In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.
OZORES, Felipe. Transformações portuárias e o futuro da cidade de Santos. Minha Cidade, São Paulo, ano 04, n. 043.03, Vitruvius, fev. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/04.043/2022>.
O atual governo brasileiro tem insistido em inserir no país uma política de desenvolvimento que impõe aos portos brasileiros uma nova frente de modernização, relacionada à infra-estrutura portuária. Para o porto de Santos calcula-se em R$ 350 milhões a quantia necessária para tal tarefa, recursos que serão destinados quase que em sua totalidade à construção de uma futura avenida perimetral. Segundo estudos que vem sendo realizados pelo Ministério dos Transportes e pela Cia. Docas do Estado de São Paulo – CODESP, a nova avenida vem substituir o antigo sistema rodo-ferroviário que se tornou obsoleto com as mudanças ocorridas no porto após a privatização das operações portuárias.
Hoje o tráfego de veículos na área portuária é livre (com exceção do costado) a qualquer cidadão, e se dá por uma extensa "avenida" cujo traçado é delimitado pelos próprios armazéns e por onde passam, inclusive, linhas de ônibus urbanos que atendem aos trabalhadores do porto. O governo americano pressionou e a Comissão Internacional de Operações Portuárias sancionou novas regras para o combate anti-terrorista em todos os portos mundiais. Até o mês de julho deste ano, o acesso de cidadãos e veículos em áreas portuárias terão que ser controladas. Para nós que crescemos e ainda mantemos nossas raízes em Santos, isto significa nos isolar de uma parte de nossa cidade que ainda colabora para a nossa formação como santista, fruto da convivência secular com o maior porto da América Latina.
A idéia do Ministério dos Transportes é utilizar esta grande avenida perimetral para segregar o porto da cidade. O estudo prevê uma extensa via expressa em áreas hoje ocupadas por ramais ferroviários desativados localizados entre o cais e os bairros do Paquetá, Macuco e Estuário. Não há nenhum estudo de impacto desta nova artéria no viário da cidade, fato que agrava-se com a localização escolhida para a construção da ligação física entre Santos e Guarujá, um túnel sob o estuário que "emergirá" na confluência da futura perimetral, com a Av. Senador Dantas, onde haverá um complexo viário modelo "cebolão", com inúmeros viadutos.
Pior é a passividade do poder público municipal que não enxerga neste projeto, que acarretará profundas mudanças nos fluxos da cidade, a oportunidade de planejamento em longo prazo, utilizando-o como instrumento que atenue suas próprias conseqüências. Se é imperativo a sua construção, então que se faça também para equacionar o saturamento que vem apresentando o plano urbano projetado por Saturnino de Brito, caso contrário, veremos com maior frequência o seu colapso em áreas mais adensadas como os bairros da orla. Não é difícil prever que com a revitalização do centro histórico, a introdução desta artéria junto ao porto e a ligação física entre Santos e Guarujá, todas elas intervenções nos "fundos" da cidade, teremos a partir de então uma bipolaridade de fluxos no sentido leste-noroeste. O primeiro estará distribuído ao longo da orla, como já ocorre, e o segundo junto ao cais. Por isto vale chamar a atenção para o fato que, ou se projeta a ocupação adequada junto ao novo eixo Perimetral-Centro Histórico, aproveitando a infra-estrutura ociosa de seus bairros adjacentes para melhor distribuir o adensamento populacional da cidade ou se transformarão, os três bairros históricos, em uma colcha de retalhos recortados por antigas habitações e novos terminais retroportuários, fazendo conviver em conflito a criança e a empilhadeira, o idoso e o container.
São inúmeros os edifícios históricos da antiga Cia. Docas de Santos, que registra em sua arquitetura os modos de embarque, desembarque e demais atividades portuárias no início do século XX, todos patrimônios ameaçados pela futura Perimetral. São antigos armazéns, oficinas de reparos, usinas de compostagem, subestações de energia elétrica, galpões e garagens que encontram-se desativados, abandonados e localizados nos espaços destinados à nova avenida. Por ser área de legislação federal, há um conflito jurídico que impediria qualquer intervenção do poder municipal na sua preservação, mesmo que este o quisesse. Assim, a cidade veda seus olhos para o que ocorre nos fundos de seu terreno como se este não lhe dissesse respeito, desprezando o que lá tem ocorrido, principalmente após as privatizações de áreas portuárias, onde antigos armazéns, indiscriminadamente de seu valor histórico ou arquitetônico, tem sido demolidos para dar lugar a páteos de containers. Tal patrimônio tem sido e continuará sendo ignorado pela cidade, renegando-lhe ser um importante instrumento de requalificação urbana, agregando valor a futura avenida, dando resignificação a uma área da cidade cujo único significado tem sido a sujeira e o abandono.
Santos sempre teve um perturbado caso de amor e ódio com seu porto. Suas transformações sempre foram impostas pela capital federal sem consultas ou debates em que fossem abordados os seus interesses, como se a cidade fosse o porto e nada mais. Foi assim quando a sua construção em 1890, que criou um muro entre a cidade e o mar, prejudicando seu abastecimento e fato que se repete ao longo da história, como a falência de todos os trapiches da cidade, substituídos pelo monopólio da Cia. Docas de Santos, ou com a nova distribuição das atividades portuárias por ocasião de suas privatizações. Assim será com a construção das futuras pistas e viadutos da avenida perimetral?
sobre o autor
Felipe Ozores é estudante em arquitetura e urbanismo na Escola da Cidade e editor do website www.vivasantos.com.br.