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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Nessa entrevista, Marcelo Suzuki, que, junto a Lina Bo Bardi, colaborou com o Teatro Oficina na década de 1980, relata sua experiência com a Companhia e sua visão sobre o bairro do Bexiga.

english
In this interview, Marcelo Suzuki, who in partnership with Lina Bo Bardi, had collaborated with the Oficina Theater in the 1980s, reports his experience with the Company and his vision of the Bexiga neighborhood.

español
En esta entrevista, Marcelo Suzuki, que junto a Lina Bo Bardi colaboró con el Teatro Oficina en la década de 1980, relata su experiencia con la Compañía y su visión del barrio Bexiga.

how to quote

PIRES, Felipe Ribeiro; LUZ, Vera Santana. Oficina: do teatro à cidade (parte 1). Entrevista com Marcelo Suzuki. Entrevista, São Paulo, ano 24, n. 094.01, Vitruvius, maio 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/24.094/8789>.


Rua Jaceguai com rua Lina Bo Bardi. Placa na entrada do teatro-rua
Foto Felipe Ribeiro Pires, mar. 2023

Marcelo Suzuki: Deixa eu começar, Felipe. Eu li as perguntas e reli hoje. Quando eu li a primeira vez eu falei: puxa vida, acho que ele vai ficar decepcionado, porque a minha participação com o Teatro Oficina é uma coisa meio azarada, nunca deu certo… Vou te explicar o porquê, mas faz parte da história, tá? Então eu topei, relendo, eu falei: é legal, pelo menos eu explico para o Felipe em que parte e qual a minha visão dessa história toda. Vamos lá, já está marcado mesmo, com essa dificuldade toda e com esse tempo todo para autorizarem uma entrevista comigo, então vamos lá…Voce? comanda, porque eu reli as perguntas, está tudo na cabeça. Achei que você conseguiu um material super legal, algumas imagens eu até nunca mais tinha visto, uma maqueta antiquíssima, que eu tinha feito e um desenho meu. Aquele desenho, você pode ver que é um azul meio celeste, é um desenho com caneta tinteiro. Teve uma época em que eu estava com mania de desenhar com caneta tinteiro. Aquela caneta. A clássica caneta tinteiro.

Vera Luz: Suja toda a mão depois.

MS: A mão fica suja onde pega a caneta.

VL: Eu tinha uma caneta que era do meu pai, uma Parker. Depois eu perdi e comprei uma na Ravil.

MS: No Martinelli.

VL: No centrão.

VL: A gente tinha essa mania, todo mundo tinha uma caneta tinteiro no bolso. Os predestinados… Mas acho que daqui a pouco a gente fica mais velho, a gente vai começar tudo de novo, não é Marcelo?

MS: Eu tenho ainda.

VL: Eu tenho guardada.

MS: E minha coleção é grande até, e gosto muito ainda. E sempre, eu não conseguia passar em frente a Ravil e não entrar. Invariavelmente eu não resistia e comprava mais uma. Então eu tenho bastante mesmo. Mas enfim. Então eu até fiquei feliz de ver o desenho, apesar de ele estar em um contexto, assim que eu vou explicando ao longo da conversa.

Felipe Pires: Aquelas imagens eu consegui no…

MS: Tem o nome da pessoa que pesquisou. Eu não conheço…

FP: É cenógrafa do Oficina, foi por um tempo, agora eu estou acompanhando ela, acho que ela está trabalhando até no Rio.

MS: Ah tá… Então ele era do Oficina. Sabe porquê? Todo material que eu tinha, tudo… Inclusive um croqui bonito da Lina, eu entreguei. Faz parte dessa história que a gente vai conversar hoje aqui.

[…]

FP: Bom, então, pra dar uma introduzida no estudo mais amplo, a proposta do Projeto de Iniciação é estudar a luta pelo território do Oficina nos últimos quarenta anos. É claro, a gente faz uma revisão da trajetória do Oficina como um todo, mas o enfoque é mesmo nos últimos quarenta anos, quando surge o primeiro embate com o Grupo Silvio Santos, pela compra do terreno, então a gente analisa essas estratégias de resistência do Oficina e tudo mais, e dentro disso qual que é a participação dos arquitetos nesses últimos quarenta anos, quais projetos foram propostos pensando no entorno urbano do Teatro e a utilização dos próprios terrenos circundantes ali. Então, acho que se estiver tudo bem eu posso começar com a primeira pergunta.

MS: Então pode ir lá, pode mandar bala.

