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my city ISSN 1982-9922

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COSTI, Marilice. Imagem urbana: uma parte de nós. Minha Cidade, São Paulo, ano 03, n. 026.01, Vitruvius, set. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/03.026/2055>.


Vila operária Z.D. Costi, Passo Fundo RS
Foto Marilice Costi


Fachada Frigorífico Z.D. Costi & Cia. Ltda, Passo Fundo RS
Foto Marilice Costi

 

 

Quando chegamos a uma cidade, nossos olhos percebem cores, volumes, luzes e sombras, pessoas, trânsito, ruas. Quando moramos na cidade, os elementos que a compõe, tais como: edificações, praças, calçadas, monumentos passam a fazer parte de nós assim como nossa casa. Na esfera coletiva, este imaginário nos pertence, é um pedaço de nós.

Sempre  fazemos  relações com os espaços da cidade: Olha, meu filho, foi aqui que trabalhei, aqui moramos quando eras pequeno, aqui teus avós se hospedaram. Aqui eu comprei meu primeiro soutien. Ali, dei o primeiro beijo em sua mãe. Aqui eu vi o Governador discursar... Mas o lugar não existe mais. Esta relação afetiva com os lugares é que lhe dá importância. Por isto que eu amo tanto  Passo Fundo. Foi para onde lancei o meu primeiro olhar urbano num dia de muita neve. Local de minhas primeiras experiências, primeiros amigos, primeiro convívio com operários. Operários? perguntarão. Uma fábrica não é só uma fábrica. Ela é um lugar de afetividade porque pode ser nossa primeira escola e nosso primeiro contato com a vida social produtiva. Passei muitas horas de minha infância perto deles e, quando os encontro, sinto grande alegria. Só por vê-los.

Muitos são os lugares coletivos e todos temos algo a dizer sobre eles. Aqueles que, por qualquer motivo, nos remetem a uma relação de afeto. Por isto, a responsabilidade de um representante político é tão grande. Ela se vincula aos espaços que ele intervir. Dirão: veja esta rua, foi o Prefeito tal que mandou pavimentar. Antes era puro barro. E outro: vejam isto, bem que aquele vereador poderia ter agido diferente...

Certa vez, acompanhei um amigo que queria visitar o local onde seus pais haviam morado, ambos falecidos numa cidade do interior. Ao chegarmos lá, o terreno estava vazio, cheio de mato. Triste, ele caminhou pelo terreno buscando vestígios. Fiquei sensibilizada ao vê-lo fotografar apenas o poço que sobrara. Ansiosamente, tirou muitas fotos de vários ângulos. Era  só aquilo que lhe restara de suas raízes.

As tais fotos do poço eram muito importantes para ele, assim como são importantes as imagens que são criadas ou destruídas nas cidades. Kevin Lynch foi o arquiteto pioneiro no estudo das imagens urbanas e a arquitetura. Algumas cidades americanas não investem mais em áreas urbanas sem reconhecer o imaginário de seus moradores. Algumas capitais brasileiras já acreditam no genius loci. A alma do lugar, que conta acerca das nossas raízes, aquelas que fortaleceram vínculos com o espaço.

Saí jovem de Passo Fundo, mas o fato de possuir uma imagem afetiva com a cidade (não estou a falar dos amigos, que são muitos) manteve meus vínculos. Imagem que está nas praças, nas escolas, no centro de saúde, na avenida mais linda que conheço, na sua vida comunitária. Passo Fundo é rico em atividades comunitárias. Vejam os festivais, a Jornada de Literatura, o CREATI, os vários livros contando suas histórias. Mas a afetividade na cidade não ocorre só na área da escrita e das artes. A arquitetura é também uma forma de arte. As edificações são  parte do imaginário que revolve nossas lembranças mais profundas. Nela podemos perceber através de todos os nossos sentidos, que são muito mais que cinco, como afirma Jun Okamoto.

Com freqüência, dizemos: aquele edifício ficou lindo, ou, aquele ficou esquisito, não  gostei. Possuímos dentro de nós, um senso estético particular. Mas a beleza interior transcende o estético. Amamos a casa porque era a casa do amigo, do avô, dos pais.

O que alguém sente ao ver o prédio do Planaltina? Um prédio em escombros lançando uma imagem desoladora. Quem pode imaginar a Usina do Gasômetro em Porto Alegre abandonada aos ratos? Hoje, ela mantém uma área urbana com vida, investindo no convívio e na cultura porto-alegrense. Quem já visitou o DCNavegantes? Área fabril que investiu em novos usos e que deu certo. Recuperar a alma do lugar não é mantê-la degradada, em sofrimento. Oh, que pena, veja só o que ficou aquele prédio...Virou cortiço!

Este sofrimento urbano vem sendo estudado por arquitetos, antropólogos, psicólogos ambientalistas, geógrafos. Cada um com seu olhar profissional e competências diferentes. Mas todos com um objetivo igual: revitalizar, dar vida, reconhecer valores, promover questionamentos, achar saídas coletivas, buscar parcerias.

Os exemplos estão próximos: revitalização da área da Brahma que está ocorrendo aqui, vai acontecer também em Porto Alegre. Diferente de um Shopping Praia de Belas que criou barreira ao Bairro Menino Deus na capital. Um objeto estranho entre o rio e o bairro. Quem lembra da bela praça Itália a seu lado? Cuidadosamente projetada fica nas costas do shopping.

Passo Fundo precisa ter projetos para vazios urbanos. São áreas que devem promover crescimento ao lugar sem interferir no imaginário urbano de forma destrutiva.

Estes cuidados cabem aos arquitetos e incorporadores. Ao implantarmos um novo elemento na cidade, o entorno deve ser cuidadosamente pensado. A área urbana que não é aceita, pode dar prejuízo aos investidores, daí os cuidados que vêm sendo tomados com pesquisas prévias antes de revitalização de áreas.

O poder público que reconhece o imaginário urbano, faz parcerias e lança sobre os locais a expectativa dos moradores do lugar, acerta sempre. Cria vida nova. Quem não deseja ser criador e reconhecido?

Se andarmos pela cidade, veremos que grande parte de sua história arquitetônica se perdeu. Coisas destes tempos, nos quais a imagem mais importante é da mídia e dos outdoors. A maioria das cidades do interior do RS faz parte deste fenômeno urbano. Estamos, lentamente, criando a caverna de Platão, como conta José Saramago. Onde tudo dependerá do controle de alguém, onde nada se fará que nos toque o coração. O autor é pessimista. Mas se nada podemos fazer globalmente, façamos por nossa aldeia.

 notas

[o presente artigo foi publicado originalmente no Jornal O Nacional, de Passo Fundo]

bibliografia

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1970.

OKAMOTO, Jun. Percepção Ambiental e Comportamento. São Paulo: IPSIS, 1997.

SARAMAGO, José. A caverna. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

sobre o autor

Marilice Costi é mestre em Arquitetura.

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