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interview ISSN 2175-6708

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Beatriz Carneiro e Ingrid Colares, do grupo de pesquisa Inquérito Portugal, sediado na PUC-Rio sob coordenação de Ana Luiza Nobre, conversam com o arquiteto paisagista português João Nunes sobre sua obra, sob o ponto de vista da relação entre território.

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INQUÉRITO PORTUGAL, Grupo. Paisagem como transformação. Entrevista com o arquiteto paisagista João Nunes. Entrevista, São Paulo, ano 18, n. 072.02, Vitruvius, nov. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/18.072/6785>.


Requalificação ambiental em Etar de Alcântara, Lisboa, Portugal, arquitetos paisagistas João Nunes e Carlos Ribas
Foto divulgação [website do arquiteto]

Inquérito PortugalO senhor indicaria alguma referência para nós, que somos estudantes de arquitetura?

João Nunes: Há uma referência que eu costumo indicar aos meus alunos e amigos, que é a tentativa de entendimento dos sítios como uma partitura complexa de música, feita de uma quantidade incrível de coisas que não tem nada a ver umas com as outras. Se vocês lerem a partitura de um contrabaixo numa peça de orquestra, por exemplo, vão encontrar a expressão de uma estrutura e de um ritmo que mal se consegue adivinhar quando se ouve a peça toda. Se fizerem esse exercício para cada uma das linhas de uma orquestra – e quanto mais a peça for complexa, melhor, como uma peça de Wagner, por exemplo – creio que conseguirão ter o entendimento de que nada é acessório, e de que as coisas que parecem mais insignificantes têm uma consequência extraordinária na construção do conjunto. Em segundo lugar, entenderão a necessidade de encontrar uma maneira de ver que é suficientemente próxima para que cada detalhe seja importante, mas suficientemente distante para conseguirmos entender tudo como uma coisa só.

Creio ser essa a maior dificuldade, sobretudo neste momento, em que o período Moderno nos viciou numa leitura cada vez mais fragmentada, na tentativa de encontrar através da especialização um conhecimento mais profundo das coisas. E aquilo que genericamente aconteceu foi que esse conhecimento mais profundo das coisas nos tornou incapazes de ter uma visão global, holística, capaz de entender o edifício, mas também o edifício no sítio, o sítio na cidade e a cidade no mundo. Creio que a construção dessa sequência é o que torna difícil o trabalho do arquiteto. Quando nos perguntamos porque um projeto é extraordinário, muitas vezes a resposta tem a ver com o fato dele ter conseguido entender sua posição como uma peça absolutamente essencial de algo que é muito maior do que ele, em termos espaciais e físicos, sem perder a coerência entre essa posição e cada um de seus detalhes.

Outra coisa importante é tentar perceber como os problemas que os arquitetos clássicos resolviam são exatamente os mesmos que nós resolvemos. Se lermos Palladio, por exemplo, percebemos que por trás das suas interrogações, que são resolvidas com uma segurança muito grande, estão exatamente as mesmas angústias que constantemente minam os projetistas contemporâneos. Portanto acho que vale a pena vocês estudarem também a obra desses grandes mestres, não no sentido de uma espécie de divinização, mas tentando entender o seu trabalho como resposta a angústias que também são as vossas, ou serão as vossas.

Também acho importante a questão do método. A contemporaneidade desenhou uma maneira de nos relacionarmos com as coisas que é bastante fragmentada. Há um texto didático americano que diz que as pessoas só conseguem prestar atenção em uma aula durante seis minutos, localizados em um momento absolutamente preciso da audição. Em suma: que vocês são todos uns patetas, que não são capazes de se concentrar por mais de seis minutos e ao fim de seis minutos já tem o cérebro a relembrar os desenhos animados que viram ontem. E eu acho que as pessoas que são tratadas como atrasadas mentais ficam mesmo atrasadas mentais, se são tratadas como pessoas válidas e cheias de qualidades, tornam-se pessoas válidas e cheias de qualidades. Aquilo que é preciso cultivar é a capacidade de imersão. Aquilo que as escolas devem ser capazes de construir é a vossa capacidade de imergir num assunto de arquitetura. Não podemos trabalhar em arquitetura das 9 às 10 horas, depois ir correr, depois trabalhar em arquitetura do meio dia às 15 horas. A arquitetura exige a construção de um espaço virtual que só existe na nossa cabeça, do qual o desenho e o trabalho do computador são só a expressão. Portanto, nada daquilo existe se não existir na nossa cabeça antes. Pensar que aquilo que conseguimos construir no computador substitui a construção virtual na nossa cabeça é um erro profundo.

Nosso esforço de fazer um projeto passa por construir cada vez mais coerentemente e detalhadamente essa realidade que estamos a prever. Cada vez que pensamos no assunto, se tivermos essa capacidade de imersão, transpomo-nos para dentro desse mundo. Claro que isso tem algum custo social, porque em geral produz um estado de imbecilização em que não respondemos às pessoas, deixamos cair coisas… construímos efetivamente qualquer coisa que substitui 100% nossa presença na realidade. Ficamos um pouco entontecidos com essa necessidade, mas o ser humano é capaz de gerir sua presença nesse mundo virtual com algum grau de normalidade nas relações sociais do cotidiano.

O que é fundamental é estar 100% dentro desse mundo e isso demora muito, mas muito, muito tempo… Ao fim de 30 anos a coisa se torna um pouco mais rápida. Eu, a princípio, fazia trabalhos que duravam um dia, uma noite e um dia, porque me assustava a possibilidade de sair daquele estado, e portanto daquela capacidade de conhecer tão bem aquele sítio que não existe e de mover-me por dentro dele. Custava-me tanto construir essa consciência que interromper, sair, tomar banho, ir almoçar ou fazer outra coisa qualquer era pôr em risco a coerência dessa construção, era arriscar não conseguir entrar ou demorar outra vez a entrar nesse estado.

Ensinar isto, ou mais do que ensinar, aprender isto é aprender a construção desse mundo imaginário. Produzir o projeto, sob o ponto de vista do desenho, é facílimo a partir daí. Qualquer pormenor é só “peraí, que já vou ver onde ele está” e ele está lá, não sei onde, mas está lá. Esta imersão nos torna profundamente conscientes de uma realidade antes dela existir sequer no desenho – o desenho vem depois, para esclarecer coisas que não ficaram claras ou dúvidas entre alternativas, ou para comunicar dúvidas. Desenhamos para contar às outras pessoas coisas que já sabemos como são dentro da nossa cabeça. Para além disso, o que aquilo produz é uma capacidade tão grande de absorver a solução que quando estamos dentro desse mundo, quando estamos dentro dessa realidade que construímos, as soluções chovem das coisas mais imbecis que se possa imaginar. Quando há coisas que não resolvemos mas temos ali, listadas, e vamos a uma exposição, por exemplo, de repente vemos um pormenor de um quadro que é a resposta que queremos. Porque nos transformamos em imãs que estão constantemente a atrair a resposta de todas as fontes possíveis. E isso nos torna muito ricos em relação à capacidade de resolver problemas. Mas é preciso estar nesse estado. Por isso é preciso transformar uma escola que antes era um manancial de informação – o que agora já não faz sentido porque a informação está acessível em todo mundo – numa espécie de mosteiro budista, onde aquilo que se aprende é sobretudo uma atitude, uma prática. Se vocês através dessa prática tiverem algum auxílio para filtrar essa informação, já não é nada mal.

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072.02
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072

072.01

PMR 29’

Carolina Gimenez, Catherine Otondo, João Sodré, José Paulo Gouvêa and Juliana Braga

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