FP: É… A primeira pergunta que a gente coloca aqui é: os estudos realizados por Lina Bo Bardi e você foram os primeiros que pensaram na reestruturação da sede do teatro, desde o projeto do Flavio Império e do Lefèbvre e também coincidiu com o retorno da Companhia do exílio. Se não me engano, muitos membros estavam desde 1975 exilados, não é? Então, nesse sentido, essas propostas foram inaugurais na busca do espaço cênico, arquitetônico, do Oficina.

MS: Eles retomaram em 1975. Eles estavam exilados desde o final de 1969.

FP: Certo. Então, de que forma você acredita que essas primeiras propostas tiveram relação de continuidade com os projetos elaborados posteriormente?

MS: Bom, vamos lá. Eu tinha começado a trabalhar com a Lina… Eu era até mais conhecido por aí como Suzuki, porque eu trabalhava junto com o Marcelo Ferraz e na dupla o Marcelo era ele. Nessa época ainda estava o André, e a gente estava no Sesc, quando o Zé Celso procurou a Lina pra fazer um projeto. Sempre ela falava: “Não, não… Lá a arquibancada é do Flávio Império, não quero mexer nisso, então…” E o Zé não. Ele também era uma pessoa de ideias muito firmes, então… quando decidia, queria mesmo. Daí, fomos convidados para um almoço, lá no Oficina, no porão do Oficina, ainda tinha o porão da casa antiga. Logo depois do teatro mesmo, que era o teatro que o Flavio Império tinha feito. A Lina queria fazer um negócio muito simples, bem simples, falava isso várias vezes. E nesse almoço, por conta do aumento do trabalho do Sesc, em que eu estava mais participando da parte cultural já, montagem de exposições, e essas coisas. O Ferraz e o André que trabalhavam na obra mesmo, nessa época. Então a Lina me designou para trabalhar lá com o Zé. Eu fiquei vendo o que ele pensava, e a Lina ficou de fora, dando respaldo, só. Deu uma doideira na turma lá e eles começaram a demolir tudo. Começaram eles mesmos a demolir a arquibancada do Flávio Império, eles, a trupe de teatro. Eu tinha, mas eu devolvi, quando eu entreguei a pasta de volta eu falei : “Ze?, fica com tudo, você usa como você queira”, que eu nunca neguei nada pra eles… Tinha até uma foto de uma pessoa do grupo, fantasiada de operário, segurando uma marreta. Só que ó, Verinha… Ele estava segurando a marreta no meio. Operário de obra nem pensar… Você segura a marreta na ponta. É claro que sua alavanca aumenta quinhentas vezes. Você não vai ser aquele principiante que fica dando marteladinha. Então a foto dizia tudo. Eles começaram a demolir alucinadamente e eu dizia pra parar, porque a gente precisava ter o projeto primeiro… E o projeto a Lina precisava ver e a gente precisava de um engenheiro, né. E falei isso várias vezes e fui falando pra Lina: “Lina, ó, o negócio não está fácil”. E, ao mesmo tempo, tinha a história de ocupar o terreno de trás. Na época, era hilário. Eu olhava lá de cima o terreno por um buraco que eles abriram e via lá no pátio lá embaixo um mar de kombi escrito “Bau? da Felicidade”. Eu tinha foto, só que também foi junto na pasta. Era um mundaréu de Kombi.

Vista do terreno vizinho ao teatro a partir da arquibanca
Foto Felipe Ribeiro Pires, mar. 2023

Bom, daí tinha essa história de invadir. E eu fiz como se saísse do teatro e derramasse numa praça, numa enorme arquibancada, tá? Essa era a minha ideia, porque já existe o desnível, tanto do Oficina, quando você sai, quanto vindo da Jaceguai, vindo pra Japurá, tem esse desnível, inclusive já tinha um arrimo, está lá até hoje. Já tinha as rampas pra kombis circularem de um lado pro outro, daí quando virou estacionamento pra alugar, que o Silvio Santos acabou com as Kombis, e daí põe estacionamento pra alugar e ir pagando IPTU, pra ir mantendo terreno especulativo lá… Então mais ou menos esse arrimo sumiu. Mas ele estava lá e tinha essa possibilidade de fazer essa arquibancada. Mas tinha essa história de demolir e começaram a cavar. Comecei a falar: “Para, isso vai solapar a fundação de casa antiga”.

