Este projeto inicia em 2001.
Fui convidado para uma primeira inspeção do edifício existente que o Sesc havia adquirido: uma construção dos anos 1940 com uso predominantemente comercial. A estrutura composta por pilares foi modificada e desordenada ao longo dos anos. Quase no centro, havia uma praça quadrada, a qual teve os dois primeiros andares cobertos. Imediatamente, concordei com a proposta de estabelecer funções culturais no centro da cidade, apesar de conhecer pouco o programa de necessidades. Eles me disseram que cerca de 300 funcionários trabalhariam na obra. Salientei que o edifício existente, mesmo tendo sido cuidadosamente reformado, não era capaz de acomodar adequadamente tudo o que o cliente queria. Este tipo de diagnóstico no início do projeto é fundamental.
Em geral, a recuperação de um edifício existente através da sua transformação já expressa uma ideia de sustentabilidade. Portanto, eu articulei uma solução possível: havia um edifício pequeno, com cerca de 7 por 20 metros, vizinho ao edifício adquirido. Usei a metáfora da “oficina de barcos” que é essencialmente uma concentração de máquinas utilizadas para a manutenção e operação de grandes navios de transporte. Então, expliquei à eles que se comprassem a outra propriedade para abrigar as máquinas e os serviços, ganharíamos mais área nos vários níveis, naturalmente após a ocupação da praça quadrada.
O Sesc aceitou a sugestão e comprou o segundo edifício que, transformado, passou a abrigar os serviços e equipamentos técnicos, conectando-se ao volume principal por rampas. Abaixo destas passa uma pequena “rua” – isto é, um caminho urbano de pedestres entre duas fachadas, sendo uma delas transparente, que leva a porta secundária de acesso ao teatro.
Esta fachada “interna” transparente é composta por uma estrutura de aço que, do ponto de vista tecnológico, difere muito das fachadas de vidro comuns no “primeiro mundo”. Neste caso, trata-se de uma estrutura modular tridimensional em aço soldado: em efeito, um elemento bastante low-tech, feito através do processo de soldagem e sem o uso de parafusos, especialmente peças fundidas ou tirantes de aço inoxidável. Para mim, deve ser claro o modo como cada coisa é feita, de maneira que possa ser compreendida. E a boa técnica é sempre clara. Então – isso é porque eu gosto de pensar como uma “nuvem estrutural” – aplicamos a mecânica dos fluídos para identificar o tamanho das lacunas que há entre as placas individuais de vidro, de modo que as gotas de chuva não penetrem.
Atrás desta fachada interna se encontra a rampa, a qual eu prefiro chamar de rua sem fim. A rampa é um dos elementos urbanos que trouxemos para o interior do edifício – identificamos uma rua em declive na cidade como ladeira. Essa tem um papel fundamental. Também não é coincidência que muitos chamam instintivamente o vão de 14 por 14 metros, localizado no nível do chão, de praça. Logo a reconhecemos felizmente como sendo outro componente da cidade que contribui na construção deste edifício. A arquitetura é uma forma de conhecimento do repertório da cidade.
Dito isso, a cidade não é um projeto do arquiteto, mas do Homem: o saber construir faz com que seja possível habitar o planeta.
Mas, voltando a falar do vão de 14 por 14 metros. Ocupamos o subsolo com o auditório do teatro. Então, com uma série de mezaninos subimos em direção ao céu até alcançar o nível da piscina – a princípio, pensávamos que ela não poderia ser construída. Tudo isso está apoiado em quatro pilares que sobem do subsolo até o último pavimento, sem interferir na estrutura existente. É verdade que no Brasil não existem terremotos, mas os contraventamentos do ponto de vista estrutural são utilizados do mesmo modo que é no resto do mundo. Ao invés de disfarçá-los ou escondê-los, nós os usamos para construir a arquitetura da piscina e da biblioteca, reiterando que exibir o êxito da técnica é a atitude principal do arquiteto.
Então, se alguém observou que este edifício tem acabamentos simplificados desprovidos de detalhes sofisticados, e sustenta que se trata de uma abordagem ainda brutalista, eu responderia que, em geral, as classificações ou teorias críticas não me preocupam muito. Trabalho com isso que estamos vendo e tocando, e é isso o que eu respondo e sobre isso que eu posso ser julgado. É verdade que as particularidades desse edifício não têm nada a ver com o trabalho de Carlo Scarpa. Entretanto, os acabamentos e os detalhes não estão entre as minhas preocupações. Basicamente, penso que o acabamento da arquitetura da cidade são as pessoas que a completam.
Com relação a isso, adicionamos o [duplo] contraponto entre interior e exterior. Em um caso, através da pele transparente de vidro que envolve completamente os dois lados da “rua”. No outro caso, por meio da fenda horizontal que – como uma fileira sem vidros – interrompe a fachada plana na altura de um pavimento. A continuidade da parede de vidro é interrompida novamente na altura do Jardim da Piscina, onde o volume é desarticulado, identificando a piscina sobrejacente que ocupa agora o antigo espaço vazio. Essencialmente, o tema principal deste edifício é estar dentro da cidade, permitindo a ele exibir a presença e as virtudes da cidade.
É um interior e ao mesmo tempo uma máquina para descobrir o mundo com o olhar, criando diálogos com a paisagem urbana mais próxima e/ou distante. Além disso, a horizontalidade do espaço comprimido do Jardim é um dispositivo que induz olhar para fora, para a cidade. Este edifício é pensado de dentro para fora. O que é estranho à prática autoral de alguns arquitetos que consiste no fazer uma determinada forma que seja reconhecível como sua assinatura.
Oferecer a experiência da arquitetura na cidade com tudo o que a convivência humana contém significa opor-se ao terror difuso na metrópole, a verdadeira semente do fascismo. Depois da série de atentados que todos nós conhecemos, o mesmo sentimento de medo une diferentes partes do mundo.
A segurança que as pessoas costumavam pensar como sendo uma característica do Ocidente parece não existir mais. Raciocinando dessa maneira, o senso comum global, que construiu a narrativa a respeito da violência urbana no Brasil – o equivalente a morte por bala perdida –, passou a considerar a partir de agora que o mesmo pode ocorrer por todo o Ocidente, enquanto andamos em qualquer cidade. Nesta situação a arquitetura pode ajudar identificando as virtudes da vivência urbana através da construção de estruturas de cultura e convívio, contrastando com o terror induzido que nos faz acreditar na necessidade de um chefe, líder ou ditador.
Afinal de contas, para a arquitetura não existe espaço privado. O espaço é e sempre será apenas público, mesmo que o seu uso varie ao longo do tempo. Esta é uma das razões que guiou o projeto do mobiliário do Sesc 24 de Maio. O sócio do Sesc pertence à classe média e este mobiliário é projetado sem exibicionismo. É resistente, nem muito pesado, nem muito leve, colorido e combinável de acordo com algumas opções. Inspirado em uma peça do canteiro de obras – o tripé que suporta as estruturas temporárias e a fiação –, os pés das mesas são feitos de aço e os topos de laminado.
Existem poucas peças especiais – uma delas é a mesa cantilevered para a cafeteria do Jardim. As pernas das cadeiras são similares às pernas das mesas, enquanto os acentos das cadeiras são feitos com uma chapa de metal dobrada e colorida que resolve o projeto através de uma junta estrutural.
Penso que o arquiteto deve saber construir assim como um romancista deve saber escrever.