma espécie de navegador com a carta em mãos, íamos decidindo as vistas melhores e o Ciro clicava para inserir o edifício proposto de modo a mostrar a sua relação com o existente.
Assim, confirmávamos o partido e verificávamos como os quatro prismas se relacionavam com os edifícios precedentes. Por exemplo: 1) quando um prisma atravessa um bosque mais denso, as lajes são recortadas de modo que as árvores as atravessem; 2) uma ponte permite que a cobertura do Museu Afro Brasil seja desfrutada como um terraço; 3) a conexão com o edifício da Bienal sugeriu o compartilhamento do uso do seu auditório; 4) seções de piso transparente permite que as pessoas no parque ‘visitem’ visualmente trechos de museu; 5) fachadas transparentes coloca outro trecho no acesso visual da 23 de Maio e assim por diante. O prisma sul abriga a entrada principal de público, ali um mezzanino administrativo funciona como um edifício autônomo. Do lado oposto, o prisma norte, paira sobre a rua, oferece um endereço próprio para artistas convidados num outro mezanino totalmente independente com programa de apartamentos e ateliês. Ao mesmo tempo, o museu funciona independentemente destes espaços.
Além disso, há um carro, como um monotrilho interno, que faz o giro completo,3km, pelo museu em apenas 5 minutos; claro, isso permite que um grupo de pessoas visite os destaques de uma exposição guiados por um monitor, multiplica as formas de visitação. Também, alçapões no piso podem ser abertos para içar peças de maior porte e transportá-las por ponte rolante a qualquer posição do prisma. Quanto às fachadas, pode-se regular filtros [insolação e controle de luz] conforme a orientação, vistas desejáveis ou demandas expositivas. Tudo funciona de tal modo que não se pode dizer se estamos trabalhando com a escala da arquitetura ou com a escala urbana. É um edifício que não se pode divisar inteiramente, embora o seu perímetro completo possa ser facilmente inferido a partir de um ou alguns fragmentos.
Apesar da grande escala, o projeto apresenta a precisão de uma relojoaria pela precisão pela qual ele se ajusta ao contexto. Os pilares se ajustam perfeitamente em relação às ruas, sem qualquer conflito e sem que se precise fazer qualquer exceção à regra, digo aos constantes 75 metros de vão e os 3,5 metros de diâmetro de cada pilar. Tudo se encaixa como se tivesse sempre existido.
A possibilidade da riqueza possível destas relações entre o novo e o existente já pode ser percebida nas colagens que o Ciro.