Aí, simultaneamente a isso, o Silvio Santos começou a comprar o quarteirão inteiro, e sobrou a vizinha imediata, que era uma senhorinha, que tinha uma casa super bonita, cujo porão estava intacto ainda. Eu digo intacto a parte da frente, porque na obra do Flávio ele já tinha meio mexido nisso. Mas na casa vizinha estava intacta isso. Muito bonita a casa, antiga. Uma casa eclética, um eclético pobre, era o típico caso de empreendimentos italianos no Brasil, desses artesãos práticos, que construíram casas, como eu falei de um eclético pobre, você já deve ter visto. É um arremedo empobrecido do que foi o eclético. Bom, a mãe do Zé Celso emprestou um dinheiro pro Zé Celso, claro que mãe empresta, pra ele comprar o lote do Oficina e da senhorinha. O vizinho de cima é um prédio que existe residencial e inclusive é uma briga, porque quando o pessoal faz festa lá dentro do Oficina, eles jogam coisa de lá. Enfim, essa encrenca toda, mas graças à mãe do Zé Celso ele conseguiu adquirir dois lotes e brecar o quarteirão, junto com o vizinho de cima, que é esse prédio residencial. Daí é o seguinte, o prédio de cima já é um prédio do Grupo Silvio Santos, é um prédio que tem “SS” na fachada.

Bom, tudo isso acontecendo: compra de lote, “vamos invadir o terreno do Baú da Felicidade”, um aue? mesmo, quando o Zé Celso pede no Condephaat o tombamento do Oficina, na época do João Carlos Martins. Então fui eu que montei o processo, e o João Carlos Martins topou. Na época, quem estava como arquiteto coordenador nessa área no Condephaat era o Murilo Marques.

VL: Professor da FAU, que trabalha com a história…

MS: Isso! Ele foi responsável pela restauração do Martinelli, daquela primeira vez.

VL: Martinelli onde tem a Ravil da caneta inteiro.

MS: Isso… voltamos pra lá. Claro, o Murilo sabia… O prédio e a antiga, já demolida, arquibancada do Flávio Império não vale nada. Então, sei lá. E eu falei pro Murilo: “A gente não está tombando exatamente isso… A gente está tombando uma história já muito mais sentimental da existência do Grupo Oficina, da resistência do Grupo Oficina, do que bem imóvel”. Enfim foi tombado. Muita gente torceu o nariz, mas foi o primeiro tombamento desse tipo, e agora existe até no Iphan. Então foi super legal que tenha acontecido, que tenha aberto essa possibilidade.

Bom, mas daí eles continuavam, e como eram não operários, não tinham máquinas e eram lentos, deu tempo e eu continuava alertando a Lina, até que um dia eu achei que estava temerário demais e disse: “Lina, eu não aguento. Você vai ter que ir lá”. O Zé Celso escreveu um texto para aquele livrinho que o Ferraz publicou pelo instituto. Eu nunca fui do instituto tá? Um livrinho sobre o Teatro Oficina que você deve conhecer.

VL: Aquele da Blau, né? Deixa eu só te perguntar uma coisinha, Marcelo, sem querer cortar seu raciocínio. Não foi o Ab’Saber, ainda era realmente o Martins quando saiu o processo lá no Condephaat?

MS: Ainda era o João Carlos…

VL: Porque os tais dos Bens Imateriais, que virou depois, acabou virando o tombamento de Bens Imateriais, muito pra frente…

MS: Começou e terminou ainda na gestão João Carlos. Bom… O Zé Celso escreve que eu tive medo de perder o Crea e a Lina não. Tá escrito no texto, procura lá de novo que você vai ver. No fim das contas pegamos um motorista da Lina, o Aldo, fomos lá eu e a Lina no carro até o Oficina, porque eu falei: “Lina, está perigoso demais…” Chegando lá ela olhou, olhou pra mim e disse: “Fica fora disso, deixa comigo”. Olhou pra turma e disse inclusive encarando o Zé Celso: “Me chamem Roberto Rochelitz”.

Bom, Roberto Rochelitz é o cara que trabalhou com ela durante a obra do Masp inteira e é um grande amigo nosso, um cara super legal, um bruta engenheiro, está aposentado, mas um bruta engenheiro, aqueles engenheiros que dá um bruta prazer de conversar, sabe? Sobre estrutura, sobre como as coisas são…

VL: Ele trabalhava na equipe da Figueiredo Ferraz?

MS: Não, ele não era, ele era contratado pelo Masp. Depois que terminou a obra o Ferraz o contratou. Ele ficou na administração da Figueiredo Ferraz por muito tempo. Ele entrou em rota de colisão com o Castanho até por questões administrativas. Mas ele foi pra Figueiredo Ferraz depois. Ele era um autônomo prestador de serviço pro Masp. Ele que assistiu tudo, viu tudo da obra.

E aí eu fiquei fora, fiquei quieto na minha. Já tinha deixado toda pasta lá, a maquete tudo, então eu falei: “Tô fora, tá?”. Quando foi pra publicar o livro, o Ferraz queria que eu discutisse com o Zé Celso essa história de tirar o nome. Mas eu falei: “Não, ele falou a verdade”. Quem falou pra eu ficar fora não foi ele, foi a Lina. A Lina que tinha me mandado ir e a Lina que tinha me mandado ficar fora. Então eu simplesmente entreguei a pasta com os desenhos, inclusive uma planta de prefeitura, de uma parte legalizável, que era dentro do lote, que aí sim o Zé Celso tinha comprado sem a invasão. A invasão não ia ser legalizada nunca. Então tem uma planta de aprovação da prefeitura com a assinatura da Lina. Existe essa planta. Mas eu não estava mais sabendo como me comportar, pô. Diante da turma que eu não conseguia segurar, comandar, vamos dizer assim. O Roberto entrou na história e disse breca tudo. “Para, não mexe um ‘a’, vamos escorar”. E aí precisava contratar uma empresa, e aí eu não lembro quem arrumou um dinheiro pra fazer um serviço preliminar e pelo menos transformar aquilo em um canteiro de obra e escorar. Porque as as paredes ficaram soltas, “bobas”, e a fundação quase solapando por baixo também. Porque eles estavam descendo.

A Lina, aí sim que ela fez o estudo. Então o que está do lado do meu, aquele desenho da Lina é logo depois que eu sai, que ela faz uma espécie de tenda. Que já que estava aquele buracão ela não queria que tivesse cobertura nova, nem nada. Ela queria que fosse um circo. Uma tenda, muito simples, que pudesse ser aberta, porque o Zé Celso fazia questão que abrisse, como artificio cenográfico, ou ao contrário, “desartifício”, já que chove mesmo e fica sol mesmo, então não é uma questão de efeito cenográfico, é uma questão de realidade. Era esse toldo. Foi o que a Lina produziu também quando entrou o Edson Elito na história. Quem teve paciência de fazer o projeto executivo foi o Edson. E ele teve ainda que ficar numa corda bamba entre o que o Zé Celso queria, o que era exequível e razoavelmente dentro da proposta da Lina. Que era ter uma arquibancada que parecesse andaime, que era ser tudo parecendo improvisado dentro de uma ruína, que era ter terra batida, um terreiro, tudo isso… E aí o Edson tem esse mérito, ele foi até o fim na história. Coisa que eu não pude, que eu não aguentei… Eu não conseguia mais segurar os caras, entende?

Bom, então por isso que eu pensei em te falar: “Não é isso que você está esperando”. Mas foi o que aconteceu.

Depois disso, continuou a história de ir pra cima do Silvio Santos. A Lina tentou sim um pacto com o Silvio Santos, na época dela ainda, e logo no começo dessa história toda. Tem uma entrevista dela, que está reproduzida no catálogo dela, que a gente produziu lá no instituto, naquele primeiro, que se chama “Da Bela da Liberdade”. No meio do trecho ela elogia o Silvio Santos inesperadamente. Ninguém entendeu nada. Ela estava politicamente tentando ser malandra e se aproximar do Silvio Santos por causa do Oficina. Ninguém entendeu e continuem sem entender, mas a manobra que ela tentou foi essa. O Silvio Santos mandou um bouquet enormíssimo lá pra casa dela e tal, porque ela tinha elogiado. E a proposta dela foi: chamou o Zé Celso pra almoçar lá na casa e falou: “Bom, vamos ficar em paz com o Silvio Santos e vamos negociar. Ele deixa o Teatro em paz e faz o que quiser naquele terreno. Nós não vamos construir nada naquele terreno, que tem coisa que interessa muito mais. Você deixa ele em paz em troca de ter um espaço dentro da televisão dele. Aí Sim! Olha só o Glauber”. O Glauber no finalzinho da vida tinha conseguido um programa na TV Tupi. E ela falou: “Meu, você tá maluco! TV tem uma penetração nacional, faça seu teatro pra nação te assistir. Você está desrespeitando esse veículo”. E ele intransigente bateu na mesa e “Não, com esse homem eu não negocio”. E ficou nisso. Ele foi embora desse almoço dizendo que não tinha negócio com o Silvio Santos.

Bom, então a Lina desistiu desse caminho.

VL: Quantos anos você tinha nessa época? Isso é importante.

MS: Eu tinha 26, 27…

VL: Felipe, quantos anos você tem hoje.

FP: 21.

VL: Está vendo como funciona a história? Vai lá, Marcelo, continua a história.

MS: De certa maneira a Vera tem razão em dizer. Eu era um moleque que caiu nessa história.

FP: Marcelo, deixa eu aproveitar que a Vera comentou essa questão da idade. Nessa época você já era formado, trabalhando como arquiteto, ou você era estagiário da Lina?

MS: Eu era recém-formado. Bom, tudo isso aconteceu e voltando então ao período que é bem posterior a essa entrevista da Lina, que foi lá no comecinho, e o almoço que o Zé Celso se manteve intransigente com o Silvio Santos e, claro, a Lina continuou apoiando o Zé. Então em seguida fez o croqui dela, os croquis, que tem uma espécie de carro de combate entrando na rua, no teatro rua, o esquema do andaime está no desenho e o toldo… o Edson Elito entrou, teve essa paciência toda e conseguiu executar. Claro que para o grupo Oficina e para o Zé continua interessante divulgar por aí que o projeto é da Lina. Ele não sairia por aí propagando aos quatro ventos, em defesa do Oficina que o projeto era meu ou do Edson, que somos contemporâneos quase. Bom, depois teve uma hora que o Silvio Santos resolveu negociar com o Zé. E queria fazer o seguinte, por conta de uma filha que é dramaturga, ou algo assim. Ele queria fazer um shopping e no shopping colocar um grande teatro pra filha cuidar, e isso incorporaria o Teatro Oficina… Então ele foi encontrar o Zé, foi visitar o Teatro… Não deve ter entendido nada. “O que é isso aqui? Que terreiro é esse?”. Bom, mas foi e pousou de bacana querendo fazer o negócio. E curiosamente foi contratado o Brasil Arquitetura pra fazer isso. Eu já não estava mais lá, já não tinha mais nada a ver. Então um shopping center com um teatro, e que esse teatro tivesse alguma composição com o Oficina. Então eles me chamaram, meus antigos sócios. E daí eles me falaram: “Voce? cuida do teatro que você já conhece as trombadas com o Zé Celso”. O Ferraz: “Ele não vai muito com a minha cara, vive falando mal de mim na imprensa.” Mas eu falei: “Ele fala mal de mim junto com você. Toda vez que ele te cita ele me cita junto. Ele fala até “Os Marcelos”. E ele falou: “É, mas você já sabe como se virar com ele”. Então eu fui fazer o teatro. Eu falei: “A única coisa que eu faço questão e?… Esses teatros que existem no shopping existem só porque, por uma lei municipal, shopping que tiver ou teatro ou cinema, tornam essa área não computável. Então todo shopping quer fazer mesmo que não sirva pra nada. É mais um trambique. É mais um trambique do Grupo Silvio Santos. Mas eu vou fazer. A única coisa que eu quero é assim: Ao invés de você entrar no shopping, andar o shopping inteiro pra no último lugar que você chegar ter o teatro, o teatro precisa ser visto. E ele tem de ser justaposto ao Oficina. É a única condição que nós temos que impôr ao Silvio Santos. O Teatro não é dentro, não é no último andar do Shopping”. E claro, o Brasil Arquitetura topou e disse vamos assim. Então fizemos um esquema, essa área do teatro fica aqui, a inter-relação possível é unir isso aqui com aquilo lá, depois demole uma parede, a gente fala pro Edson Elito, um dia abre tudo de um lado e faz uma festa aqui e tal. E daí eu fiz o Teatro e chegou o dia de mostrar o teatro pro Zé. Daí chama o Zé Celso. Aí chegou o Zé Celso e a trupe, e eu fui apresentar e falei: “Ó Zé, é baseado na sua ideia de Teatro de Estádio”. E o estádio mais legal que se tem aqui em São Paulo é o Pacaembu. O Pacaembu é o estádio mais legal pra se ver futebol. Você escuta o juiz apitar, você escuta um jogador xingando o outro, você escuta bater na bola. Isso aqui então é uma lembrança do Pacaembu. Além disso, isso aqui é o seguinte: Sabe o que dá pra acontecer? A plateia é no palco e o palco vira a plateia. Tinha uma plateia desenhada, mas a plateia poderia ser no palco. E invertia: punha um monte de banco, cadeira almofada no palco e o povo ficava lá e o evento acontecia invertido. O Zé Celso olhou, olhou, olhou e disse: “Não gostei, achei fraco”. Eu falei: “Pô, Zé, olha que está bem…” Inclusive abria o teto, essas coisas todas… Não gostou. Então eu falei: “Olha Zé, então eu não sei, não sei o que fazer…”. Aí, no dia seguinte ele vai na imprensa e diz que quem ia fazer era o Oscar Niemeyer. Eu fiquei meio puto da vida, claro… Mas tudo bem, eu falei: “Se o Niemeyer fizer, eu sei como é. Nessa altura da vida, nessa idade ele vai fazer o seguinte; um croqui rapidinho, que ele sabe fazer magnificamente bem e entrega. Aí todo mundo faz o projeto que quer e fala que é dele, assim como se continua a falar que a obra é da Lina”. A obra é do Edson, principalmente do Edson. É baseado no croqui da Lina… Essa história de "é baseado no croqui de algue?m”, o Brasil já tem uma tradição enorme porque o Ministério de Educação e Saúde começou assim e virou briga tambe?m… Então…

Aí ele anunciou que ia ser o Niemeyer. Eu sei que ele tinha encontrado com o… Eu esqueci o nome do jornalista e escritor. Bom, depois eu lembro. É coisa da idade também, viu Felipe? Nome e data andam sumindo da minha cabeça. Ele encontrou com esse jornalista e escritor importante e…

O touro e a saída. Mascára colocada na saída da parte posterior do edifício
Foto Felipe Ribeiro Pires, mar. 2023

MS: Ele tem um livro que chama Corpo de baile. Tem um que chama Tijolo de segurança, um que chama Pessach: a travessia, que foi inclusive o livro pelo qual ele foi preso.

VL: Ah, imagina! É o Carlos Heitor Cony.

MS: Isso, exatamente.

MS: O Cony encontrou o Zé Celso e o Zé Celso pediu para o Cony interceder para o Niemeyer fazer o projeto. Nem precisava, se o Zé Celso mesmo fosse lá no escritório do Niemeyer e pedisse o Niemeyer ia fazer um croqui instantâneo. E craque como ele era o croqui ia ser bom. Mas só o croqui. Quem ia cuidar dessa obra depois sabe-se lá. Como isso não foi feito, acabou não rolando…

VL: Quem ia cuidar era o Carlos Lemos, cuidou de todas as obras do Niemeyer aqui em São Paulo. Lembra?

MS: Lembro. Inclui o Copan, né? Mas ele pediu pro irmão dele, que é arquiteto, o irmão do Zé Celso, que foi um projeto que foi divulgado, que aí saiu na imprensa. Até muita gente me perguntava: “O que você vai fazer, pô? O cara fez um projeto que parece uma tampa de proteção de prato dentro do micro-ondas.” E eu falava: “Que seja, se o Zé Celso e o grupo preferiu esse”. Só que tudo em cima do terreno do Silvio Santos e sem shopping nenhum, que o Silvio Santos não vai negociar. E é um imóvel especulativo, imóvel especulativo na cidade tem que ser penalizado, por exemplo IPTU progressivo sim! Os vereadores nunca tem coragem de de mexer com isso, se não na eleição seguinte não se reelegem. Quase cidade nenhuma implantou isso que é a coisa mais óbvia pra cidade custar menos em infraestrutura desperdiçada e tá lá… Invadir também a lesgislação não permite, então virou esse impasse. Mais uma tentativa: o Teatro Oficina já estava razoavelmente protegido pelo Condephaat, já tinha conseguido nas instâncias municipais de São Paulo e estava batalhando o Iphan. Um dia eu estava assim, do nada toca o meu telefone, celular, que ele tinha, e era o Zé Celso. Dentro de uma UTI, que ele ia sofrer uma cirurgia cardíaca, porque tinha passado mal e ia colocar stent. E ele com a voz meio sussurrando: “Aqui é o Zé Celso”. “Mas Zé, porque você tá falando assim?”. “Não, porque eu to mal do coração e tal”. “Voce? quer que eu vá aí?” “Não, eu to dentro de uma UTI”. “Ze?, você é louco?” Ele falou: “Eu preciso que você escreva um texto já! E manda pro endereço tal que é pra ajudar a defender o Oficina a tramitar o processo no Iphan”. Aí eu falei: “Ze?, você é um grandissíssimo filho da puta. Você vive escrevendo mal de mim, sem eu ser sócio do Marcelo Ferraz, sem eu andar com o Marcelo Ferraz, mais. E sempre que acontece uma encrenca sua com o Marcelo Ferraz você me põe junto. Eu te mostro o projeto e você despreza. E agora que você está aí na UTI você me pede um negócio pra já! Mas tem o seguinte, eu vou fazer”. Daí escrevi o texto e mandei. Depois que ele saiu da UTI etc. ele me ligou, calmo já, numa boa: “Preciso te agradecer, desculpa a correria, a gente estava afobado por causa da aprovação no Iphan, mas foi o texto mais bonito de todos”. E eu falei: “Ah, obrigado, Ze?”. E eu não tenho esse texto mais. Eu mandei pra ele depois eu não sei onde eu salvei. Minhas coisas aqui que eu sou baguncento mesmo. Mas era um texto que falava do bairro do Bexiga. Era um texto que começava mais ou menos assim, eu lembro do teor que eu dei pro texto, que o Bexiga era o bairro da área central de São Paulo mais machucado e com mais cicatrizes por culpa de intervenções urbanísticas, basicamente vinculadas a expansão de eficiências automotivas e um monte de viadutos que cortaram um bairro que um dia se chamou Bela Vista. Então lá no Bexiga tem escola de samba. É a única escola de samba na área central de São Paulo e eles ensaiam na rua, é lindo. Você vai e ao invés de escutar a bateria batendo dentro de um galpão de escola de samba, você escuta na rua. É lindo! Mas é triste. Eles só fazem isso, porque é a única escola de samba que não tem quadra. As crianças no Bexiga brincam na rua. E é lindo ver criança brincando na rua, me lembro da minha infância em Barretos, Verinha. Só que é triste. Essas crianças brincam na rua do único bairro em São Paulo em que elas não tem pra onde ir.

VL: Eu lembro de você andando de bicicleta no corredorzinho da sua casa lá em Barretos…

MS: E pra arrematar: lá nesse Bexiga está o Teatro Oficina, que é lindo, mas é triste… E vai. E é um texto assim, que eu mandei lá. E é isso, pessoal, então eu tentei, se precisasse ajudar de novo, eu ajudaria sim. Acho que se tem uma causa a se defender, essa é uma delas, também. Temos muitas no Brasil. Ajudaria de novo, tá? Essa minha relação com o Oficina pode ser entre tapas e beijos, mas ela existe.

VL: Mas o Marcelo, eu acho tão bonito o que você tá falando, porque você resume uma coisa que é o amor a cidade, você acreditar na cidade como um lugar, esse texto que você contou para a gente de memória é isso: o que é cidade pra você. E aí, eu acho que a luta lá dos dois, são duas visões antíteses. Porque um está achando que o Teatro é a vida, até o ponto de desafiar a física e arrebentar o negócio que a parede vai ficar balangando. É mais importante o ato. Não tem a física. Pra nós tem, se não você perde o Crea. O outro acha que a cidade é valor da terra, renda da terra. Por isso que o teatro tem que ficar no décimo andar, por que eu ainda vou comprar dezessete sapatos e ainda tomar um sorvete e passar no restaurante, antes de chegar no teatro. Não tem como articular esses dois mundos. E você está em um mundo. Eu acho que o seu mundo em relação ao do Zé Celso também tem alterações, porque a gente tem uma responsabilidade de arquitetura, que é sólida, não é? Tem uma certa efemeridade, uma certa permanência, mas a gente sabe que a gente lida com forças maiores que a gente. A força da gravidade é o seguinte. Aí chama o engenheiro lá. E é muito lindo. O interessante é que é tudo por uma espécie de amor.. O amor do Silvio Santos é perverso. Ele quer extrair valor da mãe dele. A gente considera a cidade a nossa mãe e o Zé Celso também. É tudo muito louco, mas é muito mais lindo porque você resume aí as inquietações que o Felipe tem desde o começo. Você fala que não tem nada pra falar, mas é o contrário, porque é esse o assunto do Felipe. E às vezes oculto, porque está nas entranhas das relações até de uma certa intimidade. Então é muito bonito ouvir… E é triste. É bonito e é triste. Mas é demais.

MS: É isso.

FP: O que a Vera falou sobre estar em uma certa intimidade é muito bom porque durante a pesquisa, lendo coisas tanto relacionadas a arquitetura quanto a teatro, muito do que se coloca que essa arte do Oficina é uma arte que parte da vida, não tem uma grande distinção: “Isso é uma encenação e isso é vida”. A gente entrevistou o Edson semana passada e ele contou quando o Zé Celso fez o Maluf ler um texto e faz um teatro ali da cena, porque o teatro é a vida. E quando você me conta essa grande história dessa colaboração, eu vejo que tem muito isso, eles são pessoas, que a vida dessas pessoas, a vida da cidade, estão muito embrenhadas com a arte. Não tem uma grande distinção. É bonito, é bonita essa relação. E é muito bom ouvir você contando essas coisas que as vezes a gente não tem acesso.

MS: O legal que a Verinha me perguntou a idade na época, porque foi uma história bem longa. Então passa desse período moleque, que eu não soube segurá-los, ou segurar o muque deles para demolir, até bem mais velho. E conversar desse jeito, até com o Zé Celso dentro de uma UTI. Então é uma história longa.

VL: Não acabou ainda. Então você vê a força, quando você segura a marreta no meio da haste a força estava em outro lugar… Porque você não segurou o cara que estava com a marreta no meio da haste, porque você estava preocupado com que a parede não caísse. Mas é uma outra força, é uma força de uma época, não é, Suzuki?. Porque eu entendo o Zé Celso falar, eu não quero, não gosto, tanto no almoço com a Lina, como no teatro. Ele não ia gostar de qualquer desenho que você fizesse, porque era inconciliável. Nessa época, inclusive, que as coisas eram mais claras. Hoje é todo mundo mais ou menos. Mais ou menos yuppie, mais ou menos cult, mais ou menos hippie… Antigamente era outra coisa.

MS: Tem até a mistura de Yuppie e Hippie, que é o Hippister.

VL: Tem! Hoje em dia é tudo mercadoria, naquela época esses valores eram espirituais e carnais. Não tem conversa. O mundo do Silvio Santos não vai conversar com o do Zé Celso. E era isso que interessava, nós vamos brigar com esse cara pelo resto da vida porque é isso que eu quero fazer. Não tem conciliação, porque o projeto é não conciliação. E a gente perdeu uma certa radicalidade que eu acho linda.

MS: E inclusive a radicalidade do Zé, eu considero importantíssima, porque se não fosse ele, muita coisa não teria acontecido. É uma pessoa importantíssima.

VL: Ele marca o século.

MS: Não tenho a menor dúvida. Então se me perguntarem: “você brigou com ele?” Eu falo que briguei nessa medida, em que estamos trabalhando, queremos fazer o Oficina. Não é que eu briguei com ele, com a pessoa dele, não interessa. Não tem a menor importância.

VL: Você e ele estão na mesma briga.

MS: Aliás, um desses dias eu falei disso. A Lina, depois de dar uma dura na gente, dura bem dura viu, Felipe? De tapão na cara. Acabava ela dizia: “Olha, presta atenção. Eu só brigo com quem eu gosto. Quem eu não gosto, não me interessa”. Então briguei com o Zé Celso? Briguei, pô. Eu gosto dele. Não é que eu gosto, por gostar. Eu sei a importância dele.

VL: Nós estamos na mesma briga, você pode falar. Em termo de lado, luta de classe, como você quiser chamar, nós estamos do lado de cá. Não tem como estar do outro. Mas eu acho que o questionário do Felipe está desmontado, porque você está indo muito mais interessante do que as perguntinhas. Mas talvez tenha alguma perdida. Aí, Felipe, você é que vai dizer. Porque tem uma coisa do Bexiga como pedaço de cidade perdido no tempo, mas que sobrevive no tempo, que eu acho que a gente podia ouvir o Marcelo. Porque só essa canja que ele deu sobre a carta, eu já fiquei louca e eu acho que tem umas coisas aí que você pensou… Porque o negócio está lá no Bexiga, tem muita coisa. Não sei quanto você quer levar adiante, Felipe.

MS: Não, fica a vontade.

FP: Olha, eu acho que a sugestão… Enfim, é o que eu estava falando. O questionário era só pra dar uma forma, mas não precisa ser seguido. E realmente, a questão que você citou do texto, sobre o Bexiga, é uma questão que eu gostaria de entender mais. Qual o seu entendimento desse território, como que esse território único guia os projetos, como você via na época, como você vê hoje, eu gostaria de entender mais essa relação. Se você estiver disposto, tiver tempo, acho que a gente podia se estender mais nessa questão.

[…]

MS: Pode falar, Felipe! Manda bala.

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